Gilberto Melo

A dissolução de sociedades e o novo CPC

Quando duas ou mais pessoas resolvem fazer uma sociedade, em geral, encontram-se num momento otimista de suas vidas. Acreditam no projeto a que estão se lançando conjuntamente. Nutrem confiança recíproca. Alegram-se com as animadoras perspectivas que alimentam do futuro negócio comum.

Tempos depois, se as expectativas não eram fundadas, os percalços e frustrações normais a qualquer atividade econômica se encarregam de anuviarem o otimismo inicial. Neste momento, se os sócios ainda confiam um no outro e são pessoas razoáveis, podem refazer os planos, ajustar os negócios e continuar a empresa. Caso contrário, criam-se as condições para o surgimento de conflitos, que tendem a conduzir ao fim da sociedade.

O advogado que trabalha com sociedades limitadas conhece, de experiência própria, como termina essa história. Se os conflitos societários não forem, de algum modo, superados, um dos sócios, cedo ou tarde, irá ingressar com a ação de dissolução parcial da sociedade, para deixá-la ou para pedir a exclusão do outro.

A ação judicial de dissolução de sociedade está disciplinada ainda no Código de Processo Civil de 1939. Em 1973, quando entrou em vigor o atual Código, algumas poucas medidas judiciais continuaram a seguir a disciplina do antigo, entre elas a dissolução de sociedade. É inegável que essa situação não deve continuar: a configuração da economia nacional do fim dos anos de 1930 é profundamente diversa da dos nossos tempos. A complexidade das relações societárias, também. Precisamos de uma nova disciplina legal deste tipo de processo.

Deste modo, em maio deste ano, quando cruzei, nos corredores da PUC-SP, com a relatora da comissão constituída pelo Senado para elaboração do anteprojeto de novo CPC, minha colega de magistério, a ilustre processualista Tereza Arruda Alvim Wambier, ofereci-me para redigir uma proposta de atualização do procedimento previsto na norma de 1939. Ela considerou oportuna a sugestão e levou à comissão meu texto.

A proposta de incluir disciplina específica da ação de dissolução de sociedade no anteprojeto de novo CPC, contudo, não foi acolhida no âmbito da Comissão. Um dos princípios adotados foi o de não prever procedimentos especiais em demasia, prestigiando-se o ordinário ou geral. Considerou a comissão que não se justificava submeter a ação de dissolução de sociedade a um rito próprio, especial. Pelo anteprojeto, assim, embora tenha deixado de ser regida pelas vetustas regras da década de 1930 (o que já é um inegável avanço), a dissolução de sociedade sujeita-se ao procedimento ordinário.

O princípio adotado pela Comissão está corretíssimo, não há dúvida. O novo CPC não deve prever procedimentos especiais em profusão, porque isto tornaria a atividade jurisdicional desnecessariamente complicada. Discordo apenas de sua pertinência em relação à ação de dissolução de sociedade.

Há duas definições básicas, que o juiz deve tomar, nesse tipo de processo, desde o início da apuração de haveres, para garantir-lhe racionalidade, celeridade e segurança jurídica. Uma delas é a data em que deve ser considerada resolvida a sociedade em relação a um dos sócios. Trata-se de definição imprescindível, porque não apenas norteia o corte temporal para a avaliação das quotas, como marca o momento em que a pessoa deixa de ser sócia e passa a ser credora da sociedade; isto é, o dia em que o investimento de risco deixa de existir, para ceder lugar a um crédito, cujo valor não depende do sucesso ou insucesso da empresa devedora.

A outra definição crucial, que o juiz deve adotar logo no início do processo, diz respeito ao critério de avaliação da participação societária do sócio que se desliga (ou dos sucessores do sócio falecido). Esse critério está, em geral, definido no contrato social; em sua omissão, aplica-se o da lei (valor patrimonial). Não raramente divergem os sócios sobre como interpretar-se a cláusula do contrato ou aplicar-se o preceito legal. O juiz deve resolver este impasse logo no início da demanda, para que o processo se desenvolva justa, racional e celeremente.

O cerne da discussão, portanto, consiste em sopesar se a ação de dissolução de sociedade, em vista destas decisões iniciais indispensáveis à sua adequada tramitação, merece observar um procedimento especial, ou se o ordinário atenderia suficientemente suas características.

O senador Valter Pereira, em seu erudito relatório apresentado em 24 de novembro, convencido da importância do procedimento especial para a ação de dissolução parcial de sociedade, incorporou-o ao futuro Código (projeto, arts. 585 a 595). Foram aproveitadas partes daquela minuta que apresentei à comissão redatora do anteprojeto, bem como de sugestões de institutos e juristas, de vários pontos do país, que partilhavam de igual preocupação. O competente parlamentar relator do projeto aprimorou os textos originários destas iniciativas, e chegou a uma disciplina moderna, ágil, coerente e mais que adequada para o instituto.

A aprovação desta disciplina da ação de dissolução parcial de sociedade representará, certamente, um enorme avanço para a solução em juízo dos conflitos entre os sócios, garantindo que a energia e o tempo de muitos empresários brasileiros não se desperdicem com a eternização de medidas judiciais, e possam ser utilmente aproveitados na atividade econômica, em proveito de toda a sociedade brasileira.

Autor: Fábio Ulhoa Coelho, jurista e professor da PUC-SP
Fonte: Valor Econômico