Gilberto Melo

A realidade jurídica da limitação dos juros

A limitação dos juros até hoje é motivo de inúmeras discussões. Alguns juristas invocam a Lei da Usura (Decreto 22.626/33), o já revogado parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, o novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor para fundamentarem a limitação dos juros. Outros, mais ligados à economia, defendem que a taxa dos juros deve ser flutuante, segundo as regras do mercado, não podendo o julgador interferir na economia e criar uma regra rígida, sob pena de comprometer o mercado e, assim, as normas citadas não teriam aplicação, no que tange à limitação dos juros, em relação às instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, mas apenas aos particulares. Além disso, alguns ainda se apegam, ainda que sobre outros argumentos, ao pacta sunt servanda, donde que não poderia o mutuário contratar e depois querer rever a taxa de juros pactuada sob pena de violação do referido princípio.

Todos os argumentos geram celeuma sobre a questão.

Inicio a argumentação citando o artigo 192, caput, da Constituição Federal que dispõe:
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram” – destaquei.

Ou seja, apesar de o Sistema Financeiro dever ser regulado por leis complementares, tal norma constitucional, ao dispor que ele será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, acabou por criar um verdadeiro princípio, ou melhor, um objetivo a ser seguido pelo aludido sistema.

Elucidando essa questão, eis parte do voto (vencedor) prolatado pelo Ministro Eros Grau na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591-1, onde se discutiu a aplicação do CDC aos bancos:
“…permito-me ainda discordar do que se afirmou anteriormente, na observação de que o texto do artigo 192 incorpora expressão que deveria constar da exposição de motivos da lei. A mim parece incompreensível possa alguém negar força normativa a esta autêntica norma-objetivo consagrada no texto constitucional, que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade”.

Vale dizer, na visão atual do STF, o caput do artigo 192 da Constituição Federal, na parte que dispõe sobre a necessidade de as instituições financeiras (integrantes do Sistema Financeiro Nacional) promoverem o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade é uma verdadeira norma-objetivo, um princípio norteador do desenvolvimento nacional (objetivo a ser seguido) que, por ser princípio, evidentemente não precisa ser regulamentado por lei, já que princípios valem por si.

A compreensão disso é de extrema relevância, pois não se pode negar, independentemente da discussão sobre o Conselho Monetário Nacional ter perdido a competência para regular matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações com o advento da Constituição Federal (artigo 48, XIII), que o Conselho Monetário ainda na prática está regulando toda essa matéria, evidentemente que sob a ótica macroeconômica, criando regras sobre a taxa básica de juros, dentre outras, a ser praticada no mercado, taxa essa que não é vinculante, de modo que, na verdade, as instituições financeiras praticam os juros segundo as regras de mercado por elas mesmo regulado. A questão que se formula aqui é saber se o Judiciário, um dos Poderes do Estado destinado a fazer Justiça, além de fazer parte do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, pode, em casa caso concreto, ou seja, sob a ótica microeconômica, limitar os juros, evitando o esmagamento do mais fraco pelo mais forte, sem interferir sobremaneira na política econômica nacional, que continuará seguindo o seu curso.

Para chegar nessa visão microeconômica, parto de uma visão macroeconômica. Tive a oportunidade, certa vez, em 2005, quando assessorava no TJMS, de elaborar uma minuta desse raciocínio a alguns juristas que queriam mudar de opinião sobre a limitação dos juros, liberando-os. Transcrevo-a:
“Basta meditar. A questão não é só jurídica. Jurídico talvez seja só o meio. Existe uma enorme questão social por de trás de tudo isso.

Não com rara freqüência vemos instituições financeiras baterem recorde de lucros (bilhões…). Não se está aqui invejando o capital alheio, mas observando-se uma imensa atividade de concentração de renda. A atividade bancária se desenvolveu de tal modo que é praticamente impossível uma pessoa não depender direta ou indiretamente de um Banco, seja para receber salário, fazer pagamentos, compras e até mesmo num momento de sufoco entrar no limite de crédito (hoje fornecido automaticamente), acabando por sapatear meses ou anos para quitar a dívida….

Juros altos só servem para isso, concentrar renda e diminuir, senão esmagar a possibilidade de crescimento econômico do País. Explico.

