Gilberto Melo

O equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público

Nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

O objeto do presente estudo é a discussão do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de concessão de serviços públicos, que decorrem dos interesses contrapostos da Administração e do Particular, típicos dos contratos administrativos – assim conceituado nas palavras de Hely Lopes Meirelles [01]:

“O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras”

Para elucidar o que seja equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, nos valemos das palavras da doutrina:

Segundo Carlos Ari Sundfeld [02]:

“Pode-se afirmar, então, que o regime jurídico dos contratos da Administração, no brasil, compreende a regra da manutenção da equação econômico-financeira originalmente estabelecida, cabendo ao contratado o direito a uma remuneração sempre compatível com aquela equação, e a Administração o dever de rever o preço quando em decorrência de ato estatal (produzido ou não a vista da relação contratual), de fatos imprevisíveis ou da oscilação dos preços da economia, ele não mais permita a retribuição da prestação assumida pela particular, de acordo com a equivalência estipulada pelas partes no contrato.”

Já para Marçal Justen Filho [03]:

“Significa que a Administração tem o dever de ampliar a remuneração devida ao particular proporcionalmente à majoração dos encargos verificada. Deve-se restaurar a situação originária, de molde que o particular não arque com encargos mais onerosos e perceba a remuneração originária prevista.”

O direito à manutenção das cláusulas econômicas e financeiras tem raiz constitucional, no art. 37, XXI [04] da Carta Magna. Tem previsão na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei n° 8.666/93, e, quanto às Concessões Públicas, o direito ao equilibro encontra respaldo na Lei nº 8.987/95 – dentre outros dispositivos legais.

No caso das concessões públicas, o equilíbrio econômico-financeiro é deveras importante diante do fato que estes contratos – normalmente utilizados para empreendimentos que demandam investimentos de grande monta, com a parcialidade ou a totalidade do financiamento obtido perante instituições que exigem garantias provenientes das receitas (tarifas públicas cobradas dos usuários) -, dependem da correta manutenção deste equilíbrio para a total segurança da financiabilidade do projeto de concessão.

Principalmente, o direito a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão é a garantia do particular que contrapõe o direito da Administração de alterar unilateralmente o contrato administrativo. Veja-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Revista Trimestral de Direito Público, v. 38/143-4, verbis:

“6. A legislação brasileira, a começar da Constituição, proclama a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro original do contrato.

Deveras o art. 37, XXI, da Lei Magna dispõe que ‘(…) obras, serviços. , compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta (…)’.

O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondência entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Dado que as partes se obrigarão em face daquelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverão de correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaram em sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional, necessitam resguardar a correlação estratificada sobre as condições efetivas em vista das quais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados se houver supervenientes desconcertos.

É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo daquilo que, em direito administrativo, é denominado ‘equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo’, com os decorrentes reajustes e revisões.

7. A nível infraconstitucional, o equilíbrio econômico-financeiro também se encontra enfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.6.1993, que veicula regras gerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumidade em numerosas passagens. Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40. XI e XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e 65, II, d, assim como em seu § 5º.

É certo, além disto, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.2.1995, também encarece a proteção a equação econômico-financeira e exige-lhe a persistência ao longo da relação instaurada. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido ‘será preservada pelas regras de revisão’.

O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece estampadamente nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que: ‘Os contratos poderão estabelecer mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico e financeiro’; que: ‘Ressalvados os impostos sobre a renda. a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa para mais ou para menos, conforme o caso’ e que: ‘Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração’.

O art. 18 da mesma lei dispõe que: ‘O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (…) VIII – os critérios de reajuste e revisão das tarifas’.

O art. 23, entre as cláusulas categorizadas como essenciais ao contrato de concessão, em seu inciso IV, inclui as relativas, ‘ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas’.

É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como a de contratos administrativos em geral- e os princípios gerais destes se aplicam às licitações para concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 – consagram insistentemente a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, tanto pelo instituto da revisão, quanto dos reajustes.

Tudo isto está a revelar, inobjetavelmente, a decidida orientação legislativa de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.”

Por tudo isto o tema é constante nas demandas envolvendo os contratos administrativos e se tornam mais complexos na discussão de contrato de concessão de serviço público, diante da grande engenharia econômico-financeira envolvidas nesses tipos contratuais.

1. Premissas para o pedido de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro:
A Lei n° 8.666/93 se aplica às concessões de serviço público (conforme texto expresso do art. 124 da referida lei).

A imposição da revisão dos contratos, conforme prescreve o art. 65 da Lei nº 8.666/93 [05], decorre da subsunção do pedido à qualificação do fato superveniente, imprevisível e agravador da condição do particular de forma retardadora ou impeditiva da execução do ajustado (aliena “d“, II, do art. 65 da Lei de Licitações) e mediante o afastamento de excludentes previstas contratualmente.

O autor Antônio Carlos Cintra do Amaral, em artigo científico que tratou do tema “O REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE RODOVIAS[06], assim discorreu sobre as premissas para o pedido de reequilibro da equação econômico-financeira dos contratos de concessão:

“Assim, não basta que ocorra o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. É necessário que ele resulte de um desses três fatos. Em outras palavras: é necessário que o desequilíbrio seja qualificado pelo ordenamento jurídico. Ele pode existir sem que daí decorra um dever do contratante de recompor a equação inicial do contrato, e um correspondente direito do contratado a essa recomposição. O desequilíbrio é sempre econômico-financeiro, mas pode decorrer do risco do negócio, hipótese em que a concessionária não tem direito à revisão contratual, para restabelecer a equação econômico-financeira inicial. O desequilíbrio econômico-financeiro é condição necessária, mas não suficiente para caracterizar o desequilíbrio jurídico.

Nos termos da legislação aplicável, a concessão é um serviço por conta e risco do particular, que deve formular a proposta considerando todos os fatos conhecidos e previsíveis – art. 2º da Lei nº 8.987/95 [07].

Por isto que a construção doutrinária se dirige no sentido de que o particular deve suportar a álea ordinária de sua atividade.

A regra geral é de que a concessionária do serviço público tem ciência dos riscos envolvidos no desenvolvimento do seu projeto e verificou a capacidade de gerir estes riscos. Assim, por outro lado, cabe ao particular provar a existência do fato que se qualifica como superveniente, imprevisível e agravador da sua situação, nos termos da lei, ensejador da revisão tarifária.

O jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, in Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 15ª edição; p. 676 e 680, lembra o seguinte acerca do risco do empreendimento pelo particular concessionário:

“Cumpre esclarecer que a garantia econômica do concessionário na concessão de serviço público não é, contudo, uma proteção total que lhe dá o concedente contra qualquer espécie de insucesso econômico ou diminuição de suas perspectivas de lucro.

Com efeito, uma vez que o concessionário exerce um serviço estatal, mas por sua conta, risco e perigos, é natural que, à moda de qualquer empreendimento comercial ou industrial, se sujeite a certa álea, a certo risco. Pode, portanto, ser, como outro empreendedor, integralmente bem-sucedido, parcialmente bem-sucedido ou mal sucedido em suas expectativas legítimas de sucesso econômico.

(…)

Os riscos que o concessionário deve suportar sozinho abrangem, além dos prejuízos que lhe resultem por atuar canhestramente, ineficiência ou imperícia, aqueloutros derivados de eventual estimativa inexata quanto à captação ou manutenção da clientela de possíveis usuários, bem como, no caso de fontes alternativas de receita, os que advenham de uma frustrada expectativa no que concerne aos proveitos extraíveis de tais negócios. …”

Neste mesmo sentido cita-se a jurisprudência:
DTZ4817571 – ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. REVISÃO CONTRATUAL. ART. 65, II, “d”, DA LEI DE LICITAÇÕES. EFEITOS. 1. A autora alega que, a partir de agosto de 2002 – no mês seguinte ao da apresentação da proposta para a concorrência pública – o preço do petróleo e de seus derivados subiu vertiginosamente, coisa que não podia prever, e efetivamente não previu, e que a variação representou quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A autora não tem razão. Dispõe o art. 65 da Lei 8.666/93 (“Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”): Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: II – por acordo das partes: d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço, ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. A autora relata que a elevação do valor dos derivados do petróleo teve início em agosto de 2002. Ainda assim, assinou o contrato administrativo em 27 de novembro do mesmo ano, meses depois da data que indica como marco para o “desequilíbrio” do mercado. Estava, portanto, ciente da variação dos insumos que seriam aplicados na execução da obra contratada. Sabia da variação quando assinou o contrato. Nesse ponto, é desnecessário provar que a empresa conhecia esses fatos, como mencionou a autora na réplica; a sucessão de fatos no tempo e a prova documental dos autos são suficientes para demonstrá-lo. No caso concreto, não houve surpresa, ou circunstância imprevisível, ou fato extraordinário capaz de alterar a base objetiva do contrato. O que houve, como bem argumentou a ré na resposta, foi uma projeção totalmente equivocada da autora, supondo que o preço do petróleo (e derivados) permaneceria estável. Arriscou na formulação da proposta com intuito de vencer a concorrência, e teve sucesso. A projeção revelou-se incorreta, daí o aumento do custo da contratada para executar os serviços. O contrato, por sua própria natureza, continha certa dose de risco: a fluidez do preço do petróleo é notória, e nada tem de imprevisível. O risco da licitante-contratada era estimar uma proposta fundada em preço abaixo do mercado ou no limite do preço de custo real e, como contrapartida, deparar-se com preço maior no momento da execução da obra, o que acabou acontecendo. Por outro lado, o preço do petróleo poderia cair (como hoje de fato está em baixa), o que resultaria em incremento financeiro para a licitante. Já o risco da Administração era contratar por preço maior do que o preço que poderia ser obtido na data da execução da obra. Não é lícito à contratada (autora) transferir o risco do contrato, já conhecido, porém mal calculado, para a contratante (ré). Deveria, sim, procurar apurar responsabilidades pelo equívoco. Não se aplica à espécie, portanto, o artigo 65, II, d, da Lei 8.666/93. Quanto à teoria da imprevisão invocada pela autora (cf. art. 65, II, d, da Lei de Licitações), não socorre a requerente. A teoria, segundo Odete Medauar, significa o seguinte: circunstâncias que não poderiam ser previstas no momento da celebração do contrato, se vêm a modificar profundamente sua economia, “dificultando sobremaneira sua execução, trazendo déficit ao contratado”, tem o contratado (o particular) o direito de rever suas condições, para superar as dificuldades, a fim de preservar a continuação do contrato e o equilíbrio econômico-financeiro da avença (Direito administrativo moderno, Revista dos Tribunais, 2004, p. 262). Tais circunstâncias imprevistas, além de serem supervenientes à celebração do contrato, devem ultrapassar a normalidade, ser excepcionais, extraordinárias, causando um desequilíbrio muito grande no contrato (cf. Maria Sylvia Di Pietro, Direito administrativo, Atlas, 2007, p. 264), o que não ocorre na situação concreta. Finalmente, são relevantes os argumentos da ré na contestação: “(…) se optou em firmar o contrato (ato jurídico perfeito) revalidando a sua proposta comercial, aquiescendo em executá-lo também nos moldes propostos (como efetuado), não pode a autora buscar o reequilíbrio (…) quando os fatos (…) já se faziam presentes em anterioridade ao próprio pacto (…). Sob ótica diversa, o acolhimento do pleito da autora acarretaria alteração na ordem de classificação das propostas da licitação, ensejando a sua nulidade acaso a INFRAERO assim o procedesse (…). Caso tal revisão fosse permitida, estar-se-ia beneficiando a autora em detrimento das demais licitantes que, agindo acauteladamente, apresentaram propostas com valores superiores aos daquela, porém condizentes com os praticados no mercado e, talvez por terem incluído nessas uma margem de segurança para fazer frente aos fatos alegados pela autora, terminaram por não apresentar proposta em valor mais atraente, não logrando vencer o certame por tal motivo” (fl. 225).” Realmente, não se verificaram na espécie os pressupostos da teoria da imprevisão. Ora, no caso dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual, pois a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes, e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato , autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a idéia de que todos os contrato s dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente. Tal idéia se inspirava num princípio de eqüidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido enriquecimento de um e conseqüente empobrecimento do outro (…).

Todos os autores acima referidos admitem sob os mais variados fundamentos doutrinários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias excepcionais, que não se verificam no caso dos autos, ou seja, somente a álea econômica extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus. Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se manifestou sobre a tormentosa questão, com reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO, cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE n. 71.443-RJ, verbis: “Rebus sic stantibus – Pagamento total prévio. 1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido admitida como implícita somente em contrato s com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio…” (in RTJ 68/95. No mesmo sentido RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/ 551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323). No caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da imprevisão, que deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contrato s celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. (…) (TRF4ª R. – AC 200871000116820 – 3ª T. – Rel. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – DJ 02.06.2010)

Estas são as premissas e os requisitos a serem preenchidos pelo particular. Decorrem efetivamente da demonstração de um conhecimento plausível e anterior à proposta comercial.

