Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso apresentado pelo escritório de advogados, “o princípio da boa-fé objetiva impede a cobrança retroativa de valores que foram dispensados regularmente, pois isso frustraria uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual”.
O contrato para prestação de serviços advocatícios entre a banca advocatícia Danilevicz Advogados Associados e a empresa Indústrias Micheletto S.A. vigorou entre 1998 e 2004, com previsão de pagamentos mensais de R$ 8 mil, a serem reajustados anualmente. O valor, no entanto, nunca foi corrigido.
A empresa Micheletto, com sede em Canoas (RS) foi fundada em 1912 e dedica-se à fabricação de parafusos, caixas de luz, puxadores etc.
Rescindido o contrato, o escritório ingressou com ação, pleiteando, entre outras coisas, o pagamento das diferenças relativas à correção monetária anual dos valores.
O juiz Oyama Assis Brasil de Moraes, da 6ª Vara Cível de Porto Alegre, julgou a ação procedente, mas a 15ª Câmara Cível do TJRS reformou parcialmente a decisão para afastar a correção monetária retroativa, ao argumento de que, embora houvesse cláusula contratual prevendo o reajuste, o escritório nunca o exigiu.
O relator foi o desembargador Paulo Roberto Félix e seu voto foi acompanhado pelos magistrados Vicente Barroco de Vasconcellos e Otávio Augusto de Freitas Barcellos.
Persistiu – a partir da sentença – a obrigação de a empresa pagar as parcelas vencidas nos meses de outubro e novembro de 2004, corrigidas pelo mesmo índice desde os respectivos vencimentos e o valor relativo a quatro meses de remuneração, conforme previsto na cláusula 5ª do contrato.
No recurso especial interposto no STJ, o escritório sustentou que “a correção monetária constitui tão somente a reposição do valor real da moeda”. Segundo os advogados, a prestação de serviço por prazo indeterminado sem reajuste de valores implicaria “enriquecimento sem causa de uma das partes, comprometendo o equilíbrio financeiro da relação”.
A tese do escritório não convenceu os ministros da 3ª Turma, que acompanharam o voto da relatora. Ela disse que é comum, nas negociações envolvendo renovação ou manutenção de contratos, uma das partes dispensar a outra do pagamento de correção.“Nada impede o beneficiado de abrir mão da correção monetária, mantendo sem reajuste a contraprestação mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual” – afirma o voto.
Foi o que ocorreu no caso já tinha concluiu o TJ gaúcho, segundo o qual “tudo indica que o escritório dispensou a correção do valor para manter o contrato, não sendo razoável exigir tais valores apenas após a rescisão”.
Conforme o acórdão do STJ, “a boa-fé objetiva exige de todos um comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade”. A relatora discorreu sobre as regras de conduta que “não se orientam exclusivamente ao cumprimento da obrigação, permeando toda a relação contratual, de modo a viabilizar a satisfação dos interesses globais envolvidos no negócio”.
O advogado Thiago Jard Tobias e Silva Bezerra defende a empresa Micheletto. O acórdão do STJ ainda não está disponível (REsp nº 1202514).
Acórdão do TJRS
“Não é razoável exigir o reajuste anual no momento da rescisão quando a autora nunca fez valer a cláusula contratual“.
Fonte: www.espacovital.com.br