Ora, juros altos retiram do povo brasileiro uma parcela considerável de sua renda que, caso ficasse nas mãos do próprio povo, ele inegavelmente iria (como consumidor nato que é todo ser humano) injetar esse dinheiro no comércio, seja pagando pela prestação de um serviço ou adquirindo um produto durável ou não durável, visando melhorar a sua qualidade de vida. Em contrapartida, o comércio, vendendo mais, além de criar empregos, cuja remuneração também se reverterá para essa corrente, irá adquirir mais produtos da indústria, que por sua vez também irá empregar mais, gerando novo fator de riqueza, sendo que igualmente irá adquirir mais matéria prima do produtor que, ao seu turno, irá injetar riqueza no comércio, completando toda essa corrente. Aliás, essa imensa movimentação de riqueza acarretará automaticamente o aumento da arrecadação do fisco sem aumentar a carga tributária (outro fator de repressão ao crescimento econômico e social).

No entanto, não é o que ocorre. As instituições financeiras cobram juros altos (alguns chegam a 150% ao ano, como no cheque-especial), concentram renda, o crescimento econômico e social do País segue a passo de tartaruga, os recordes de bilhões em termos de lucro são devolvidos para a sociedade novamente tomar empréstimo e esse círculo vicioso continua e continua. Ou seja, ao invés do sonho desenvolvido no parágrafo anterior, o povo vive outra triste realidade.

Os Bancos se desenvolveram a tal ponto que chegam a influenciar na inflação. Quando a coisa arrocha, o governo ‘libera’ os juros que já estão desde sempre liberados no plano fático; a notícia de juros altos diminui temporariamente a circulação do dinheiro bancário, a procura cai e os preços também temporariamente, mas os lucros dos Bancos não.

Mas não é só essa influência política das instituições financeiras… o § 3º do artigo 192 da Constituição Federal foi revogado pela Emenda 40. Há poucos dias saiu uma Medida Provisória obrigando o povo brasileiro, nas compras a crédito, ser obrigado a efetuar o pagamento através de cheque ou de cartão de crédito. Na revista ‘Época’, o Ministro da Fazenda desabafou que mesmo a economia estando ‘sustentável’ os juros e a carga tributária continuarão altos (lembrando-se que a alta carga tributária incide na classe média – quem mais depende dos bancos – sem contar que, proporcionalmente, as instituições financeiras deveriam pagar mais tributo).

(…)

Retomando o assunto, agora pergunto: é justo concentrar renda enquanto o povo brasileiro limita a sua qualidade de vida? É justo concentrar renda enquanto o crescimento econômico do País é insignificante? Porque será que a Constituição “Cidadã” veio limitar os juros?

Longe de não ter amor ao meu País, mas basta olhar a América do Norte e a Europa para observar que nos Países de tais regiões se praticam juros baixíssimos… e é exatamente em tais regiões do planeta que se encontram os Países mais desenvolvidos.

E nem se diga que no Brasil os juros devem ser altos em decorrência da inflação, seja por ela estar em patamares bem melhores do que antes, seja porque basta aplicar um adequado índice de correção monetária para aniquilar o efeito corrosivo dela decorrente.

Honestamente, não há como oscilar. Mesmo que a maioria dos contratos bancários seja regularmente cumprida. Mesmo que somente a minoria dos casos chegue ao Poder Judiciário, essa minoria merece esse controle social e jurídico. O Poder Judiciário deve exercer o seu papel de justo, lembrando que ele exerce juntamente com os demais poderes a soberania do Estado Brasileiro. Ainda que o Legislativo e o Executivo, até pela sua mobilidade, deixem de exercer a justiça social na maioria dos casos (considerando a amplitude de tais Poderes), o Judiciário, na minoria dos casos que seja, deve ser justo.

Assim, ainda que os Tribunais Superiores liberem os juros, minha parcela de justiça social existirá, mesmo que temporariamente…

Ademais, o fato dos demais Tribunais e Juízes limitarem os juros já enseja a possibilidade de tal limitação se efetivar caso o recurso especial ou extraordinário não seja admitido… Veja-se, ainda, que diante da demora para as instituições obterem nas Instâncias Superiores a liberação dos juros, elas estão facilitando a possibilidade de acordo.

(…)

Enfim, ainda que dos poucos casos submetidos ao crivo do Judiciário em muitos deles as Instâncias Superiores liberam os juros, tenho que os demais Tribunais e Juízes devem continuar a manter o seu posicionamento, pois algum efeito prático possui. De qualquer forma, estão fazendo sua parte social frente ao povo brasileiro, aplicando a lei segundo os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil)”
.