Neste sentido a doutrina de Marçal Justen Filho:

“Mas se deve admitir que a distinção entre ordinariedade e extraordinariedade se relaciona com a previsibilidade e a probabilidade da ocorrência dos eventos. É evidente que não se pode estabelecer como critério diferencial a mera possibilidade do evento. Fórmula dessa ordem tornaria inútil a distinção entre álea ordinária e extraordinária: todo evento possível seria previsível e, por isso, integraria a álea ordinária. Logo, integrariam a álea extraordinária apenas os eventos impossíveis, os quais nunca ocorreriam por sua própria definição.

Portanto, a álea extraordinária é integrada por eventos de ocorrência possível, mas improvável. A distinção entre ordinariedade e extraordinariedade do risco reside na plausibilidade da verificação futura de um certo evento. Ora, a plausibilidade é uma avaliação relativa, que comporta diversa intensidade. É uma questão de grau de intensidade.

Anote-se que a extraordinariedade do evento pode-se afirmar tanto sob um prisma qualitativo como quantitativo. Verifica-se a álea extraordinária quando um evento anômalo e implausível se consuma depois de formalizada a avença, produzindo a alteração da relação original entre encargos e vantagens. Quando se alude a anomalia do evento, faz-se referência a um evento que se diferencia dos padrões de previsibilidade por sua configuração qualitativa ou quantitativa.” (In Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, São Paulo: Dialética, 2003, p. 400, sem grifos no original)

Por outro lado, tem-se a questão da quantificação do alegado agravamento da situação do particular – outro requisito da Lei de Licitações.

Importante pontuar que cabe ao particular provar seu prejuízo real para o pleito de obter indenização visando a alegada recomposição do equilíbrio econômico-financeiro e não hipotético.

A doutrina é clara e pacífica em apontar quais são os pressupostos de apuração destes prejuízos para fins de indenização:

“As perdas e os danos são avaliados pelo efetivo prejuízo causado pelo descumprimento. Por uma diminuição econômica no patrimônio do credor. O dano é efetivo e não hipotético.”

A apuração da exata extensão do dano se faz necessária para evitar o enriquecimento indevido, sem causa, injusto, que favoreça indevidamente uma das partes da relação.

Tudo isto em cumprimento ao Código Civil:

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.’’

Mutatis mutandis, repetimos a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa, in Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos – 4.ed. – São Paulo: Atlas, 2004. Fls. 201 e seguintes:

Deve ser entendido como sem causa o ato jurídico desprovido de razão albergada pela ordem jurídica. A causa poderá existir, mas, sendo injusta, estará configurado o locupletamento indevido.

No campo do direito administrativo, particularmente em sede de contratos administrativos, o privilégio da Administração e o princípio da prevalência do interesse público também não podem servir de óbice à aplicação da teoria do enriquecimento indevido.

São estas as premissas para impor a Administração o dever de recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

2. Questões prejudiciais ao pedido de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato:
Conforme exposto alhures, não são todos os eventos que ensejam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contratro.
Além do preenchimento dos requisitos acima expostos, destaca-se a necessidade de avaliação prévia acerca de questões prejudiciais ao pedido de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, como: a existência de Termo Aditivo prévio que já tenha levado à conta do equilíbrio o período ou o evento em discussão; a existência de riscos assumido expressamente no contrato pelo concessionário; bem como a análise da existência de cobertura de seguro, própria para o evento em discussão.

Mostra-se importante a análise, caso a caso, da hipótese de preexistência de termos aditivos que reequilibraram o contrato previamente. Isto porque já existem teses no sentido de que os termos aditivos devem ser entendidos como eventos que retomam a íntegra do equilíbrio, cabendo discussões futuras somente sobre eventos ocorridos em períodos supervenientes.

Neste sentido cita-se sentença no processo nº 2004.70.00.039113-6/PR (disponível no site da Justiça Federal do Paraná), que, ao analisar pedido de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, por evento anterior a formulação do último termo aditivo contratual, assim dispôs sobre o caso:

“antes de definir qual dos dois critérios será utilizado para revisão do contrato, é necessário analisar se ocorreu efetivamente desequilíbrio econômico-financeiro, e em relação a qual dos contratos administrativos assinados ao longo da concessão.

Em outras palavras, impõe-se o exame da causa de pedir – análise dos fatos jurídicos que ensejariam a revisão pretendida em cotejo com o direito – invocada pela parte autora frente aos contratos administrativos e à lei.”

(…)

A pretensão de obter verbas relativas a perspectivas anteriores à formalização do contrato administrativo implicaria na noção de que o Termo Aditivo assinado desequilibrou a relação jurídica, o que não se concebe. Ele poderia ser o oposto: o paradigma para fins de re-equilíbrio em caso de superveniência de fatos onerosos; mas jamais a fonte do desequilíbrio, como obliquamente se pretende.

O deferimento do pedido implicaria em modificação do pactuado no Termo Aditivo, e não em sua revisão para adequá-lo à superveniência de álea.

Ademais, é da teoria geral do direito que o ato ou negócio jurídico somente vincula as partes a partir da formalização do Termo Aditivo, não tendo a fase prévia – proposta, ou policitação, ou negociação – qualquer poder vinculante.

(…)

O equilíbrio econômico-financeiro da relação jurídica se estabelece, por óbvio, quando da contratação. O negócio realizado tem força constitutiva de direito (constituiu o direito à exploração da malha rodoviária na região de Jacarezinho a partir do momento em que realizados os investimentos -exatamente o que ocorreu), motivo pelo qual a realidade que o antecede não pode ser invocada para modificar o que foi estabelecido, muito menos a título de resgate de posições contratuais. (…)

Por outro lado, os contratos administrativos, dentre eles o de concessão, buscam garantir a melhor proposta, por meio de procedimento licitatório que assegure a isonomia e a competição – art. 3º da Lei nº 8.666/93 [08]. Mas não podem afastar a segurança para a Administração.

E neste sentido tem o Administrador, respeitados os princípios constitucionais e a legalidade, a autonomia de prever as condições editalícias de participação do particular no certame, dentre elas os riscos que requeira sejam assumidos pelo particular e as garantias que este deve oferecer para a concessão.

A impressão é de que esta “liberdade” de imposições, principalmente no caso dos contratos de concessão, está diretamente vinculada ao planejamento administrativo e o estudo de viabilidade econômico-financeira da concessão – ainda na fase interna desta espécie – que revela a possibilidade do projeto de concessão atrair a iniciativa provada.

