Gilberto Melo

O que está por trás da capitalização de juros

Especialistas demonstram o risco do superendividamento causado pelos juros compostos

Dados do IBGE e do Banco Central revelam que 42 milhões de brasileiros sofrem com o endividamento crônico, sem qualquer perspectiva de quitar as suas dívidas. Quase 85% das famílias brasileiras têm despesa superior à renda e buscam nas facilidades do crédito a chance de adquirir bens e imóveis. As oportunidades são tentadoras e nem toda a população, nem mesmo os operadores do Direito, têm consciência do que está por trás dos juros oferecidos nos longos financiamentos. A legislação, que deveria regular, mostra-se confusa e contraditória, permitindo a existência de juros que apenas remuneram os juros que já estão sendo cobrados pelas instituições financeiras.

Com o objetivo de abordar questões teóricas e práticas, discutindo a capitalização de juros e os seus reflexos para o consumidor, a Escola Superior do Ministério Público e o CAO Cível e de Tutela Coletiva promoveram no dia 6 de agosto a oficina ‘O Consumidor e a Capitalização de Juros’.

Dr. Anísio Costa Castelo Branco, perito judicial e fundador do Instituto Nacional de Proteção ao Consumidor, diferenciou os juros compostos da Tabela Price e os juros simples do Método de Gauss. O matemático esclareceu que a Lei 9.514/97, que dispõe sobre o sistema de financiamento imobiliário, não define o tipo de capitalização que deve ser aplicado. “Os bancos utilizam os juros simples ou compostos a depender do que seja mais interessante”, disse. O perito explicou que os sistemas de amortização a juros simples ou juros compostos resultam no mesmo valor em financiamentos até 12 meses. A longo prazo, a Tabela Price (juros compostos) torna-se extremamente onerosa.

Neide Ayoub, economista e técnica da Fundação PROCON, afirmou que o órgão pretende implantar o Método Gauss para amparar a população que pretende entrar com ações contra os juros calculados através da Tabela Price. “Os juros compostos, em longo prazo, promovem a onerosidade excessiva”, afirmou a economista. “Permite com que as pessoas que não têm condições tornem-se superendividadas em longos financiamentos”. De acordo com os dados de uma pesquisa apresentada pela economista, pessoas com apenas sete anos de estudo terão uma elevação salarial muito pequena no decorrer da vida economicamente ativa e, portanto, dificuldades para quitar financiamentos de longo prazo pela Tabela Price, por um sistema de amortização com prestações constantes.

O Produto Interno Bruto não pode ter o seu crescimento sustentado à custa do consumo das famílias da forma que vem ocorrendo, ou seja, apoiado mais no crédito do que no aumento da massa salarial”, afirmou a economista ao alertar sobre o crescimento do número de consumidores com dívidas que superam consideravelmente a renda familiar, conforme revelam pesquisas sobre o endividamento das famílias, realizadas pelos mais diversos institutos. Em 2000, o PROCON contabilizava quase 300 mil reclamações de onerosidade dos juros bancários. No ano passado, este número chegou a 570 mil. Em 2009, 17% destas reclamações de referiram às taxas abusivas de financiamento. A inadimplência do crédito pessoal com atraso de mais de 90 dias chega a 56% do total de empréstimos, o equivalente a R$ 7,7 milhões.

No período de 04/09 a 3/10, das reclamações fundamentedas da Área de Assuntos Financeiros – as quais representam aproximadamente 25% do total das reclamações no órgão, cerca de 70% decorreram de contratos de cartões de crédito/loja, empréstimo consignado e de financiamentos. A inadimplência no crédito pessoal com atraso superior a 90 dias chega a 56% do total de contratos, o equivalente a R$ 7,7 milhões, conforme levantamento do Inepad – Banco Central. . “Pretendemos inserir ao tema do superendividamento uma abordagem emocional através de Intervenções Psicoeducassionais com o Grupo Avançado de Transtornos do Controle do Impulso, formado por profissionais da Psiquiatria do Hospital das Clínicas“, afirmou a técnica do PROCON, que defende que o Banco Central, como uma agência reguladora, tenha a responsabilidade por estabelecer junto às Instituições Financeiras programas eficazes de conscientização a população antes excluída do mercado de  crédito.

Dr. Amaury Martins de Oliva, coordenador jurídico do Departamento de Proteção do Direito do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, falou sobre a jurisprudência relativa ao tema, entre elas, o Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, que proíbe a contabilização de juros sobre os juros nos contratos. O coordenador também apresentou a súmula 121 do STF que veda a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.

No entanto, após a súmula do STF, a Lei 11.977/09 (Minha Casa, Minha Vida) passou a permitir a capitalização de juros, a Tabela Price e o livre pacto entre as partes do sistema de amortização do saldo devedor. “O sistema jurídico ficou confuso e contraditório”, ponderou o coordenador que apresentou ainda um recurso especial repetitivo do STJ que veda a capitalização de juros em qualquer periodicidade nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação até 1999.

Dados do Ministério da Fazenda revelam que o programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ viabiliza a aquisição de uma unidade habitacional de R$ 40 mil para 26,8 milhões de pessoas, enquanto o Sistema de Amortização Constante (SAC) restringiria este número para 19,2 milhões de pessoas. Se o valor de R$ 100 mil for financiado em 360 meses pelo SAC a uma taxa de 1% ao mês, os juros pagos seriam de R$ 180 mil. Pela Tabela Price, nas mesmas condições, o valor pago chegaria a R$ 270 mil, montante inviável para grande parte deste público.

Dr. Amaury ressaltou ainda que o consumidor tem o direito de modificar as cláusulas contratuais que geram onerosidade excessiva ou desproporcional. “A capitalização de juros é incompatível com o equilíbrio contratual garantido pelo Código de Defesa do Consumidor”.

Dr. Roberto Senise Lisboa, 5º promotor de justiça do consumidor, fez uma avaliação crítica dos aspectos legais do financiamento. “O desconhecimento dos operadores do Direito em relação ao tema se expressa no histórico legislativo da nossa jurisprudência”, afirmou o promotor, que considera a alta taxação dos juros uma conseqüência do período histórico em que o País precisava crescer. “O objetivo do crescimento econômico não pode prevalecer ao social nos dias de hoje. A legislação é muito flexível com a cobrança de juros sobre juros quando praticada por instituição financeira.

Os palestrantes foram unânimes ao considerar a Tabela Price como uma opção extremamente onerosa ao consumidor. “Significa o acesso de grande parte da população à linha de crédito que, muitas vezes, não terá condições de amortizar a dívida”, afirmou Dr. Amaury. “Financiar pela Tabela Price em longo prazo é um suicídio econômico e financeiro”, finalizou Dr. Anísio Castelo Branco.

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Fonte: www.esmp.sp.gov.br