Gilberto Melo

A venda de precatórios e o seu uso na compensação de débitos tributários

Podem existir situações nas quais duas pessoas sejam, simultaneamente, credora e devedora uma da outra. Em tais hipóteses, nosso sistema jurídico permite que os respectivos créditos e débitos sejam objeto de compensação. A compensação pode ser interpretada como uma espécie de acerto de contas entre credores e devedores recíprocos, que acabam deixando de praticar uma dúplice ação: a cobrança e o pagamento.

Quando envolve obrigações entre particulares, a compensação é automática e sua utilização praticamente não gera controvérsias (art. 368 do Código Civil). No entanto, este entendimento torna-se discutível quando uma das partes na relação é o Estado, o que atrai a incidência de normas imperativas de direito público, as quais são, por sua natureza, indisponíveis.

Neste contexto, um tema que vem despertando polêmica é o que trata da compensação de débitos tributários próprios com créditos oriundos de precatórios judiciais, muitas vezes adquiridos de terceiros, mediante cessão deste crédito.

Como é sabido, o precatório é documento expedido após uma decisão judicial definitiva, proferida em um processo no qual a fazenda pública foi derrotada, garantindo ao seu titular direito de crédito em face do respectivo ente. Com a condenação judicial e, havendo a liquidação da sentença apurado seu quantum (valor), o juiz expede um ofício ao presidente do tribunal comunicando seu montante e solicitando a ele que requisite a quantia necessária ao pagamento do crédito.

Uma vez efetuada a requisição por meio do presidente do tribunal, é obrigatória a inclusão orçamentária de numerário suficiente para atender tais pagamentos (art. 100, § 1º da CF/88). Se a inclusão se der até o dia 1º de julho de cada ano, o pagamento deverá ser efetuado até o último dia do ano seguinte. Se for após o dia 1º de julho, o precatório deverá ser pago até o final do ano subsequente àquele em que foi efetuada a requisição.

Ressalte-se que existe uma ordem cronológica de pagamento, a fim de que se evite o uso político dos precatórios ou o preterimento de credores mais antigos. Ou seja, os primeiros créditos requisitados sempre terão preferência àqueles credores mais recentes.

No entanto, a prática mostra que há muito tempo a Fazenda Pública deixou de cumprir suas obrigações e hoje está devendo muito além de sua capacidade de pagamento. Registre-se que não é apenas o pagamento dos precatórios que não tem sido feito. Com exceção da União, que vem pagando seus precatórios em dia, a maior parte dos demais entes federados sequer tem incluído os precatórios nas suas respectivas leis orçamentárias.

Mas o motivo central desta inadimplência é político, posto que os governos que se sucedem não objetivam pagar dívidas que “ficaram para trás”, contraídas em mandatos anteriores. O objetivo é vincular os recursos públicos apenas em “obras faraônicas”, que coloquem os governantes em evidência para seu eleitorado.

Quem acaba sofrendo com esta atitude eleitoreira é o credor do Estado, que sofre grande desconforto e insegurança por possuir um crédito sem a mínima previsão de recebimento. Diante desta terrível situação, ganhou espaço um novo nicho de mercado: o da compra e venda de precatórios.

Nesta situação, é comum o titular de um precatório já vencido “vender” a uma terceira pessoa o seu crédito, através de uma escritura pública de cessão. Mas, para efetuar este negócio, o cedente se vê obrigado a conceder enormes descontos (deságio), caso queira abandonar a terrível e famigerada “fila dos precatórios”.

Por outro lado, o terceiro que possui débitos tributários adquire o crédito de precatório com descontos significativos e, em seguida, tenta requerer sua compensação na esfera administrativa ou, o que é mais comum, judicialmente, face à reiterada resistência dos fiscos para sua aceitação.

Fonte: www.conjur.com.br