Gilberto Melo

Você aceitaria uma indenização de R$ 0,26?

Quase 16 anos depois de um acidente, a faxineira carioca Josefa G. O. viu-se habilitada, em 2001,  a receber apenas uma indenização de R$ 0,26. Uma sucessão de recursos processuais, a tradicional demora forense e a extirpação de nove zeros da moeda foram alguns dos componentes de kafkiano caso que não faz a melhor história da Justiça brasileira, com 10 anos e 10 meses só em idas-e-vindas processuais.

1. Josefa, em 28 de outubro de 1985, teve uma perna quebrada durante uma correria (pânico) num trem da CBTU carioca. O inquérito apurou que a multidão se assustou por causa de um estouro numa subestação elétrica.

2. A vítima entrou, em 2 de setembro de 1991, com uma ação judicial, relatando a inatividade (dois meses) e mostrando as perdas (Cr$ 200 mil semanais, que ganhava em quatro faxinas). A ação foi julgada procedente e a sentença condenou a CBTU a pagar Cr$ 1.600,00. Ninguém apelou.

3. A Contadoria do Foro do Rio aplicou a conversão e chegou a um resultado de R$ 0,26. O advogado de Josefa embargou: “a faxineira não pode ser indenizada, por dois meses de inatividade, com menos do que dois salários mínimos”.

4. O juiz corrigiu o “erro material”, decorrente da extirpação equivocada de três zeros e fixou a indenização em Cr$ 1.600.000,00 (padrão cruzeiros), com correção e juros retroativos à data do acidente e, depois, homologou o cálculo. A CBTU apelou.

5. O TJ carioca errou ao julgar o mérito (sobre o qual já havia trânsito em julgado) e decidiu pela improcedência da ação “porque o acidente se tratou de caso fortuito, não se configurando o ilícito civil”.

6. Foi admitido o recurso especial da faxineira e a 4ª Turma do STJ cassou o acórdão do TJ carioca, “a quem não era dado rediscutir o mérito, porque a condenação existente é imutável, havendo controvérsia apenas sobre a fixação da quantia”. (REsp. nº 242.189).

7. A 12ª Câmara Cível do TJ-RJ corrigiu seu erro e em fevereiro de 2007 estabeleceu a condenação em aproximadamente R$ 11.459,93. A contar do acidente, a inflação no Brasil tinha sido de 1.906.733.412%. Se ainda vigisse o padrão monetário de 1985, a indenização corrigida de Cr$ 1.600.000,00 com juros de 0,5% ao mês seria assim grafada: Cr$ 3.732.369.326.310.391,00. 

8. Sessenta dias depois desse novo julgamento, a CBTU pagou a indenização devida à faxineira: R$ 11.459,93! (Proc. nº 0000770-89.1991.8.19.0038)

Fonte: www.espacovital.com.br