Gilberto Melo

Ativismo judicial em matéria de prova: análise sob o enfoque da jurisprudência do STJ

O presente artigo é fruto de estudos realizados no grupo de iniciação científica coordenado pelo prof. dr. Luiz Eduardo Gunther, no Unicuritiba, de temática relacionada à tutela dos direitos de personalidade e os seus efeitos limitadores na constituição da prova judiciária.

A ideia principal centra-se na análise da possibilidade de uma postura ativa do magistrado na produção da prova, ou seja, do ativismo judicial em matéria de prova, utilizando-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, especialmente os acórdãos REsp 43467, REsp 540179, REsp 345436.

As ideias secundárias abrangem: a nova postura do magistrado na produção da prova, verificando-se a manutenção da sua imparcialidade no exercício dos poderes instrutórios; os limites da atuação do magistrado na busca da verdade, considerando-se, especificamente, a disponibilidade do bem jurídico em litígio e a situação de perplexidade do juiz diante de provas contraditórias, confusas e incompletas; a questão da preclusão “pro judicato” aplicável em matéria de produção probatória.

Afirma-se a existência de uma constante tensão entre os princípios dispositivo e inquisitório. O STJ deixa claro seu posicionamento favorável em prol do ativismo judicial.

Porém, revelando cautela na abordagem do tema, as decisões de referida Corte Superior não tardam em ditar referenciais limitadores à atuação ativa do juiz, seguem quatro deles:

a) primeiro referencial: quando os elementos de prova já produzidos evidenciem ou insinuem a existência de outros ainda não explorados e que possam se tornar esclarecedores para o julgamento do feito em análise pelo magistrado.

Assim, as provas produzidas nos autos podem indicar outros meios de prova aptos a esclarecer, ou mesmo completar, informações colhidas. Tratam-se de limites presentes no próprio ordenamento positivo. (STJ, REsp 540.179-SP)

b) segundo referencial: a iniciativa probatória poderá ocorrer quando presentes razões de ordem pública. Com efeito, a indisponibilidade do direito material em litígio é fator essencial para uma postura ativa do magistrado, produzindo provas mesmo em casos de revelia, mesmo sem requerimento expresso da parte. (STJ, REsp 43.467)

c) terceiro referencial: a iniciativa probatória poderá ser verificada quando haja situação de perplexidade, grande confusão ou contradição entre as provas produzidas.

Vale ressaltar que, na hipótese de existência de prova documental e testemunhal quanto ao ponto controvertido, e sendo tais provas suficientes para análise e apreciação da demanda, não cabe exercício de ativismo judicial com o fim probatório. (STJ, REsp 345.436;idéia também presente no REsp 43.467)

d) quarto referencial: parte hipossuficiente, o que significa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes, sendo, então, fator autorizador do ativismo judicial probatório. (STJ, REsp 43.467)

Além dos referenciais extraídos da análise da jurisprudência do STJ, em específico das ementas objeto de estudo, procurou-se estudar a questão da preclusão “pro judicato” aplicável à questão probatória.

Abordar-se-á tal questão no intuito de trazer mais um referencial de forma a, excepcionalmente, limitar ao ativismo judicial. Assim, sugere-se um quinto referencial, a saber:

e) quinto referencial: preclusão “pro judicato” em matéria probatória. Revelia que impede a produção de provas de ofício em questões envolvendo direitos disponíveis por aplicação do art. 330 do CPC, segundo jurisprudência do STJ.

Ponto importante para o estudo da preclusão “pro judicato” refere-se à decisão saneadora. Nessa fase, será oportunizada às partes a especificação de provas. Feito isto, decidirá o juiz quanto às provas que serão produzidas.

No entender do Supremo Tribunal Federal (STF), as questões ali decididas, via de regra não poderão ser revistas pelo magistrado de primeiro grau, ante a incidência da preclusão “pro judicato”. Nesse sentido, a seguinte Súmula:

SÚMULA 424 STF – Transita em julgado o despacho saneador de que não houve recurso, excluídas as questões deixadas, explícita ou implicitamente, para a sentença.

Não mais poderão ser objeto de discussão, portanto, as questões decididas “ex officio” ou mediante provocação das partes, assim como aquelas não examinadas expressamente no saneador, mas que nele deveriam ser apreciadas, inclusive de ofício, no entender da Súmula 424 do STF.

Entretanto, é importante asseverar que determinadas matérias não se sujeitam, por sua própria natureza, aos efeitos da preclusão, podendo ser discutidas novamente, ou pela primeira vez, mesmo após o saneamento, a exemplo das condições da ação.

De outra senda, é bom lembrar que o direito a produzir provas está condicionado à existência de fatos controversos, caso contrário incidirá a norma do art. 330, que impõe o julgamento antecipado da lide.

Nesse sentido, cabe observar que o julgamento antecipado da lide, quando presentes os seus pressupostos, é obrigatório, e não mera faculdade do juiz. Há forte posicionamento doutrinário destacando esse aspecto, sendo dominante a jurisprudência a favor da obrigatoriedade. Quanto ao tema, o próprio STJ possui exemplos de decisões, citando-se a seguir uma delas:

“Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder” (STJ, REsp 2.832) O raciocínio exposto acima parece-nos coerente. Isto porque, se o ativismo judicial, como dito por Wambier, procura concretizar o princípio da efetividade, há, para o juiz, o dever de agir em prol de tal princípio quando presentes os requisitos do art. 330, ou seja, deparando-se, o magistrado, com a hipótese de julgamento antecipado.

Conclui-se, portanto, em prol do ativismo judicial em matéria probatória, devendo-se pautar no próprio ordenamento jurídico e nos ensinamentos aqui mencionados como parâmetros de limitação de tal poder probatório do julgador.

Notas:

(1) O exercício do princípio dispositivo, não exclui, de qualquer maneira, o princípio inquisitivo. Pelo contrário, a aplicação deve ser concomitante, enquanto o primeiro impõe às partes a possibilidade do exercício do direito de ação, buscando uma solução ao litígio no qual encontra-se inserida, o segundo impõe ao juiz o dever de conduzir o processo de tal forma, a atingir um resultado que satisfaça as necessidades do processo justo. In: CALDEIRA, Adriano César Braz. O juiz e os princípios do contraditório e do acesso à justiça. Publicada na Revista Síntese n.º 42, julho e agosto de 2003.

(2) MARCATO, Antonio Carlos. Código de Processo Civil Interpretado. Obra coletiva coordenada por Antonio Carlos Marcato, São Paulo: Atlas, 2004.
(3) BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Novo Processo Civil Brasileiro. 19.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 96.

(4) STJ, REsp 2.832-RJ, Sálvio de Figueiredo. citado por NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor. 40.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. nota 1. p. 475.

(5) WAMBIER, Luiz Rodrigues; SANTOS, Evaristo Aragão. Sobre o ponto de equilíbrio entre a atividade instrutória do juiz e o ônus da parte de provar. Curitiba: Anuário de Produção Intelectual Wambier Advocacia, 2007.

Fonte: www.paranaonline.com.br