Gilberto Melo

As taxas abusivas das construtoras

Há quase dois anos, a mutuária Andréia Cristina Martins Mendes espera pela entrega das chaves de um imóvel comprado no final das obras. Além de não avisar o porquê do atraso, a construtora tem cobrado da mutuária taxas mensais, não especificadas, de R$ 190. A consumidora adquiriu uma unidade no condomínio Vila da Mata, da MRV, localizado na Serra.
 
Para revolta de Andréia, além dessa taxa suspeita, a construtora está há nove meses cobrando dela tarifa de condomínio de forma irregular . “São taxas abusivas. A MRV não entrega o imóvel para eu morar, faz cobranças sem falar o que são e ainda me obriga a pagar uma tarifa condominal sendo que ainda não tenho as chaves do apartamento”.

A situação de Andréia é semelhante à de outros consumidores que sofrem cobranças indevidas. Pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que várias construtoras estipulam taxas ilegais nos contratos. Das dez maiores empresas do país, oito aplicam taxas abusivas. Entre essas estão três companhias que atuam no Estado, como a MRV, a Rossi e Cyrela.

Uma das tarifas é a de Serviço de Assistência Técnica Imobiliária, chamada de Sati. Ela é embutida, de forma camuflada, nos contratos e chega a custar quase 1% do valor do imóvel, quantia que poderia mais tarde ser utilizada para pagar parte do registro do imóvel.

Segundo o Idec, a taxa está relacionada a uma espécie de consultoria que um advogado oferece ao cliente para esclarecer dúvidas referente ao contrato.

O órgão fala que o serviço não é ilegal, porém, pode se tornar abusivo. A questão é que muitas construtoras têm obrigado o consumidor a contratá-los de forma compulsória até sem oferecer o serviço. Outras só vendem o imóvel mediante ao pagamento da tarifa.

Para o Idec, a taxa é desnecessária, pois dificilmente o advogado vai oferecer ao consumidor uma análise imparcial. “Esses profissionais são, em geral, contratados pela construtora ou imobiliária, que são as partes interessadas na venda”, diz, no estudo, a advogada do Idec Mariana Tornero.

Setor se defende
O presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon), Aristóteles Passos Neto, afirmou nunca ter ouvido falar dessas taxas. “Para mim, isso é novidade. Acredito que a taxa não seja uma prática adotada pelas empresas locais”.

O presidente da Associação do Mercado Imobiliário (Ademi), Juarez Gustavo Soares, diz que o Sati é usado sim por algumas empresas do Estado.

Ele explica que a intenção é esclarecer as dúvidas dos consumidores. “É um serviço jurídico opcional. Ele não é compulsório. Serve para ajudar os consumidores a entenderem o contrato e aceitá-lo ou não”, esclarece.

Em nota a MRV disse que Andréia não possui nenhuma pendência e que a construtora vai agendar a entrega de chaves. A empresa não explicou quais taxas tem cobrado da consumidora, apenas informou que a tarifa condominal, a partir da emissão do habite-se, está prevista no contrato.

Cliente pode escolher corretor

Uma questão polêmica que tem levado muitos consumidores à Justiça é a taxa de corretagem. A maioria das construtoras não deixa claro nos contratos a forma de cobrança do serviço.

Algumas empresas chegam a exigir um pagamento de até 10% do preço da unidade. Na tarifa, além da comissão do corretor, são embutidos também gastos com publicidade, além de outras despesas.

Há construtora ainda que, ao realizar a venda do imóvel não informa ao cliente o real preço da unidade. Na Justiça, há casos de quem pagou uma entrada de R$ 30 mil para adquirir uma unidade de R$ 300 mil e só depois, ao receber o contrato, teve conhecimento de que o valor era, na verdade, referente à corretagem.

A promotora do Consumidor, Sandra Lengruber, afirma que repassar para o consumidor os gastos com publicidade é abuso. Quanto à comissão do corretor, ela informa que a cobrança não é ilegal desde que haja transparência.

Em julho, a Promotoria de Defesa do Consumidor assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com a construtora Rossi Residencial, acusada por consumidores de cobrar taxa de corretagem de maneira abusiva.