Esse raciocínio não mudou. Notícia divulgada no site do jornal “Estadão“, em 6 de novembro de 2006, informa que apenas um dos bancos nacionais, nos nove primeiros meses de 2006, já lucrou mais de cinco bilhões de reais (vide ). Veja-se que se trata de apenas um banco. Imagine-se se fosse somar o lucro das centenas de bancos que atuam no País. Outra notícia, titulada “Receita de tarifas bancárias ultrapassa a de 26 Estados“, datada de 10 de março de 2006 (vide ) informa que apenas com tarifas, os sete maiores bancos atuantes no Brasil, em 2005, arrecadaram mais de 31 bilhões de reais, o que corresponde à soma dos recursos orçamentários de 12 Estados (R$ 28,823 bilhões) da União: Amapá, Acre, Alagoas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Piauí, Paraíba, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. Apenas o Estado de São Paulo teve arrecadação superior, sendo que os outros 26 Estados isoladamente tiveram receita inferior. Não se esqueça que a arrecadação com tarifas bancárias é uma pequena parcela da arrecadação dos bancos, pois a maior parte decorre das altas taxas de juros pródiga e passivamente permitidas pelo governo. Pense-se, então, no lucro real do setor, especialmente no ano de 2006 onde houve um aumento considerável do lucro dessas instituições em relação a 2005. Só para fazer uma pequena comparação, o PIB de 2005 foi de 1,9 trilhões de reais. Considerando que cerca de 40% do PIB corresponde à carga tributária, bem se vê que dos outros 60% o sistema financeiro nacional fica com uma considerável parte.

Esse poder das instituições financeiras criar dinheiro é bem explicado pelo Ministro do STF Eros Grau no voto condutor do julgamento da já citada ADIn 2.591-1, in verbis:
“O volume de moeda adicional ‘criado’ pelo banco corresponde a ‘moeda escritural’, isto é, a ‘moeda bancária’ – moeda que, na dicção de Eugênio Gudin, ‘só se concretiza nos livros’ dos bancos, através de algarismos que passam de um a outro livro ou de uma a outra coluna. Esses algarismos são animados pela vontade das partes mas não saem dos estabelecimentos de crédito, onde nascem, circulam e desaparecem’.

Vou me deter um instante neste ponto, procurando desvendar essa poderosa capacidade de criação de riqueza abstrata de que os bancos desfrutam.

Quando um banco concede empréstimo a alguém, utiliza-se, para tanto, de moeda que recebeu de seus depositantes. Assim, admitindo-se que o banco A tivesse recebido um volume total de depósitos igual a 100, alguém poderia supor que esse banco [o banco A] estivesse capacitado a contratar empréstimos, com B, C e D, no valor total de 100.

Essa suposição é, todavia, equivocada. E isso porque, a qualquer momento, um ou mais titulares de depósitos à vista no banco A poderão emitir cheques contra o banco depositário. Logo, é evidente que, se não o valor 100, ao menos uma parcela desse valor haverá de ser mantida em poder do banco A, a fim de que possa ele, tão logo sacados esses cheques, pagá-los. Essa parcela do valor 100, mantida em caixa pelo banco A, é chamada de ‘encaixe’ (‘encaixe bancário’). Evidente que, se supusermos que aqueles depositantes que sacam valores de seus próprios depósitos o fazem para manter consigo os valores sacados, a parcela de encaixe do banco A será extremamente elevada, em termos percentuais. O quanto restaria para ser emprestado a B, C e D seria praticamente irrelevante.

Sucede, contudo, em primeiro lugar, que os depositantes no banco A, quando sacam cheques contra o banco depositário, fazem-no, na maioria das vezes, para liquidar obrigações perante terceiros. E esses terceiros, naturalmente, depositam os cheques que receberam em um banco. Suponha-se somente existisse em determinada localidade o banco A: os credores que receberam cheques sacados contra o banco A irão depositá-los no banco A. Em segundo lugar, ocorre que B, C e D – tomadores de crédito junto ao banco A – lançam mão desse crédito para efetuar pagamentos a terceiros, que, por sua vez, depositam os valores recebidos de B, C e D nesse mesmo banco A.

Assim, é evidente que, ao contrário do que anteriormente se supôs, a parcela de encaixe do banco A, aplicada sobre o volume nominal dos depósitos, não será necessariamente elevada, em termos percentuais.

Resumindo: encaixe bancário é a parcela de moeda que o banco A mantém em seu poder para atender a eventuais quedas no volume total dos seus depósitos à vista.

Isto posto, teremos que, nas circunstâncias acima consideradas, o encaixe do banco A poderá ser igual, exemplificativamente, a 20% do volume total dos depósitos à vista que tiver recebido.