Em outras palavras, há “espaço” para estas previsões quando a viabilidade econômico-financeira do projeto, mesmo com as imposições de garantias, ainda torna-se atrativa a participação de particulares no certame. Se excessivas, o projeto torna-se inviável.

Nos contratos de concessão já analisados por este autor verificou-se a existência da assunção de riscos de tráfego (variação para mais e para menos daquele projetado inicialmente) e dos riscos de custos ambientais. Por outro lado, exigiu-se garantias pela imposição de contratação de seguros contra riscos de danos patrimoniais, de responsabilidade civil e de lucros cessantes, além de caução para garantia da plena e total execução contratual.

Segue abaixo trecho da sentença da Ação Judicial nº 2007.70.00.010824.5/PR (disponível no site da Justiça Federal do Paraná), que discutiu a assunção dos riscos ambientais por empresa concessionária no Estado do Paraná:

“Nesse trajeto, não se pode considerar a construção das bacias de contenção como álea extraordinária, seja porque já conhecia a autora (ou deveria conhecer) a existência de manancial – Área de Proteção Ambiental do Passaúna (criada pelo Decreto Estadual nº 458, de 5 de junho de 1991) – no trecho concedido, seja porque inerente às atividades por ela desenvolvidas a implementação das medidas mitigadoras, conforme expressamente advertido nos anexos acima. Dessume-se, pois, que deveria ter previsto, quando de sua proposta comercial, as despesas específicas relativas à prevenção de acidentes com cargas perigosas na área que corta o manancial do Rio Passaúna, no que se insere a implementação de bacias de contenção, tratando-se de risco pela concessionária assumido.”

Os riscos previsíveis são analisados pelos particulares e devem compor a proposta licitatória, razão pela qual os eventos dele decorrentes podem não ensejar a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Assim também é o caso dos eventos cobertos pelos seguros impostos pelo contrato de concessão. Ora, se previstos contratualmente a necessidade da contratação do seguro, seus custos devem (ou deveriam) compor a proposta comercial e assim a tarifa do usuário, razão pela qual nos parece improcedente qualquer pleito de desequilíbrio por evento coberto por seguro.

3. Métodos de apuração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato:
Juntamente com a prova dos eventos indicados como álea extraordinária, cabe a prova de que tais eventos levaram ao desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

O tema envolve diversas análises e dependem, normalmente, de informações referente a técnica envolvida na concessão em discussão (como aquelas vinculadas a discussão de critérios de engenharia, em que necessitam-se de medições do que foi aplicados nos serviços e obras).

Estas análises terão como base a Proposta Comercial e os critérios ali estabelecidos, pois a Lei nº 8.666/93 [09] reiterou os parâmetros fixados na Constituição para aferição do equilíbrio contratual, ao prever a vinculação do contrato à proposta (art. 54, §1º e art. 65, II, d). Da mesma forma prescreveu a Lei 8.987/95 [10] no seu art. 9°.

A análise pode parecer simples: comparação entre as despesas (sentido amplo), as receitas (sentido amplo) e a rentabilidade esperada pelo particular contidas na Proposta Comercial e o cenário contratual do momento analisado.

Contudo, na prática, a análise demanda discussão que oferece opiniões diversas, as quais analisaremos no presente estudo.

Segundo artigo científico do professor Antônio Carlos Cintra do Amaral [11], assim se delimita a intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato de concessão:

“Intangível não é o contrato de concessão – espécie de contrato administrativo – mas sua equação econômico-financeira inicial. Mais explicitamente: intangível é o retorno esperado pela concessionária quando formulou sua proposta.

Nesse sentido já se pronunciou o Tribunal de Contas da União. Transcrevo trecho do Voto do Ministro-Relator Walton Alencar Rodrigues, no Acórdão n° 393/2002 – TCU-Plenário:

“O fluxo de caixa é o instrumento que permite, a qualquer instante, verificar se a taxa interna de retorno original está sendo mantida. Cabe ressaltar que a Taxa Interna de Retorno – TIR é extraída diretamente da proposta vencedora da licitante e expressa a rentabilidade que o investidor espera do empreendimento. Em termos matemáticos, a TIR é a taxa de juros que reduz a zero o valor presente líquido do fluxo de caixa, ou seja, a taxa que iguala o fluxo de entradas de caixa com as saídas, num dado momento.

Assim, pode-se dizer que a manutenção da taxa interna de retorno é garantia tanto do Poder Público, quanto da concessionária, e sua modificação dá ensejo à revisão contratual, na forma prevista na lei e no contrato.”

Na mesma linha, o Acórdão 988/2004 – Plenário, do qual foi Relator o Ministro Marcos Vinicios Vilaça. Ao apreciar contrato de concessão entre a União e a Concessionária Rio-Teresópolis S.A. (CRT), o TCU determinou à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que:

“9.1.2. – adote providências no sentido de estabelecer a Taxa Interna de Retorno – TIR obtida do caixa não-alavancado como indicador do equilíbrio econômico-financeiro do contrato PG-156/95-00, firmado entre o extinto DNER e a Concessionária Rio-Teresópolis;”.

Ou seja, na opinião desse autor, a Taxa Interna de Retorno da proposta comercial, que representaria a rentabilidade esperada pelo particular na formalização da equação econômica, seria o balizador da verificação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

Nos processos judiciais sobre os quais obteve acesso este autor é possível a observância de algumas ponderações que direcionam o entendimento da matéria.

Nos autos judiciais nº 2004.70.00.039113-6/PR (disponível no site da Justiça Federal do Paraná) o perito nomeado [12], entende que a Taxa Interna de Retorno seria o parâmetro do equilíbrio econômico–financeiro do contrato:

“Entende-se, portanto, que a avaliação do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato em análise deve ser realizada comparando-se as previsões firmadas entre as partes na Proposta Comercial do Contrato de Concessão (e em seus Termos Aditivos) com os efeitos dos eventos extraordinários ocorridos no período sobre estas previsões. Ou seja, os eventos ocorridos no período que se qualificarem para a revisão do equilíbrio econômico-financeiro devem ser valorados tomando-se como base os parâmetros de tráfego, custos e outras condições pertinentes determinados no acordo entre as partes.

(…)

O procedimento adequado para a aferição do desequilíbrio financeiro não se limita ao cálculo das variações nas receitas da Concessão em função dos eventos. Significa comparar o fluxo de caixa do empreendimento (Fluxo de Caixa do Projeto) definido na Proposta Comercial com o fluxo de caixa do empreendimento que incorpora os efeitos dos eventos referidos (Fluxo de Caixa do Projeto com Eventos), incluídos estes em bases anuais.

