Gilberto Melo

Juros de mora e correção monetária nas ações de repetição de indébito

A Lei 11.960/2009, apesar de ser mais recente que a Lei 9.250/95, é genérica. Essa última trata do tema de forma específica, devendo ser aplicada aos tributos federais.
 
Trataremos de um tema objeto de muitas dúvidas e confusão não só por aqueles que militam na área tributária, mas, principalmente, pelos estudantes de direito que se debruçam sobre o tema pela primeira vez.
 
Quando o assunto é a incidência de juros moratórios e da correção monetária nas ações de repetição de indébito, é importante ter em mente não só as disposições legais pertinentes no Código Tributário Nacional, norma responsável pelas normas gerais em direito tributário, mas também a construção jurisprudencial sobre o tema, o que ocasionará tratamento diferenciado a depender se o objeto da pesquisa se trata de tributos federais, estaduais ou municipais.
 
O ponto de partida é analisar as disposições gerais contidas no Código Tributário Nacional. 
 
Diferentemente do que ocorre quando o contribuinte deixa de pagar tributo devido, vez que nesse caso “o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária“, na forma do art. 161, do CTN, a Fazenda Pública, ao devolver ao contribuinte valor recebido de forma indevida, se submete a um tratamento que lhe é mais benéfico.
 
O contribuinte, ao obter êxito numa ação de repetição de indébito, a restituição total ou parcial do tributo também lhe concederá o direito de receber, na mesma proporção, os juros de mora e as penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.Contudo, diferentemente do que vimos acima, a restituição em favor do contribuinte vence juros não capitalizáveis somente a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.

É esta a regra geral aplicável aos tributos de uma forma geral. Para complementamos o estudo sobre essas disposições gerais, é importante que se analise duas súmulas do STJ sobre o tema:

  
Súmula 188. Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do transito em julgado da sentença.
 
Súmula 162. Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido.
 
Sublinhe-se que o termo inicial de fluência dos juros moratórios não é o mesmo da correção monetária para os tributos em geral, conforme podemos perceber nas súmulas acima. Os juros moratórios, conforme vimos acima no CTN, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do transito em julgado da sentença, ao passo que a correção monetária incide desde o pagamento indevido feito pelo contribuinte.
 
Entretanto, os tributos federais possuem tratamento distinto.
 
Nas palavras do próprio STJ, em julgado recente, proferido já em 2012, “cumpre reconhecer que, nas ações de restituição de tributos federais, antes do advento da Lei 9.250/95 incidia a correção monetária desde o pagamento indevido (no caso, no momento da indevida retenção do IR) até a restituição ou a compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros moratórios a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ), na forma do art. 167, parágrafo único, do CTN.”
 
Isso nós acabamos de ver. Continua o Ministro em seu voto e nos explica que:
 
Após a edição da Lei 9.250/95, no entanto, passou a incidir a taxa Selic desde o recolhimento indevido, ou a partir de 1º de janeiro de 1996 (caso o recolhimento tenha ocorrido antes dessa data). Insta acentuar que a taxa Selic não pode ser cumulada com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque ela inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa real de juros.” (EDcl no REsp 1.306.105-SP, Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, 2012)
 
Assim, para os tributos federais iremos aplicar a taxa Selic (instituída pela Lei nº 9.250/95) e não mais o regramento previsto no Código Tributário Nacional, haja vista que ele próprio abre espaço para que cada ente da federação legisle de forma distinta quanto aos seus tributos.
 
Lei nº 9.250/95, art. 39. § 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada. (Vide Lei nº 9.532, de 1997)
 
Repetindo: o termo inicial da fluência tanto da correção monetária quanto dos juros de mora, nos tributos federais, após 1º de janeiro de 1996, será a data do recolhimento indevido. Os demais tributos estaduais e municipais, salvo disposição em lei em sentido contrário dos respectivos entes da federação, se submetem ao regramento supramencionado contido no CTN.
 
Ressalte-se que a taxa Selic não pode ser cumulada com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque ela inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa real de juros.
 
Vimos o termo inicial da fluência da taxa Selic nos tributos federais. E qual é o termo final de incidência deste índice? 
 
O STF, ao cristalizar seu entendimento na súmula vinculante nº 17, passou a entender que não incidem juros moratórios no lapso temporal compreendido entre a data de expedição do precatório e a do efetivo pagamento, se este for realizado dentro do prazo previsto na Constituição Federal, no art. 100, §1º. 
 
Súmula Vinculante 17: Durante o período previsto no § 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos. 
 
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). 
 
§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).
  
Para fecharmos o nosso artigo, é necessário abordar mais um tema: a incidência ou não do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 nas ações de repetição de indébito.  
 
A lei nº 11.960/2009 fez com que constasse a seguinte redação no art. 1-F da Lei 9.494/97
 
Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança(Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)
 
Pelo que nós vimos até então, entraria em conflito a Lei 9.494/97 com o disposto pela Lei nº 9.250/95, vez que aquela manda aplicar índice diferente desta nos débitos da fazenda pública, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação de mora.  Como resolver essa antinomia aparente de normas? 
 
No meu sentir, a lei 11.960/2009, apesar de ser mais recente que a Lei 9.250/95, é genérica, ao passo que esta trata do tema de forma específica, devendo ser aplicada, portanto, aos tributos federais. Dito de outro modo, pelo critério da especialidade, entendo ser aplicável aos tributos federais a Lei 9.250/95.
 
Autor: Marcello Fernandes Leal, advogado no Rio de Janeiro (RJ), bacharel em direito pela UNIRIO, especialista em direito tributário pela UFF, professor de Direito Tributário na pós-graduação da UGF e de diversos Cursos preparatórios para concursos públicos.