Gilberto Melo

Juros de mora na devolução de recursos de convênios e contratos congêneres

São diversos os casos em que a administração pública consome sucessivos anos, por razões próprias, para encerrar a apuração de contas e, ao final, pretende imputar débito acrescido de juros de mora.

Dentre as diversas questões que geram insegurança jurídica em processos administrativos de prestação de contas de convênios, tem causado perplexidade o regime de cobrança de juros de mora nos casos de determinação de ressarcimento ao erário.

São diversos os casos em que a administração pública consome sucessivos anos, por razões próprias, para encerrar a apuração de contas e, ao final, pretende imputar débito acrescido de juros de mora que multiplicam em muitas vezes o valor devido. Embora a longa tramitação não possa ser atribuída ao particular, mas somente à inércia do próprio Poder Público, impõem-se juros moratórios calculados por todo o período processual. Curiosamente, a justificativa é compensar a demora do ressarcimento. Uma contradição que ainda não mereceu tratamento definitivo por lei ou jurisprudência.

Os juros de mora correspondem a uma taxa percentual calculada mês a mês sobre um determinado débito, quando há atraso em sua quitação. Em sua natureza jurídica, trata-se de verdadeira pena imposta ao devedor pela demora no cumprimento do devido.

Em se tratando de obrigação decorrente de convênio, deve-se ter em mente a natureza dessa espécie de ajuste. Os convênios são acordos celebrados entre os órgãos públicos e outras instituições, públicas ou privadas, para a realização de um objetivo comum, mediante formação de parceria. Executado o convênio, se constatada irregularidade ou ausência de prestação de contas, pode nascer a obrigação da entidade privada em devolver recursos ao erário. Nesse caso, se verificada a necessidade de devolução de valores, incidirão juros de mora e correção monetária, a fim, de compensar a administração pelo dispêndio realizado sem que a entidade tenha cumprido sua parcela na parceria. Nenhum problema até aqui.

Ocorre que, em muitos casos, o que se tem notado é que a prestação de contas entregue por particulares passa anos em órgãos públicos sem análise, ou, quando iniciada a análise, o processo tramita em prazo muito além do razoável. Há exemplos de entidades privadas que são chamadas a se manifestar pela primeira vez sobre contas que entregaram há mais de cinco ou dez anos.

Apresentadas as justificativas (e nem trataremos aqui das indevidas exigências de explicações, recibos e registros de atividades realizadas além do tempo exigido para guarda de documentos), o processo administrativo prossegue e, se não acatada a defesa, implicará na constituição de um débito.

Nesse contexto, não obstante o tempo transcorrido seja imputável unicamente à demora da administração pública em apreciar as contas, aplica-se, sem constrangimento, o cálculo do percentual de juros de mora junto à correção monetária. Ou seja, é o particular quem paga pela demora da administração. Paga 2, 3, 10 vezes mais do que originalmente devia.

Nesse sentido, o CC, por exemplo, é expresso ao indicar no art. 396 que, “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora“.

Ainda que haja um justo direito a ressarcimento pelo Estado, a autoridade administrativa não pode beneficiar-se da própria demora em exercê-lo, restando ao particular obrigação muito superior ao que seria devido originalmente, caso a prestação de contas fosse analisada e finalizada em prazo razoável.

lei 13.019/14, que passará a regulamentar as parcerias voluntárias do poder público com entidades do terceiro setor, traz importante previsão para a questão aqui discutida. Foi estipulado um prazo máximo para apreciação das contas decorrentes das parcerias, atuais convênios. Em caso de descumprimento desse prazo, o Poder Público continua com o direito de buscar o ressarcimento, mas a entidade não estará obrigada a arcar com juros de mora:

Art. 71. A administração pública terá como objetivo apreciar a prestação final de contas apresentada, no prazo de 90 (noventa) a 150 (cento e cinquenta) dias, contado da data de seu recebimento, conforme estabelecido no instrumento da parceria.

(…)

§ 4º O transcurso do prazo definido nos termos do caput e do § 1o sem que as contas tenham sido apreciadas:

I – não significa impossibilidade de apreciação em data posterior ou vedação a que se adotem medidas saneadoras, punitivas ou destinadas a ressarcir danos que possam ter sido causados aos cofres públicos;

II – nos casos em que não for constatado dolo da organização da sociedade civil parceira ou de seus prepostos, sem prejuízo da atualização monetária, impede a incidência de juros de mora sobre débitos eventualmente apurados, no período entre o final do prazo referido no caput deste parágrafo e a data em que foi ultimada a apreciação pela administração pública. (grifamos).

Em conclusão, a fim de evitar enriquecimento sem causa do Estado e, ainda, penalização indevida de particulares, é urgente que o entendimento trazido pela nova lei de parcerias – um tanto óbvio, é verdade – ganhe lugar nos processos administrativos em trâmite, inclusive naqueles que não se refiram a parcerias com terceiro setor, se for o caso. A aplicação desse entendimento, em verdade, sequer depende previsão legal expressa, pois decorre dos princípios da proibição do enriquecimento ilícito e da moralidade administrativa.

Autor (a): Mariana Vilella, advogada na área de terceiro setor do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.