Naquelas circunstâncias – supondo-se existisse somente o banco A em determinada localidade e que nenhum dos titulares de depósito à vista nele tivesse sacado valores, contra esses depósitos, para mantê-los entesourados consigo, debaixo do colchão – teremos que:

[i] – originariamente foram depositados 100 no banco A;

[ii] – o banco A emprestou 80 a B, C e D;

[iii] – os terceiros, que receberam pagamentos de B, C e D, depositaram esses 80 no banco A;

[iv] – o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 80, emprestando 64 a E, F e G;

[v] – os terceiros, que receberam pagamentos de E, F e G, depositaram esses 64 no banco A;

[vi] – o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 64, emprestando, em números redondos, 51 a H, I e J;

[vii] – os terceiros, que receberam pagamentos de H, I e J, depositaram esses 51 no banco A;

[viii] – o banco A conservou 20% [= encaixe] desses 51, emprestando, em números redondos, 40 a K, L e M;

[ix] – os terceiros, que receberam pagamentos de K, L e M, depositaram esses 40 no banco A.

O banco A, assim, a partir dos 100 recebidos em moeda circulante de seus originários depositantes, terá emprestado 235, multiplicando por mais do que dois aquela quantidade de moeda circulante; terá 335 em depósito, recebidos de seus originários depositantes e dos terceiros que receberam pagamentos de B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L e M.

Eis como o banco A, a partir dos 100 que recebeu de seus originários depositantes em moeda circulante, pode ‘criar’ um volume de moeda adicional no valor de 235.

O fato de, em verdade, não ser o banco A o único existente, ainda que em uma determinada localidade ideal, em nada altera a exposição até esse ponto produzida.

E assim é porque, ainda que alguns dos terceiros que receberam pagamentos de B a M e dos originários titulares de depósitos à vista no banco A não sejam clientes do banco A – mas sim do banco X e do banco Y — B e todos os demais, até M, e aqueles originários titulares de depósitos à vista no banco A em determinado momento receberão pagamentos em cheques sacados contra os bancos X e Y e os depositarão no banco A. A compensação entre créditos e débitos recíprocos é então feita nas chamadas câmaras de compensação.

Essa monumental multiplicação de moeda produzida pelos bancos sempre gera efeitos sensíveis, mas extremamente exacerbados, extremamente exacerbados quando a taxa de juros é elevada, como ocorre entre nós. Altas taxas de juros incidindo sobre uma base de depósitos inúmeras vezes multiplicada – para ficar somente no tema dos juros, sem avançar para o das tarifas – vale dizer, multiplicação de moeda a taxas elevadíssimas, isso é que explica o mais do que monumental lucro dos bancos, cujos montantes, por uma notável coincidência, foram divulgados pela imprensa no dia seguinte à sessão plenária, desta Corte, na qual votou o Ministro Nelson Jobim, 22 de fevereiro passado. Um deles lucrou cinco bilhões e meio em 2005. A circunstância de a taxa de juros ao consumidor ser muito elevada entre nós explica apenas parcialmente esse lucro que causa espanto.
No anexo ao voto do Ministro Nelson Jobim lê-se que essa taxa – “taxa de juros ao consumidor” [repito: ‘ao consumidor’!] – em 2005 era de 56,85% ao ano. Na verdade, porém, o sistema bancário, no seu conjunto, recebe muito mais do que esses 56,85% ao ano pelo crédito que concede, visto que, mercê do expediente da criação de moeda escritural, empresta mais de uma vez o mesmo dinheiro que recebeu de seus depositantes. No exemplo de que há pouco me vali, 100 recebidos em depósito a vista são transformados em 235, o que elevaria os juros percebidos pelo banco A de 56,85% a 133,59% ao ano. E, notem bem, meu exemplo é discreto, eis que em certos casos a quantidade de depósitos chega a ser multiplicada por três, o que elevaria a taxa de juros ao consumidor a mais de 170% ao ano.

Ora, essa poderosa capacidade de criação de riqueza abstrata não pode ficar sujeita a administração desde a perspectiva das relações microeconômicas, sob pena de comprometimento dos objetivos que o artigo 192 da Constituição visa a realizar, o desenvolvimento equilibrado do País e a satisfação do interesse da coletividade.

Importa, no entanto, também considerarmos o descompasso existente entre a taxa de juros SELIC e as taxas efetivamente impostas pelos bancos a seus clientes. Taxa de juros SELIC é a ‘taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), para títulos federais’.

É denominada básica para o mercado por ser aquela que o Estado, devedor peculiar, paga por seu endividamento e ao mesmo tempo sinaliza a política monetária implementada pelo Banco Central. Pois bem, a taxa de juros SELIC resulta amplamente ultrapassada nas contratações de créditos concedidos pelos bancos a todos os seus clientes, consumidores ou empresas, pessoas físicas ou jurídicas, precisamente aquelas contratações que operam a multiplicação de moeda e sua transformação em moeda escritural.