O contraste entre as taxas internas de retorno (TIR) dos dois fluxos de caixa (Proposta Comercial e com a consideração dos eventos) permite a aferição do desequilíbrio econômico-financeiro do Contrato.”

Nos autos nº 2005.70.00004071-1/PR a perita nomeada [13] entende o contrario, ao afirmar que:

“…a adoção da “Taxa Interna de Retorno – TIR” não é a única forma de medir o equilíbrio econômico financeiro, uma vez que o cenário se altera constantemente e de acordo com o tripé (Concessionária, Governo e Usuário) a TIR atende interesses sob a ótica de apenas um dos componentes;

(…)

Os três componentes econômicos essenciais de um empreendimento, quais sejam, investimentos, despesas e receitas ocorrem ao longo da existência do mesmo. A distribuição financeira temporal destes componentes é o que se denomina fluxo de caixa do projeto ou do empreendimento.

Trazendo cada um dos componentes do fluxo de caixa para o presente teremos o valor presente do fluxo de caixa. A taxa que iguala este somatório a zero é denominada taxa interna de retorno (TIR). Ela representa o percentual de retorno que o projeto oferece em contrapartida ao investimento realizado, com uma determinada distribuição temporal. As receitas e despesas são componentes operacionais do projeto.

Como é descrito no livro “Engineering Economy – A Manager’s Guide to Economical Decision Making” da American Telephone & Telegraph Company – McGraw-Hill Book Company, a taxa é chamada interna porque tem como base unicamente os dados do projeto, sem nenhuma influência externa. É, portanto, uma característica do projeto associado a um cronograma físico.

Para o empreendedor, a TIR do projeto é uma informação importante na tomada de decisão sobre a realização do investimento.

Considerando as oportunidades de negócios que existem no mercado, as expectativas de juros de financiamento e outros fatores específicos da empresa, há uma taxa de juros potencial que viabiliza a aplicação do investimento. Essa taxa é a taxa de atratividade (TA). A TA, diferentemente da TIR, é uma referência para o investidor e pode ter diferentes valores, dependendo do perfil de fontes de recursos. A comparação entre a TIR e TA é um dos fatores para tomada de decisão.

Se a TIR de um projeto for maior que a TA, então o projeto está entre os potenciais empreendimentos a serem realizados pelo empreendedor, ou seja, o projeto será considerado viável. Como a TA é fortemente influenciada pela variação do mercado financeiro, análise do cenário e sua tendência é fundamental para sua determinação.

O comparativo de cenário apresentado nas considerações iniciais, mostra situações bastante distintas entre os anos de 1997 e 2007. A TIR, em 1997, situava-se em torno de 18% a 20% e para 2007, situa-se em torno de 9%.

Pelo exposto, em 1997 o projeto seria atraente com uma TIR de 20% enquanto que em 2007 uma TIR de 9% já torna o projeto atraente. Isto mostra, na realidade, a variação da TA dos investidores. Uma variação muito grande mostra que, para a análise de projeto de longa duração, utilizar uma TIR imutável como única referência é temerário e pode levar a conclusões precipitadas, uma vez que a TA acompanha alterações do cenário econômico.

Portanto, é fundamental analisar a essência do negócio que é o equilíbrio econômico do empreendimento como um todo. Isto vale dizer que a análise deve verificar se o empreendimento resulta na relação benefício/custo favorável para as partes envolvidas no empreendimento. Para o empreendedor o projeto deve trazer resultados econômicos atraentes. Alguns indicadores podem ajudar a avaliação do resultado, tais como:

– o EBITDA (resultado operacional antes dos impostos, juros e depreciação), que mostra a capacidade do projeto gerar recursos.

– a rentabilidade do capital próprio (lucro líquido do exercício sobre o patrimônio líquido).

– a rentabilidade sobre o capital realizado (lucro líquido do exercício sobre o capital realizado).”

Neste laudo pericial a perita concluiu:

“Analisando estas métricas, observa-se crescente capacidade de geração de recursos, bem como bons resultados de lucro sobre o patrimônio e lucro sobre o capital realizado.

Adicionalmente, mesmo sob o aspecto da TIR, …, as medidas tomadas pelas partes e decisões judiciais proferidas foram suficientes para obter a TIR original do contrato.

Assim, não obstante todas as atitudes tomadas, que proporcionaram perdas e ganhos financeiros, não se percebe uma inviabilidade financeira, ou seja, sob a ótica do resultado empresarial não há indicativo de desequilíbrio econômico.”

Na sentença nos autos judiciais nº 2004.70.00.039113-6/PR cujo Laudo Pericial foi supra citado (disponível no site da Justiça Federal do Paraná), de lavra da Juíza Federal, Dra. CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI, o entendimento também foi contrário a adoção da TIR como único elemento balizador do equilíbrio econômico-financeiro:

“Porém, pelo princípio da eventualidade – a decisão será revisada pela instância superior – não seria demais comentar que a solução por adotada pela perícia – utilização da Taxa Interna de Retorno e formulação de seu cálculo desprezando-se a redução de custos da concessionária e focando-se somente nas supostas perdas decorrentes dos eventos descritos – não é pacífica, sob o ponto de vista jurídico.

(…)

O emprego da Taxa Interna de Retorno não foi previsto contratualmente – a TIR não consta da fórmula paramétrica, e nem das cláusulas que remetem à revisão tarifária – não sendo o único meio de avaliar o equilíbrio-econômico do contrato.

Ademais, constitui estimativa de retorno do empreendimento utilizado, sendo instrumento para verificação da viabilidade de um investimento, e não para sua manutenção, reajustamento e revisão (ausência de previsão contratual).

Reportando-me às críticas doutrinárias que recaem sobre o uso de Taxa de Retorno para mensuração do equilíbrio econômico-financeiro de concessões de longo prazo, parece mais afeita à legislação a seguinte solução:

Expressão Jurídico-Econômica da Receita de Equilíbrio

O equilíbrio econômico-financeiro do contrato de regulação ou concessão difere do contrato de construção de um prédio público ou prestação de um serviço contratado pelo Estado. No contrato de concessão a receita de equilíbrio é objetivamente expressa pela equação:

receita de equilíbrio = custos operacionais eficientes + remuneração do capital prudentemente investido

Este modelo permite repassar para o consumidor ganhos de eficiência conquistados pela concessionária, como resultado da combinação de política tarifária com manutenção de serviço adequado.

