Gilberto Melo

A Lei de Usura vigendo há 76 anos

O Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, mais conhecido por Lei de Usura, orienta a questão dos juros remuneratórios e de mora, nas operações de empréstimos. Atualmente, as operações de financiamento habitacional examinadas e discutidas na esfera judicial, são admitidas, geralmente, sob remuneração máxima de 10% ao ano, quando firmadas até  a Lei nº 8.692/93 e, após, de 12% ao ano.
 
Mas, invariavelmente, um aspecto importante nessa conta deixa de ser considerado, estando o mesmo preceituado no art. 6, da citada Lei de Usura:
 
“Art. 6º – Tratando-se de operações a prazo superior a (6) seis meses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o cálculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda á que produziria a importância liquida da operação no prazo convencionado, ás taxas máximas que esta lei permite.”
 
A Lei nº 4.380/64, que criou o BNH e o SFH, estabelece no seu Art. 6, alínea “c”:
 
 “c) Ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluem amortização e juros.”
 
A partir deste preceito, deve-se utilizar um sistema de amortização que aponte o valor do prestacionamento fixo que inclua amortização e juros, mas, por certo, sem deixar de considerar o disposto no art. 6, do Decreto nº 22.626/33, quanto ao limite de remuneração máxima;
 
Ocorre que, na matemática financeira, o pagamento do valor financiado,  de forma antecipada, ou seja, em prestações sucessivas de amortização e juros, implica, tecnicamente, na consideração do elemento tempo, ou seja, o custo do dinheiro no tempo;
 
Daí a diferenciação das operações sob regime de  juros simples, as quais utilizam a taxa (i) prospectada no prazo (n) de forma linear, ou seja i x n, em relação às operações sob regime de juros compostos, em que a taxa (i) é exponenciada no prazo (n);
 
Richard Price criou o Sistema Francês de Amortização, também conhecido por Tabela Price, em que o valor líquido da operação é pago em prestações fixas de amortização e juros, sendo que o custo da operação é correspondente ao pagamento do valor líquido e dos juros remuneratórios apenas ao final do prazo convencionado, calculados, estes, mediante a exponenciação da taxa (i) no prazo (n);
 
Ou seja, no sistema Price, o financiamento de R$ 100.000,00, em 12 meses, a taxa nominal de 10% ao ano, com prestação mensal fixa de R$ 8.791,59, tem o mesmo custo que se pago apenas ao final do prazo, o capital e os juros remuneratórios, estes, calculados à taxa (i) prospectada exponencialmente em 12 meses;
 
Tal efeito se comprova, na matemática financeira, quando examinados os pagamentos do prestacionamento, em valor atual, na data focal zero, ou em valor futuro.
 
Gauss, por sua vez, criou um sistema de prestações fixas, compreendendo amortização e juros remuneratórios, porém, estes, pagos em proporção parcial pelo mutuário;
 
No entendimento de Gauss, sendo antecipado o pagamento de partes do capital e os juros remuneratórios do período já decorrido ao agente credor, este tem oportunidade de obter idêntica remuneração, no período remanescente, sobre estes valores que lhe foram adiantados,  por meio de outra operação de empréstimo; 
 
Por isto, no sistema Gauss, além do cálculo do prestacionamento fixo levar em conta a prospecção da taxa (i) nominal no prazo (n) de forma linear, ou seja sob capitalização simples, há a consideração de redutor que aporta para cada prestação apenas parte dos juros pactuados;
 
A análise das propriedades matemáticas do sistema Price pelo Judiciário, especificamente quando utilizado nas operações do SFH, via de regra, reconhece-lhe  características de juro composto, pelo fato de utilizar a prospecção da taxa (i) no prazo (n) de forma exponencial, no estabelecimento do prestacionamento fixo e ou, ainda, mais explicitamente, quando se apresentam amortizações de valor negativo (juros impagos) que são adicionadas (incorporadas) ao saldo devedor do financiamento;
 
A Lei nº 4.380/64, ainda que não estabeleça, na alínea “c”, do art. 6, que o prestacionamento fixo seja apurado com a prospecção da taxa(i) no prazo(n) de forma linear, ou exponencial, fica adstrita ao preceito do art. 6, do Decreto 22.626/33, no sentido de que “…quando os juros ajustados forem pagos por antecipação o cálculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda á que produziria a importância liquida da operação no prazo convencionado, ás taxas máximas que esta lei permite.”;
 
Ou seja, a prospecção da taxa (i) no prazo (n) será linear ou exponencial, porém, de  modo que o prestacionamento fixo reflita a utilização do valor financiado, aplicado no prazo convencionado, às taxas máximas em vigor (10% a.a., até a Lei nº 8.692/93 e, após, de 12% a.a.), com resultado de capitalização simples da taxa (i);
 
Evidencia-se, então, que a Lei de Usura, que proíbe o cômputo de juros sobre juros, característico de operações sob regime de juros compostos, preceitua, em seu art. 6, que a remuneração, quando paga antecipadamente seja, ao final, na medida correspondente à de juros simples.
 
Se houver entendimento de que o sistema de amortização possa se utilizar da exponenciação para prospecção da taxa (i) no prazo (n), mas, que, obrigatoriamente, o custo da operação se limite ao que seria obtido como se pagos o capital e os juros, integralmente, ao final do prazo, a juros simples, então,  é preciso, apenas, encontrar a taxa (i) equivalente, que onere a operação em montante correspondente ao regime de juros simples.

Fonte: www.espacovital.com.br