Deveras, a mera e simples comparação entre o montante da chamada taxa SELIC – que, sem nenhuma dúvida, é bastante elevada, se a considerarmos em relação à praticada em outros países – e a soma da efetivamente cobrada no plano de cada negócio individualmente considerado celebrado com os tomadores de crédito evidencia ser indispensável o efetivo controle da composição dessa soma. E não apenas nas hipóteses de relação entre banco, fornecedor de crédito, e cliente, pessoa física, senão também quando se trate de pequena ou média empresa. Pois aqui se instala – e de modo pronunciado – uma relação de dominação, em cujo pólo ativo comparecem os bancos, no pólo passivo, suportando-a, o devedor. Em certos casos, autênticas situações de dependência econômica. O cliente do banco coloca-se sob os efeitos de uma relação de dominação, inclusive a que o abarca quando compelido a depositar em uma instituição financeira suas poupanças. Desejo dizer, com isso, que o Banco Central está vinculado pelo dever-poder de controlar vigorosamente a definição contratual do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia.

Daí porque tenho como indispensável a coibição de abusos praticados
quando instituições financeiras acrescentam à taxa base de juros, a chamada taxa SELIC, taxas adicionais de serviços e outros que tais. Vale dizer: tudo quanto exceda a taxa base de
juros, os percentuais que a ela são adicionados e findam por compor o spread bancário, tudo isso pode e deve ser controlado pelo Banco Central e, se o caso, pelo Poder Judiciário. Não incide, contudo, sobre esta matéria – repito: definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia – não incide, dizia eu, o microsistema do Código de Defesa do Consumidor, mas sim o Código Civil. O fato é que tudo quanto exceda o patamar da taxa SELIC é pura relação contratual. Por óbvio, a abusividade e a onerosidade excessiva na composição contratual dessa taxa, além de outras distorções, são passíveis de revisão nos termos dos preceitos aplicáveis do Código Civil – e, repito ainda, não somente em benefício do cliente pessoa física, mas também em especial das pequenas empresas, em relação às quais a dependência econômica pode estar francamente caracterizada. É necessário não perdermos de vista o poder do oligopólio constituído pelas instituições financeiras, capazes de, na multiplicação de moeda circulante em moeda escritural, produzir bem público. O que acima demonstrei, explicando os mecanismos de criação de moeda escritural e como estão constituídos os lucros das instituições financeiras, é impressionante.

Não acompanho o voto do eminente Ministro Nelson Jobim, que faz distinção entre “operações bancárias” e “serviços bancários”, para excluir plenamente da incidência da norma veiculada pelo § 2º do artigo 3º da Lei n. 8.078/90 as primeiras, o que, em rigor, equivale a dar-se procedência à ação direta. Com efeito, afastadas as “operações bancárias”, o Código de Defesa do Consumidor incidiria unicamente, na dicção do Ministro Nelson Jobim, sobre serviços autônomos prestados pelo banco, tal como outro prestador qualquer, recebendo remuneração específica por esse serviço [custódia de valores, caixa de segurança, cobrança de títulos, remessas financeiras, compra e venda de títulos e outras desse estilo]. Por outro lado, afirmar que os clientes bancários das operações bancárias estariam submetidos a sistema próprio de proteção é dizer que não estão protegidos, visto que as resoluções n. 2.878 e n. 2.892/2001 afrontam escancaradamente o princípio da legalidade. A proteção dos clientes bancários nas operações bancárias não é matéria atinente ao funcionamento das instituições financeiras. Essas resoluções são despidas de significação normativa, são – para lembrar Fernando Pessoa – são papel escrito com tinta, onde está indistinta a diferença entre nada e coisa nenhuma.

Sendo assim, julgo parcialmente procedente a ADI, de modo porém diverso do que o fez o Ministro Carlos Velloso, para o fim exclusivo de afastar a exegese que submeta às normas da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. Isso sem prejuízo do controle, pelo Banco Central, e do controle e revisão pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros, no que tange ao quanto exceda a taxa base”.