No documento, segundo a promotora Sandra, a empresa se comprometeu a retirar dos seus contratos que seria obrigação do consumidor arcar com o serviço de corretagem.

A Rossi será obrigada a aceitar que o cliente escolha qualquer corretor para comprar imóvel da empresa.

Caso o consumidor opte por contratar o corretor da construtora, a Rossi deverá informar os valores que serão pagos de comissão pelo cliente. “Não podemos proibir a cobrança da corretagem, mas ela tem que estar clara. Com o TAC, o consumidor terá direito de escolher pagar essa tarifa estipulada pela empresa ou poderá usar um corretor próprio para fechar o negócio”, diz.

O presidente da Ademi, Juarez Gustavo Soares, diz que o TAC está de acordo com o que era desejado pelo mercado. “A comissão de corretagem não é ilegal desde que seja feita com total transparência. O TAC está de acordo com as ações que já são realizadas no Estado”.

Segundo ele, ao escolher comprar o imóvel com o corretor da construtora, o consumidor pode optar por incluir a comissão dentro do valor do imóvel ou ter um contrato separado.

Se a comissão compor o preço do imóvel, o dinheiro será repassado pela construtora ao corretor e no contrato de venda do imóvel vai constar o valor pago pelo consumidor. O cliente também pode optar por contratos separados”.

Ação civil
Além do TAC, a Rossi também foi alvo de uma ação civil pública aberta pelo Ministério Público do Espírito Santo devido a atraso de até um ano na entrega de imóveis. A Justiça decidiu que a empresa pague um valor referente ao aluguel caso a entrega dos imóveis comprados na planta atrasem mais de 180 dias. A medida vale para contratos futuros e vigentes.

A empresa também será obrigada a devolver 80% do valor pago pelo cliente em caso de desistência. Antes, a compahia chegava cobrar multa rescisória de até 90% do que foi investido.

Em nota, a Rossi disse que preza pela transparência no relacionamento com seus clientes. Por isso, assinou o TAC proposto pela Promotoria do Consumidor de Vitória. E que está tomando medidas judiciais cabíveis contra a decisão da ação civil pública.

Despesas camufladas
Taxas de publicidade
O que é?
Taxa para cobrir despesas com publicidade e instalação de estande de vendas. Geralmente, a cobrança é embutida junto à taxa de corretagem. É considerada abusiva.

Serviço de Assistência Técnica Imobiliária (Sati)
O que é?
A taxa cobrada é referente ao serviço de atendimento jurídico. Algumas construtoras tornam a taxa obrigatória e não vendem o imóvel sem que o consumidor pague pelo serviço. Algumas vezes, mesmo cobrando, a construtora não oferece o atendimento. Para piorar, algumas construtoras oferecem o serviço a preço elevado. A intenção, ao oferecer o Sati, é fazer com que em caso de reclamação futura na Justiça, a empresa tenha provas de que o consumidor aceitou os termos do contrato e que tinha conhecimento sobre as condições.

Abusiva
Segundo os órgãos de defesa do consumidor, o Sati cobrado de maneira compulsória é abusivo. Eles alertam ainda que a consultoria jurídica oferecida pela construtora pode prejudicar o consumidor por não ser imparcial.

Consultoria gratuita
Para que o consumidor não seja prejudicado por contratos abusivos, é possível levar o documento para ser analisado de graça pelo Procon.

Empresas que cobram Sati de maneira irregular
O estudo do Idec identificou três construtoras que atuam no Estado que cobram o Sati. Entre elas estão a Rossi, a Cyrela e a MRV. A Rossi afirmou que o serviço é opcional. E a Cyrela disse que não se manifestaria a respeito. A MRV disse não cobrar o Sati.

Taxa de corretagem
Legalidade
A promotoria de Defesa do Consumidor no Estado explica que a taxa de corretagem não é ilegal desde que cobrada de maneira transparante. O consumidor tem direito de saber o que realmente está pagando. As empresas também não podem obrigar o consumidor a contratar um corretor oferecido pela construtora. O cliente tem direito de ter seu próprio corretor.

 
Fonte: www.gazetaonline.globo.com