A manutenção do equilíbrio financeiro do contrato é um conceito bifacial de direito público e privado que não garante um nível perpétuo de rendimento do capital investido pela concessionária. Num período de adversidade econômica, é admissível ao poder concedente rever o nível de tarifa e fixar menor taxa de rendimento. Na circunstância, cabe ao concessionário adequar os seus custos à nova configuração tarifária.

… A experiência de mudança na taxa de retorno do capital é inerente ao contrato de concessão. O que o contrato garante é um retorno em linha abaixo da qual é impossível a continuidade do serviço com qualidade mínima aceitável. Se isso acontece, aí o governo poderá assumir parte dos encargos do negócio porque a sua manutenção, mesmo com alguma ineficiência, passa a ser do interesse da sociedade consumidora. Mas a ineficiência tolerada não pode ser confundida com ineficiência gerencial” (Antonio Fonseca, artigo Tarifa de Transportes Aéreos: Uma Abordagem Jurídica do Equilíbrio Econômico dos Contratos de Permissão – acessado em 08/10/2010 em: .

Assim, se a TIR acaba por não retornar, ao longo do tempo, exatamente o pretendido por uma das partes contratantes no início do projeto, tal circunstância isolada não induz automaticamente à conclusão de que houve desequilíbrio ou onerosidade excessiva.

A variação da TIR é natural, e não comprova prejuízo ou desequilíbrio – nomeadamente se tivermos em conta que não compõe a fórmula de reajuste ou cláusula revisional, ou seja, as partes jamais pretenderam que o projeto, a cada período, cumprisse precisamente a expectativa de retorno estimada década(s) antes;

(…)

Segundo a autora Claudia De Rosa Peano, na tese Regulação Tarifária do Setor de Distribuição de Energia Elétrica no Brasil: Uma Análise da Metodologia de Revisão Tarifária Adotada pela ANEEL, a adoção da taxa de retorno como esquema de regulação relaciona de forma direta o preço e o custo efetivo do serviço prestado.

O laudo pericial, por sua vez, desvincula ambos os elementos, preço e custo efetivo, ao rejeitar os dados contábeis.

Acrescenta a autora que adoção do critério da Taxa de Retorno para fins de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro gera, em conseqüência, maior vulnerabilidade a ineficiências e sobre-investimento (efeito “Averch-Johnson”), induzindo à dependência do Poder Concedente com relação às informações de custo fornecidas pelas empresas (assimetria de informação).

www.iee.usp.br/biblioteca/producao/2005/Teses/Tese_Claudia.pdf

Sim, pois “o regulador deve monitorar as receitas, custos e ativos da empresa anualmente, a fim de verificar se a taxa de retorno está de acordo com o estabelecido. É muito comum haver discussão em relação à soma de ativos a serem incluídos na base de remuneração e nos custos prudentes” (p. 25/26).

Novamente a título de ilustração, transcrevo o ponto de vista do economista Sérgio Guimarães Hardy sobre os pedágios no Paraná: “…se os valores de balanço forem levados ao fluxo de caixa mês a mês, e projetando-se a redução de gastos que as concessionárias admitem nos mencionados balanços, a decorrência natural é a redução da tarifa. Isto porque, em havendo menos saídas de caixa, aumentará, sem dúvida, a taxa de remuneração. E como a remuneração já está fixada (e é alta) o contrato será novamente equilibrado, tão somente através da redução da tarifa…” (Sérgio Guimarães Hardy, artigo citado).

De outra banda, no discurso jurídico a idéia de reequilíbrio econômico-financeiro também não está divorciada da vinculação entre custos efetivos e remuneração percebida.

A menção à equação econômico-financeira do contrato administrativo utiliza, no mais das vezes, as seguintes expressões: “uma vez celebrado o contrato, deve ser mantida a justa e reflexiva correlação entre as obrigações assumidas por uma das partes e a remuneração por ela percebida”; “equivalência entre os encargos suportados por uma das partes e a remuneração paga pela outra”; “manutenção da relação entre encargos e remuneração percebida”.

Marçal Justen Filho não deixa de utilizar a mesma fórmula: “a expressão indica uma espécie de ‘relação’ entre encargos e retribuições geradas para as partes. Significa que os encargos correspondem (equivalem, são iguais) às retribuições. A expressão equilíbrio esclarece que o conjunto dos encargos é a contrapartida do conjunto das retribuições, de molde a caracterizar uma equação”.

Assim, não parece isenta de questionamentos, tanto jurídicos quanto econômicos, a eliminação dos ganhos oriundos da redução de custos para cálculo da Taxa de Retorno, procedida pelo laudo pericial.

6. Modicidade tarifária

A solução da perícia, ademais, parece não ter levado em conta a figura do usuário, como determinado pela Lei 8.987/95:

Art. 6. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Explicando melhor:
O regime do contrato de concessão de serviço público funda-se numa política tarifária vinculada à manutenção do serviço adequado. O serviço adequado é o que satisfaz, entre outras condições, a “modicidade das tarifas” e a condição de eficiência segundo a Lei das Concessões. A ornar a ordem econômica, a eficiência é um princípio pelo qual — diz Luís de Moncada — “fica a empresa obrigada a acomodar a sua gestão econômica a um aproveitamento racional dos meios humanos e materiais de que dispõe, minimizando os custos de produção, de modo a poder responder na maior escala possível às necessidades que se propõe satisfazer. Trata-se de um corolário do princípio da economicidade que visa criar as condições para que a rentabilidade empresarial seja possível.”

O concessionário ou permissionário não tem direito adquirido ao valor real da tarifa, visto que esta, não se subordinando à “legislação específica anterior,” poderá ser revista para mais ou para menos, nos termos da lei, “a fim de manter o equilíbrio econômico-financeiro.” Isso descredencia qualquer incorporação de custos passados, incorridos anteriormente à revisão de tarifa.

A variação para menos decorrente do contrato poderá ser realizada pela autoridade reguladora que representa o poder concedente, num dado momento e no exercício do seu poder/dever de fiscalizar o contrato. Se o contrato não prever, mas decorrendo do regime legal, o presidente da República poderá fazê-lo por decreto. Isso é possível porque, ao contrário do contrato administrativo para construção de um hospital público pelo Estado, a concessão ou permissão é um contrato de intervenção.

A tarifa, enquanto elemento de uma política pública, é por natureza um conceito de preço módico e ao mesmo tempo função de serviço adequado, receita de equilíbrio e eficiência.