Desse entendimento, em sede de ADIn, onde há atualmente o efeito vinculante aos demais órgãos do Judiciário, percebe-se que o CDC se aplica às instituições financeiras. O acórdão dos Embargos de Declaração opostos na referida ADin inclusive retirou da emenda a ressalva feito no voto condutor do julgamento sobre o custo da captação da moeda como limite para a incidência do CDC. Mas esse raciocínio é até lógico, ou seja, o CDC não pode interferir na definição do “custo” (só isso) da intermediação entre a captação de dinheiro e o seu empréstimo, já que no plano abstrato isso deve ser feito pelo Conselho Monetário Nacional, considerando o mercado. Porém, ainda assim tudo que excede a taxa SELIC (taxa elaborada segundo as variações do mercado) poderá ser discutido, inclusive no plano concreto, frente ao Poder Judiciário, até mesmo sob a ótica da abusividade (por sinal contemplada no CDC), da onerosidade etc., enfim, poderá ser discutido frente ao Código Civil e ao ordenamento jurídico como um todo, desde que, repita-se, isso não venha a definir o custo da mencionada intermediação.

Esse precedente histórico do STF, ainda que na prática tenha se restringindo a consolidar a aplicação do CDC aos bancos, bem demonstra como se deve, sob uma ótica macroeconômica, ter em vista os ditames do caput do artigo 192 da Constituição Federal, sem prejuízo de uma análise microeconômica caso a caso.

Vê-se claramente, então, que a regulamentação macroeconômica realizada pelo Conselho Monetário Nacional, em diversos casos concretos, não atende os preceitos do caput do artigo 192 da Constituição Federal defendidos pelo STF, pois não promove o desenvolvimento equilibrado do País e não atende os interesses sociais, pois freia o desenvolvimento, concentra renda, empobrece a nação, o que só é útil para os próprios Bancos.

Assim, impõe-se a aplicação do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” para se admitir a redução dos juros. Essa redução, a princípio, deveria se limitar à taxa básica de juros (SELIC), sem qualquer correção monetária, pois essa taxa já leva em conta a inflação, o custo da captação da moeda etc. Contudo, resta evidente que limitar os juros e a correção à taxa SELIC de um contrato de mútuo não se mostra razoável frente à realidade inclusive microeconômica desses contratos. Ao seu turno, juros de 12% ao ano sobre um capital corrigido pelo IGPM, por exemplo, resultará numa taxa final (juros + correção) superior à SELIC, o que se mostra razoável à instituição financeira e, ao mesmo tempo, não abusivo ao consumidor.

Esse entendimento ganha realce se for considerar a legislação, a par do CDC (já decidido pelo STF), quanto à taxa de juros.

Neste contexto, já tive, antes mesmo de ingressar na magistratura, quando auxiliava magistrados, oportunidade de defender que, antes da promulgação da Carta Magna de 1988, no ano de 1933, os juros já tinham sido fixados em 1% ao mês pelo Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, conhecido como “Lei de Usura“, que em seu artigo 1º dispõe:
“É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”.

A taxa legal, desde a promulgação do Código Civil de 1916 era conhecida como aquela não contratada, ou seja, de 6% ao ano (artigo 1.063), e a Lei de Usura permitiu a elevação para o dobro, ou seja, 12 % ao ano, estabelecendo uma nova taxa legal, mas agora como limite máximo de qualquer contratação. A fixação dessa taxa de 12% ao ano, aliás, foi o espírito do Decreto 22.626/33 (que tem força de lei) e não se alterou, mesmo com o advento do novo Código Civil, até porque entendimento contrário implicaria na revogação do primeiro pelo último (artigo 591 do novo Código Civil c.c. artigo 161 parágrafo primeiro, do CTN, ou seja, o novo estatuto fixou novamente os juros em 12% ao ano frente ao CTN, até porque o artigo 406 do novo Código, ao falar em juros da mora da Fazenda Nacional, não se refere à taxa SELIC pelo simples fato dessa última também embutir em seu cálculo, conforme visto, a inflação etc. – tanto que a União apenas utiliza essa taxa, sem incidir correção monetária, para os débitos fiscais – não servindo, portanto, como pura taxa de juros).

Essa legislação infraconstitucional ainda está em vigor, uma vez que não foi revogada expressa ou tacitamente por outro dispositivo de igual ou superior hierarquia.

Não há como admitir que as entidades financeiras estão excluídas da limitação da Lei de Usura por força da Lei 4.595/64, que em seu artigo 4º, inciso IX, conferiu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) poderes para estipular as regras sobre os juros nas operações financeiras. Foi quando o CMN, convenientemente, editou a Resolução 1.064 liberando os juros para os bancos.

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), em seu artigo 2º, § 1º, dispõe que a lei posterior revoga a anterior: a) por declaração expressa; b) por incompatibilidade; c) quando regular inteiramente a matéria.

A Lei 4.595/64 não revogou expressamente qualquer dispositivo do Decreto 22.626/33.

