Gilberto Melo

Cédula de crédito bancário

Os tribunais, em regra, vêm entendendo pela aplicação da Lei nº. 10.931 de 2004, não levando em conta a inexistência, na cédula de crédito bancário, de um requisito essencial para conferir exequibilidade aos títulos de crédito, qual seja, a liquidez.

A cédula de crédito bancário é o título de crédito emitido em qualquer operação de crédito bancário, através de uma promessa de pagamento que o emitente faz a favor do banco.

 
Ao longo do tempo, os bancos sempre tentaram atribuir força executiva às cédulas de crédito bancário, pois garantiria maior confiabilidade nas operações, até que o STJ consolidou entendimento vedando a execução do contrato de abertura de crédito, através da súmula 233 de 08.02.2000: “Súmula 233 STJ – O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo.”
 
Com isso, os bancos passaram a exigir a nota promissória em branco para garantir a execução da cédula de crédito bancário. Mas, novamente o STJ através da súmula 258, de 24.09.2001, vedou essa prática: “Súmula 258 STJ – A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
 
Até que então, a favor dos bancos, foi sancionada a Lei nº. 10.931 de 2004, que normatiza a cédula de crédito bancário como título de crédito, artigo 26º da referida Lei, e, também, como título executivo extrajudicial, artigo 28º.
 
Art. 26. A Cédula de Crédito Bancário é título de crédito emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade.”
 
Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º.
 
§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados: I – os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação; II – os critérios de atualização monetária ou de variação cambial como permitido em lei; III – os casos de ocorrência de mora e de incidência das multas e penalidades contratuais, bem como as hipóteses de vencimento antecipado da dívida; IV – os critérios de apuração e de ressarcimento, pelo emitente ou por terceiro garantidor, das despesas de cobrança da dívida e dos honorários advocatícios, judiciais ou extrajudiciais, sendo que os honorários advocatícios extrajudiciais não poderão superar o limite de dez por cento do valor total devido; V – quando for o caso, a modalidade de garantia da dívida, sua extensão e as hipóteses de substituição de tal garantia; VI – as obrigações a serem cumpridas pelo credor; VII – a obrigação do credor de emitir extratos da conta corrente ou planilhas de cálculo da dívida, ou de seu saldo devedor, de acordo com os critérios estabelecidos na própria Cédula de Crédito Bancário, observado o disposto no § 2º; e VIII – outras condições de concessão do crédito, suas garantias ou liquidação, obrigações adicionais do emitente ou do terceiro garantidor da obrigação, desde que não contrariem as disposições desta Lei.
 
§ 2º Sempre que necessário, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, representado pela Cédula de Crédito Bancário, será feita pelo credor, por meio de planilha de cálculo e, quando for o caso, de extrato emitido pela instituição financeira, em favor da qual a Cédula de Crédito Bancário foi originalmente emitida, documentos esses que integrarão a Cédula, observado que:  I – os cálculos realizados deverão evidenciar de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais devidos, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela de atualização monetária ou cambial, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais, as despesas de cobrança e de honorários advocatícios devidos até a data do cálculo e, por fim, o valor total da dívida; e II – a Cédula de Crédito Bancário representativa de dívida oriunda de contrato de abertura de crédito bancário em conta corrente será emitida pelo valor total do crédito posto à disposição do emitente, competindo ao credor, nos termos deste parágrafo, discriminar nos extratos da conta corrente ou nas planilhas de cálculo, que serão anexados à Cédula, as parcelas utilizadas do crédito aberto, os aumentos do limite do crédito inicialmente concedido, as eventuais amortizações da dívida e a incidência dos encargos nos vários períodos de utilização do crédito aberto.
 
§ 3º O credor que, em ação judicial, cobrar o valor do crédito exequendo em desacordo com o expresso na Cédula de Crédito Bancário, fica obrigado a pagar ao devedor o dobro do cobrado a maior, que poderá ser compensado na própria ação, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.
Contudo, apesar da previsão expressa na Lei nº. 10.931 de 2004, que diz que a cédula de crédito bancário sempre é título executivo, resta clara a obrigatoriedade da sua instrução com planilha de cálculo e extrato da conta corrente.
 
Nesse sentido, também é o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – TÍTULO EXECUTIVO – DEMONSTRATIVO DO DÉBITO – REVISAO DE CONTRATO – PERÍCIA – DESNECESSIDADE. A cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial, líquido, certo e exigível, desde que indicado o valor na cédula, em planilha de cálculo ou em extratos da conta corrente, a teor do art. 28 da Lei 10.931/04. O juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele sua valoração e o exame da conveniência em sua produção. Quando a matéria discutida nos autos é exclusivamente de direito, não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento do processo sem realização de prova pericial. As normas do CDC são aplicáveis às relações estabelecidas com instituições financeiras conforme prevê a Súmula 297 do STJ. Aos contratos celebrados com as instituições financeiras não se aplica a limitação de juros remuneratórios a 12% ao ano. A capitalização mensal de juros pode ser aplicada nos casos previstos em Lei e desde que haja previsão contratual expressa. A multa moratória é perfeitamente válida, quando o seu percentual for de 2%.   (Apelação Cível  1.0702.11.012363-6/001, Rel. Des.(a) Estevão Lucchesi, 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/11/2012, publicação da súmula em 07/12/2012).”
 
E o distinto Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. LEI 10.931/2004.
1. A cédula de crédito bancário, mesmo quando o valor nela expresso seja oriundo de saldo devedor em contrato de abertura de crédito em conta corrente, tem natureza de título executivo, exprimindo obrigação líquida e certa, por força do disposto na Lei n. 10.930/2004. Precedente da 4a Turma do STJ.
 
2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 1.038.215/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 19/11/2010).
 
Na mesma linha de raciocínio, a falta da planilha de cálculo ou extrato da conta corrente para instruir a cédula de crédito bancário, faz com que o título perca sua exequibilidade.
 
Alguns doutrinadores defendem, ainda, a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida Lei, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, diante da unilateralidade dos cálculos obscuros apresentados pelos bancos.
 
Sabe-se que os títulos de crédito nem sempre são executivos e que a liquidez é um estado fático do título, ou seja, não se pode considerar líquido um título de abertura de crédito rotativo.
 
Assim, em algumas exceções vemos julgados entendendo pela inexequibilidade da cédula de crédito bancário, conforme o julgado exposto a seguir:
EMENTA: EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – NATUREZA JURÍDICA – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO – SÚMULA 233 DO STJ.
De acordo com a Súmula 233 do STJ, o contrato de abertura de crédito não é título executivo, uma vez que nele o correntista não reconhece dever quantia determinada ao banco, havendo tão somente a previsão de limite de crédito que poderá, eventualmente, ser por ele não utilizado, não constituindo, portanto, título hábil a amparar a execução, dada sua iliquidez, vez que necessária a apuração do valor devido.
 
V.V. – DEMONSTRATIVO ATUALIZADO DO DÉBITO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. Conforme dispõe o art. 28 da Lei nº 10.931/04, a cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida certa, líquida e exigível, seja pelo saldo devedor comprovado por planilha de cálculo ou extratos de conta corrente.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 10596100012191001 – TJMG – COMARCA SANTA RITA DO SAPUCAÍ – pub. 03.12.2010).”
 
Por todo o exposto, restou demonstrado que os tribunais, em regra, vêm entendendo pela aplicação da Lei nº. 10.931 de 2004, não levando em conta a inexistência de um requisito essencial para conferir exequibilidade aos títulos de crédito, qual seja, a liquidez.
Autor: Tiago França Capparelli, advogado pós-graduado “Lato Sensu” em Direito Empresarial.