Antítese do lucro arbitrário ou excessivo, a receita de equilíbrio como produto da tarifa módica proporciona a cobertura dos custos atuais e específicos do serviço, mais uma margem ou taxa de retorno suficiente a remunerar ou premiar razoavelmente o capital investido. Esse preceito constitucional bastante em si, que encontra na lei explicitação sem par, antes de ser jurisdicizado era como é um conceito econômico que não mudou com a Constituição de 1988. Por isso a revisão tarifária por si pode significar intervenção “com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço” e, assim, restabelecer a modicidade da tarifa.

A modicidade deve corresponder a custos pertinentes, com riscos calculados e fiscalizados pelo poder concedente. Isso impede ajuste automático de tarifas para acudir a qualquer aumento de custo incorrido, sob pena de se estimular a ineficiência do prestador.

A modicidade de tarifa permite ainda que o preço regulado seja objeto de uma estratégia da competição. É o caso, por exemplo, da diminuição da tarifa em resposta a uma economia de escala, isto é, redução dos custos fixos com aumento da produção. Daí a tarifa poderá variar para mais ou para menos, como ocorre nos setores das telecomunicações e de eletricidade.

No caso em apreço, a perícia não foi fiel a esses conceitos.

Abonar a metodologia que a sentença incorporou é perder o escopo da tarifa módica pela abstração da eficiência dos custos operacionais e pelo alheamento da prudência no investimento” (Antonio Fonseca, Tarifa de Transportes Aéreos: Uma Abordagem Jurídica do Equilíbrio Econômico dos Contratos de Permissão).

www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_03/tarifa%20transportes%20a%E9reos.htm

Segundo Claudia De Rosa Peano (obra citada), o princípio da modicidade tarifária indica que eventuais ganhos oriundos de redução de despesas incorridas, a partir de determinado patamar (preservando os ganhos de eficiência), devem ser rateados com os usuários, ao invés de somente apropriados unilateralmente pela concessionária:

Mecanismos de compartilhamento de ganhos: ajustam as tarifas quando a taxa de retorno permanece dentro de um determinado intervalo durante um período histórico recente. Normalmente utiliza-se como medida o ROE (retorno sobre o patrimônio) a fim de estabelecer o desempenho da empresa, sendo que o percentual de partilha varia de acordo com a distância em relação ao intervalo proposto. Podem ser progressivos ou regressivos (p. 21).

Quer-se dizer: silenciando o contrato quanto ao critério de preservação do equilíbrio econômico-financeiro, abre-se a possibilidade de adoção de solução técnica externa para sua mensuração. Contudo, tal solução não poderá afrontar o princípio da modicidade tarifária e deverá preservar minimamente o mecanismo de compartilhamento de redução de custos com os usuários – solução que, ao que parece, a perícia judicial não trilhou ao adotar a TIR depurada da redução dos custos previstos inicialmente, atribuindo à tarifa sua elevação.”

Conforme leitura do Laudo Pericial e Sentença Judicial acima descritas, no caso específico dos contratos de concessão, tem-se buscado interpretar a questão do critério de apuração do equilíbrio econômico do contrato sob a ótica da Lei Especial, principalmente do limite imposto pelo serviço adequado – que inclui a premissa da modicidade tarifária.

A Constituição Federal exige o pressuposto da eficiência dos serviços públicos em seu art. 37, bem como, no art. 175, determina a competência da lei ordinária em prescrever regras do contrato administrativo de concessão:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.”

E nestes termos, a Lei nº 8.987/95 elegeu como norte do serviço público concedido e direito dos usuários, a adequação deste serviço, que, dentre outras condições, pressupõe a modicidade e a eficiência, senão vejamos:

“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

(…)”

Assim a Constituição Federal exige serviço adequado e a legislação infra-constitucional prescreve serviço adequado como, dentre outras qualidades, o serviço eficiente e com modicidade tarifária.

Não há como se exigir um sem exigir o outro. Ambos possuem a mesma qualidade de serviço adequado.

O conceito é defendido pela doutrina especializada, senão vejamos:

“Será módica a tarifa quando seu valor for o menor possível, mesmo que seus valores absolutos possam ser considerados elevados.

(…)

Portanto, a modicidade da tarifa corresponderá à idéia de menor tarifa em face do custo e do menor custo em face da adequação do serviço”

(In, Justem Filho, Marçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997. Pags., 124 e 128)

Ainda, Caio Tácito, in O Equilíbrio Financeiro no Contrato de Concessão, RDA 65,03, sobre a tarifa pública:

“é meio de vitalizar o interesse público na continuidade e desenvolvimento de um serviço adequado. Não é instrumento de asfixia ou de depauperamento dos capitais investidos. Deve ser o termômetro do justo equilíbrio entre os interesses contraditórios do público e da empresa capitalista: nem lucros excessivos, nem remuneração insuficiente, ou nula“.

E neste sentido, muito se discute sobre a chamada Taxa Interna de Retorno – TIR como balizadora da análise do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a utilização dos ganhos de produtividade e gestão do Contrato de Concessão com os usuários na análise da equação contratual.

Conforme da doutrina e Laudo Pericial acima transcritos, compreende-se que a Taxa Interna de Retorno – TIR, por si só, seria a balizadora do equilíbrio contratual.

Por outro lado, da leitura do outro Laudo Pericial analisado e da Sentença Judicial acima descritas, compreende-se que a Taxa Interna de Retorno não seria a única forma de apurar o equilíbrio de uma equação econômico-financeira, sendo que os requisitos da Lei Especial relacionados à exigência de serviço adequado evidenciariam a necessidade de se levar a conta de apuração do desse equilíbrio os ganhos de produtividade e gestão do Contrato de Concessão.

Vale dizer: não caberia a declaração de desequilíbrio pela simples apuração da TIR inferior a proposta, se houvessem outros elementos que demonstrassem que o particular estaria obtendo outros ganhos com o aumento de sua eficiência.

Com relação a controvérsia entre as opiniões acima, citam-se os posicionamentos abaixo, de forma a demonstrar todas as faces da discussão proposta.

Novamente citando a perícia judicial dos autos judiciais nº 2004.70.00.039113-6/PR (disponível no site da Justiça Federal do Paraná) o perito nomeado [14] entende que as variações nos custos da concessionária não poderiam ser levados a esta conta de equilíbrio contratual. Assim discorreu o Sr. Perito sobre a matéria:

“A avaliação do desequilíbrio econômico significa comparar os encargos e remunerações previstos com as condições que efetivamente se materializaram ao longo do período de vigência do contrato. Para avaliar a existência de um desequilíbrio na equação econômico-financeira do Contrato de Concessão, é necessário separar risco e incerteza através da análise das obrigações originalmente pactuadas e de como foram estabelecidos os riscos assumidos por cada parte.