Igualmente não ocorre incompatibilidade da lei posterior com a anterior. Ao prever a lei posterior competência do Conselho Monetário Nacional para limitar sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros…”, não ampliou a limitação dos juros prevista na Lei de Usura, pois limitar não significa liberar.

Ainda, a Lei de Usura se destina à coletividade, enquanto a Lei 4.595/64 somente é dirigida às relações com entidades bancárias ou creditícias. Como diversos são os objetivos dos dois diplomas legais, não se pode afirmar que a Lei 4.595/64 regulou toda a matéria de que trata o Decreto 22.626/33.

Consequentemente, a Resolução 1.064 do CMN, que liberou os juros para as instituições financeiras, afronta tanto a Lei 4.595/64, que tinha atribuído ao CMN a competência de “limitar” e não liberar os juros para as instituições creditícias, quanto o Decreto 22.626/33 que limitou os juros em de 12 % ao ano, no máximo.

Ademais, o Ministro do STF Eros Grau, no já citado voto vencedor na ADIn 2.591, analisando situação semelhante, onde, com base na Lei 4.595/64 e, por conseqüência, com base em Resolução do CMN, os bancos pretendiam excluir a incidência do CDC em suas operações, bem decidiu essa questão:
“Parece-me oportuno, de outra banda, considerarmos argumento desenvolvido em memorial, segundo o qual a lei especial, como tal entendida, no caso, uma resolução do Conselho Monetário Nacional, afastaria a aplicação da lei geral, vale dizer, do Código de Defesa do Consumidor.

O artigo 4º, inciso VIII, da Lei n. 4.595/64 estabelece que compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República (redação da Lei n. 6.045/74), ‘[r]egular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas’.

O vulgo, quem não é versado nos meandros do direito supõe, equivocadamente, que é o Banco Central quem dispõe sobre esta matéria. Não é assim, contudo. O titular do exercício da chamada ‘capacidade normativa de conjuntura’ é o Conselho Monetário Nacional. O Banco Central limita-se a dar publicidade às deliberações do colegiado. A questão a considerar respeita à determinação do significado, no contexto do preceito – isto é, no mencionado artigo 4º, inciso VIII — do vocábulo ‘funcionamento’. É unicamente sobre esta matéria que o Conselho Monetário Nacional está autorizado a dispor texto normativo. Os que exercem atividades subordinadas à Lei n. 4.595/64 são as instituições financeiras. Logo, é do ‘funcionamento’ das instituições financeiras que se trata. Podemos, portanto, dizer: desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O Conselho Monetário Nacional regula o desempenho de suas atividades pelas instituições financeiras. O vocábulo ‘funcionamento’ é, porém, mais forte, na medida em que expressivo da circunstância de as instituições cumprirem uma função no quadro do sistema financeiro nacional. O vocábulo tem a virtude de tornar bem explícito o fato de a lei ter estabelecido que para funcionar, para desempenhar a atividade de intermediação financeira, a empresa deverá cumprir o que determina o Conselho Monetário Nacional no que concerne a sua adequação a esse desempenho. Vale dizer, quanto ao nível de capitalização, à solidez patrimonial, aos negócios que poderá realizar [por exemplo, câmbio, captação de depósitos à vista, etc.], à sua constituição de conformidade com as regras legais [lei das sociedades anônimas, com todas as suas implicações]. Entrando em funcionamento, a instituição financeira, mercê da autorização que para tanto recebeu, pode exercer determinadas atividades, v.g., captar depósitos à vista, pagar benefícios previdenciários, captar poupança, receber tributos. Essas atividades deverão ser, no entanto, desempenhadas no quadro das determinações dispostas pelo órgão normativo [v.g., tipos de operações permitidas ou vedadas; volumes a serem aplicados nessa ou naquela modalidade de crédito; posições cambiais (níveis) a serem cumpridas e negócios dessa natureza que podem ou não ser contratados]. Digo mais: esse exercício há de ser empreendido de modo que a empresa – isto é, a instituição financeira – funcione em coerência com certas diretrizes de políticas públicas, suas prerrogativas sendo exercidas conforme definições, estruturais e conjunturais, que as delimitam [v.g., recolhimentos compulsórios, encaixe obrigatório].

Vê-se bem, destarte, que a função das instituições financeiras é sistêmica, vale dizer, respeita ao seu desempenho no plano do sistema financeiro. Ainda em outros termos, essa função somente pode ser cumprida no plano do sistema financeiro.

Ora, o Conselho Monetário Nacional é competente apenas para regular – além da sua constituição e da sua fiscalização – o ‘funcionamento’ das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. Tudo quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.

