Gilberto Melo

O juiz e as estatísticas

Os tribunais e suas corregedorias não são ingênuos a ponto de aceitarem, como juiz produtivo aquele que, a despeito de produzir muitas decisões, o faz somente de modo padronizado, ou seja, julga um só caso e, nos semelhantes, muda apenas os nomes das partes, e termina, às vezes, negando justiça ao jurisdicionado.

O verdadeiro juiz, de quem precisam os jurisdicionados, é aquele que não é bajulador, carreirista e, em todos os processos, examina todos os documentos e argumentos das partes para, em seguida, proferir uma sentença de mérito, justa. Ninguém deve aceitar uma sentença que não passe de uma mera xerox de outra. O juiz não deve simplesmente se livrar do processo.

Tem de fazer justiça dentro do ordenamento jurídico, notadamente cumprindo a Constituição Federal que jurou cumprir. Hoje o juiz sofre representações perante o Conselho Nacional de Justiça ora por ser pouco produtivo, ora por produzir muitas sentenças padronizadas que extinguem o processo sem julgamento do mérito. É a regra do “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”.

Para ser cumprido efetivamente o princípio constitucional da razoável duração do processo, o ideal seria que os tribunais, em face de previsão legal existente, não restringissem tanto a legitimidade ativa do Ministério Público e da Defensoria Pública para a propositura das ações cíveis públicas, nas chamadas ações de massa (sistema financeiro, FGTS, poupança etc), no que seriam resolvidas milhares de situações individuais.

Os juízes, notadamente os dos juizados, devem dedicar atenção às ações individuais de massa, para inverterem o ônus da prova, bem como não julgarem improcedentes demandas, em sentenças meramente padronizadas, simplesmente porque as pessoas humildes não possuem esse ou aquele documento que, tranquilamente, pode ser exibido pelo próprio réu, uma vez requisitado judicialmente, em poder de quem se encontra. Não esqueçamos que, um dia, também poderemos bater às portas do Judiciário, como jurisdicionado, pedindo Justiça. No momento, os juizados federais de todo o País estão assoberbados de inúmeras ações individuais em que as partes buscam reaver, das instituições financeiras, os índices da poupança (Planos Verão, Collor e Bresser).

Os juízes federais de todo o País, na Plenária do 5º Fonajef, em agosto de 2008, no Rio Grande do Sul, e na esteira do que já vem decidindo o STJ aprovaram, quanto aos saldos da poupança, nesses Planos Econômicos, dois enunciados:

1º) Para a propositura de ação relativa a expurgos inflacionários sobre saldos de poupança, deverá a parte autora providenciar documento que mencione o numero da conta bancária ou prova de relação contratual com a instituição financeira;

2º) nas ações visando a correção do saldo das cadernetas de poupanças, pode o juiz, havendo prova inequívoca de titularidade da conta à época, suprir a inexistência de extratos por meio de arbitramento. Veja bem: suprir a inexistência de extratos por meio de arbitramento.

Embora se saiba que o juiz só está vinculado ao que for decidido pelo STF em Adin, ADC, ADPF e súmulas vinculantes, nada lhe custa aplicar tais enunciados, mormente nos juizados, porque eles são justos e se destinam a resolver situações de milhares de pessoas, a razão de ser dos próprios juizados federais.

Se a parte prova que tem conta poupança, na época, mas não mais possui os extratos, que datam de quase 20 anos, isso já é o suficiente, cabendo ao juiz determinar que o banco respectivo os apresente, sob as penas da lei, ou então julgar procedente o pedido, fixando o valor devido ao autor, por arbitramento -, e não simplesmente julgar improcedente o pedido, em sentença padronizada. É o que recomendam tais enunciados e vem sendo feito pela grande maioria dos juízes dos juizados federais do País.

Se o banco/réu não exibe os extratos da conta poupança, que existem, é injusto que a ação seja julgada improcedente (julgamento com mérito), penalizando-se o autor da ação dos expurgos da poupança, até porque se criará um outro problema, qual seja, propiciando a milhares de pessoas que, depois, conseguindo obter, depois, os respectivos extratos, novamente acionem os Juizados para pleitearem, desta feita, perdas e danos materiais e morais, contra o banco que sonegou os extratos no primeiro processo, como já está ocorrendo nos juizados federais do Ceará.

Se, por outro lado, extinguir o processo sem julgamento do mérito, o juiz também criará um outro problema para a parte que renovar a mesma ação, que ficará a mercê de alegação de prescrição por parte do banco. Fazer Justiça é arbitrar o valor devido ao autor.

Autor: Agapito Machado, juiz federal no Ceará e professor universitário
Fonte: www.espacovital.com.br