Gilberto Melo

Maturana no STJ: o conhecimento é indissociável da emoção

Existir, perceber a realidade, perceber o outro, com ele se relacionar e fazer escolhas dentro dessa rede de relacionamentos. Essas reflexões, segundo o biólogo chileno Humberto Maturana, são essenciais na construção do conceito de conhecimento. 

Maturana, fundador do Instituto Matriztico, que funciona em Santiago, no Chile, encantou o auditório lotado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na noite desta segunda-feira (13/6), o qual ouviu atento a sua conferência “Construção do Conhecimento sob a Matriz Biológica da Existência Humana“. 

A conferência fez parte do encerramento do Congresso sobre Gestão com Foco em Conhecimento e início dos trabalhos do Simpósio sobre Carreiras Públicas, ambos promovidos pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF). 

O coordenador-geral da Justiça Federal e diretor do CEJ/ CJF, ministro Ari Pargendler, abriu e encerrou a palestra. Após a leitura do extenso currículo de Maturana, o ministro comentou que, apenas em alguns instantes de convivência, pôde perceber a “pessoa cordial e especial” que ele é. “Maturana é muito maior que o seu currículo“, afirma. Com frases longas e densas, que a platéia procurava sorver como quem decifra um enigma, o biólogo expôs a sua inusitada teoria a respeito do conhecimento. 

O conhecer não pode consistir em fazer referência a algo que possamos chamar de real ou realidade, que existiria desde si e em si, com independência de nosso observar.” Para ele, a realidade não existe por si só, mas depende do seu observador. “O que a gente vê não é o que se pode dizer que existe, senão algo que tem a ver com a gente mesmo.” Conhecimento, no entender de Maturana, não significa apenas um conjunto de informações. 

O conhecimento, segundo ele, é fruto de uma relação interpessoal, “um modo de viver e conviver, em coordenações de fazeres e emoções consensuais“, que surgem quando as pessoas se transformam no decorrer desse processo de convivência. A linguagem, por meio da qual nós interagimos com o outro, na visão de Maturana, é um fenômeno que não deve ser dissociado da emoção. 

Ela ocorre como “um fluir na convivência“, mediante o relacionamento consensual entre as condutas.Ou seja, a construção do conhecimento não prescinde da emoção. “A emoção funda e guia todo o nosso fazer, pensar, sentir, refletir, opinar“, salienta o biólogo. Em conseqüência disso, cada vez que alteramos um aspecto dessa relação, alteramos toda a relação sistêmica. “Por isso estamos em um caminho destrutivo de nós mesmos“, alerta o biólogo, referindo-se ao processo de degradação do meio ambiente provocado pela humanidade. 

De acordo com Maturana, nós nos deparamos com dois tipos distintos de dilemas em nossas vidas: os “decidíveis” e os “indecidíveis“. Os decidíveis não nos causam desconforto, pois estão relacionados a sistemas preestabelecidos de decisões. Aqueles que nos causam desconforto são os indecidíveis, que dependem do arbítrio do observador. “O juiz existe para resolver esse dilema“, afirma o biólogo. “Não temos acesso a um âmbito transcendente que, ao revelar o real em si, nos revelaria como decidir o indecidível.” 

Quando as pessoas divergem, prossegue, não percebem que os seus argumentos racionais não servem por si sós, pois se fundam em premissas aceitas a priori, a partir da emoção. “Toda decisão ocorre como um ato da emoção“, afirma. Para ele, o juiz deve ser capaz de “captar a trama sistêmica em relação ao que está observando“. 

Como deve o juiz decidir?, indaga Maturana. A resposta, segundo ele, é a consciência ética, que pode guiar nossa conduta a uma convivência de mútuo respeito. Nesse aspecto, ele ressalta, não se devem confundir os conceitos de moral e de ética, que são “condutas totalmente diferentes“. 

Uma pessoa tem uma conduta ética quando, consciente das conseqüências de determinadas atitudes, abstém-se delas. Enquanto a moral busca respeitar as normas, mas não vê as pessoas; a ética respeita a existência dos outros, e não necessariamente as normas. “Somos biologicamente amorosos. Podemos gerar mundos sociais no prazer da convivência e na co-inspiração, a partir do mútuo respeito.” 

Após duas horas de conferência, a essência que se extrai do pensamento de Maturana, segundo o ministro Ari Pargendler, é que o conhecimento e o amor estão intrinsecamente ligados. Ao encerrar o evento, o ministro ressaltou a importância de compreendermos essa ligação. “As crianças, por exemplo, são naturalmente amorosas e, ao mesmo tempo, extremamente curiosas. 

Ao nos tornarmos adultos, devemos procurar conservar essas qualidades“, afirmou o coordenador-geral. O ministro agradeceu à Secretaria de Ensino do CEJ/CJF por ter trazido o biólogo chileno ao evento e também à platéia presente, que, “atenta e com grande maturidade, soube valorizar o evento e o conferencista“. 

O Instituto Matriztico, fundado por Maturana, foi concebido com o propósito de “criar um espaço reflexivo que amplie o entendimento do viver em todas as suas dimensões“, trabalhando com conceitos desenvolvidos por ele, como o da “Biologia do Conhecer” e da “Biologia do Amar“. Doutor em biologia pela Universidade de Harvard, Prêmio Nacional de Ciências em 1974 e premiado nos Estados Unidos e na Europa, Maturana é autor, dentre outras, das obras “De Máquinas e Seres Vivos“, “A Árvore do Conhecimento e “As Bases Biológicas do Conhecer Humano“. 

O Congresso sobre Gestão com Foco em Conhecimento e o Simpósio sobre Carreiras no Serviço Público são uma promoção do Centro de Estudos Judiciários do CJF, com o apoio do STJ e da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento. Os eventos estão reunindo, de 13 a 15 de junho, servidores e convidados que atuam nas áreas de biblioteca, arquivo, recursos humanos, tecnologia, estatística, imprensa e  jurisprudência do Poder Judiciário, em especial da Justiça Federal, para discutir os dois temas: conhecimento e carreiras públicas. 

Autor (a): Roberta Bastos imprensa@cjf.gov.br
Fonte: www.stj.jus.br