Deste modo, este processo compreende considerar a transferência de riscos efetuada pelo poder concedente à concessionária e vice-versa. Uma vez transferidos os riscos entre as partes, não é admissível que a Concessionária reclame revisão contratual em virtude da ocorrência de eventos relacionados a riscos por ela assumidos. Por outro lado, não é admissível, sob a ótica econômica, que a parte que se liberou do risco transferido à Concessionária (usuários dos serviços e poder concedente) seja beneficiada pela incorporação de eventos relacionados a estes riscos.

Nesta linha, do exame do Contrato de Concessão e da legislação que disciplina as concessões rodoviárias, sobressaem-se dois elementos que foram levados em consideração para a definição dos procedimentos metodológicos mais adequados para a avaliação do equilíbrio econômico do Contrato.

O primeiro é que a possibilidade de flutuação da demanda (ou seja, o risco de tráfego) é um risco assumido exclusivamente pela Concessionária e, portanto, não pode ser transferido aos usuários por meio de revisões tarifárias. O segundo é que não existe previsão explícita nos instrumentos analisados de compartilhamento de ganhos de produtividade e gestão do contrato de Concessão com os usuários.

(…)

Isso significa rejeitar o procedimento de avaliação do equilíbrio econômico-financeiro do Contrato proposto pelo Governo do Estado do Paraná e pelo DER/PR. Este procedimento, nomeado pelos réus como “aproximação com a realidade”, postula a aferição do equilíbrio contratual a partir da substituição dos fluxos de receitas, custos e aferição do equilíbrio contratual a partir da substituição dos fluxos de receitas, custos e investimentos previstos na Proposta Comercial por dados oriundos de balancetes contábeis e demonstrativos financeiros da Concessionária ara o período já decorrido da Concessão. A adoção desse método implicaria incluir os riscos assumidos pela Concessionária na avaliação do equilíbrio do Contrato. A simples comparação das receitas tarifárias (que incluem risco de tráfego) e custos de investimentos e de operação (que incluem riscos de gestão) efetivamente observados com os previstos na Proposta Comercial do Contrato de Concessão (ou dos Termos Aditivos) implicaria a transferência destes riscos aos usuários, o que não é coerente com o espírito de divisão de riscos propostos pelo Contrato de Concessão e pelos outros dispositivos que regulam a Concessão.

E novamente citando artigo científico do professor Antônio Carlos Cintra do Amaral [15], esse autor construiu seu raciocínio caracterizando a adoção do critério da TIR como um “modelo estático” e a adoção da inclusão dos ganhos de produtividade como um “modelo dinâmico“, e assim asseverou:

“Respondo à questão proposta pelo autor dizendo que, para adotar-se o “modelo dinâmico”, seria necessário alterar o iniciso XXI do art. 37 da Constituição da República, que determina sejam “mantidas as condições efetivas da proposta” (grifei). Ter-se-ia, a seguir, que alterar o art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/93 – aplicável às concessões de serviço público de acordo com o art. 124 da mesma lei – que dispõe sobre o restabelecimento da “relação que as partes pactuaram inicialmente” (grifei), assim como dispositivos da Lei 8.987/95, sobretudo o § 4° do art. 9°, que fala em “inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato” (grifei) e o art. 10. Este, ao determinar que “Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro” diz o óbvio, ou seja, que a lei adota o “modelo estático” de equilíbrio. Mesmo que fosse efetuada essa reforma constitucional e legal, ainda assim o “modelo dinâmico” não poderia ser adotado unilateralmente para os contratos em andamento. Isso seria proibido pelo art. 5°, inciso XXXVI, da Constituição, que determina seja respeitado “o ato jurídico perfeito”.

Em síntese: o “modelo dinâmico” não encontra respaldo no Direito brasileiro, o que ressalta a distinção, a que aludi acima, entre os conceitos econômico e jurídico de desequilíbrio do contrato.”

4. Conclusão:
Assim, concluímos que a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é um direito constitucional do particular nas contratações administrativas.

Este direito, no caso dos Contratos de Concessão, está regulamentado tanto pela Lei 8.666/93 quanto pela Lei 8.987/95 e deve observar o preenchimento dos requisitos daquela (excluídas os riscos expressamente assumidos e a execução das garantias exigidas).

Todos estes critérios devem ser observados na análise do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo que a lei não prescreve método ou fórmula expressa para esta apuração, cabendo a verificação nos contratos pactuados e a cada operador do direito a correta análise de todos estes preceitos legais na conclusão do entendimento.

Notas
  1. Citação na APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2003.70.00.043362-0/PR, disponível para consulta no site da Justiça Federal do Paraná (www.jf.pr.gov.br):
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. P. 199.

  3. ARI SUNDFELD, Carlos. Licitações e Contratos Administrativos. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 239.
  4. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ‘a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed. São Paulo: Dialética, 2002. P. 499/500.
  5. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

    (…)

  6. XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

  7. Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
  8. (..)

    II – por acordo das partes:

    (…)

    d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

  9. Antônio Carlos Cintra do Amaral, in Artigo publicado na Revista dos Advogados, Ano XXIX, n° 107, dezembro de 2009, da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), consultado em 08/11/2010 no endereço eletrônico:
  10. Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
  11. (…)

    II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

    III – concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

  12. Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Medida Provisória nº 495, de 2010)
  13. Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
  14. § 1º Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.

    Art. 65, II, “d”, op. cit.

  15. Art. 9º. A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
  16. § 1º. A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário.

    § 2º. Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.

    § 3º. Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.

    § 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.

    Art. 10. Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro.

  17. Antônio Carlos Cintra do Amaral, in Artigo publicado na Revista dos Advogados, Ano XXIX, n° 107, dezembro de 2009, da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), consultado em 08/11/2010 no endereço eletrônico:
  18. Mailson da Nóbrega, da empresa Tendências Consultoria Integrada.
  19. Gilvânia Hluszka Henk, inscrita no CRA Pr. 3.665.
  20. Mailson da Nóbrega, da empresa Tendências Consultoria Integrada.
  21. Antônio Carlos Cintra do Amaral, in Artigo publicado na Revista dos Advogados, Ano XXIX, n° 107, dezembro de 2009, da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), consultado em 08/11/2010 no endereço eletrônico:
Autor: Gustavo Pedron da Silveira, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná em dezembro de 2002 e pós-graduado em Direito Societário pela UP – Universidade Positivo em 2003.
Fonte: www.jus.uol.com.br