Por isso as resoluções que dispõem sobre a proteção do consumidor dos serviços prestados pelas instituições financeiras – resolução n. 2.878, de 26 de julho, alterada pela de n. 2.892, de 27 de setembro, ambas de 2.001 — são francamente ilegais
. Como essa é matéria que excede o ‘funcionamento’ das instituições financeiras, é inadmissível afirmar-se que suas disposições obrigam em ‘virtude de lei’, eis que o artigo 4º, inciso VIII, da Lei n. 4.595/64 não autoriza ao Conselho Monetário Nacional o exercício de ‘capacidade normativa de conjuntura’ em relação a ela. Permitam-me insistir neste ponto: a expedição de atos normativos pelo Banco Central, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstancia afronta desmedida à legalidade.

Francamente ilegais as resoluções, o argumento segundo o qual a resolução n. 2.878 excluiria a aplicação do Código de Proteção do Consumidor porque a lei especial afasta a geral – argumento de que se lança mão em memorial, com expressa alusão a um voto meu nos autos do RE n. 351.750… perece”.

Ou seja, desse julgado do STF bem se evidencia a completa ilegalidade de normas administrativas que visem limitar o alcance da lei (no caso Decreto 22.626/33), especialmente frente às atribuições do CMN conferidas pela Lei 4.595/64.

Além disso, mesmo se assim não fora, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Conselho Monetário Nacional perdeu sua atribuição de fixar os juros para as operações de crédito das entidades vinculadas ao sistema financeiro nacional, nos termos do artigo 48, XIII, da Constituição Federal:
“Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

XIII – matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;…”.

Bem se vê que tanto a Lei 4.595/64 como a Resolução 1.064 não foram recepcionadas pela Constituição Federal em vigor. A competência para estabelecer os juros a serem cobrados pelas instituições financeiras não pode ser do Conselho Monetário Nacional conforme referida regra constitucional, que determina ser tal competência do Congresso Nacional, sendo que é defesa a delegação dessa competência, nos termos do artigo 68, § 1º, da Constituição Federal.

Vale ressaltar, por oportuno, que a Medida Provisória 45, de 31 de março de 1989, não teve o condão de prorrogar o prazo de 180 dias previsto no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, já que não foi convertida em lei, perdendo a sua eficácia.

Esgotado referido prazo em 3 de abril de 1989, veio a Lei 7.770, de 31 de maio de 1989, regular a Medida Provisória 53, de 3 de maio de 1989, ambas posteriores ao fim do prazo. Assim, referida Lei não teve condições de prorrogar um prazo que já havia se esgotado. Igual raciocínio se aplica em relação às Leis 7.892/89, 8.056/90, 8.127/90, 8.201/91 e 8.392/91 que são sucessoras da mencionada Lei.

Consigne-se, ainda, que o próprio CDC pode ser invocado para limitar os juros desde que isso não implique na definição do custo da intermediação do mútuo e tais juros se mostrem abusivos (artigo 51, IV, do CDC).

Aliás, o STJ, ainda que em poucos casos, já se pronunciou, consoante o voto condutor do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento do AgRg. 608.991, no dia 1º de abril de 2004, no seguinte sentido:
“…o Código de Defesa do Consumidor não é incompatível com a legislação financeira, mais precisamente a Lei n. 4.595/94. Apenas a liberação da taxa de juros firmada com base na interpretação desta lei encontra limite, atualmente, na abusividade, que pode macular as cláusulas contratuais à luz do referido Código”.

E, em relação aos créditos rurais, comerciais e industriais, considerando a ausência de autorização do CMN, igualmente tem-se norteado o STJ, certamente levando em conta a finalidade social de tais créditos:
“Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano prevista na lei de usura (Decreto nº 22.626 de 1933)” (STJ – REsp 131624 – RS – 3ª T. – Rel. Des. Carlos Alberto Menezes Direito – J. 05.05.1998).

Tudo ponderado (entendimento do STF quando ao princípio inserto no caput do artigo 192 da Constituição Federal; abusividade dos juros contratados nos termos do CDC; Lei de Usura; o novo Código Civil e até mesmo a ausência de competência do CMN, bem como levando em conta o crescimento econômico e social do País, norte que a própria LICC impõe em seu artigo 5º), e verificando-se que a limitação dos juros em várias análises microeconômicas não abalará a economia sob uma ótica macroeconômica, cuja política por sinal é deficiente, deve o Poder Judiciário limitar os juros em 12% ao ano.

 
Autor: Anderson Royer, Juiz de Direito do Estado do Mato Grosso do Sul
Fonte: http://jus.uol.com.br