Gilberto Melo

Medida provisória pretende “sacramentar” Tabela Price

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem aproximadamente uma semana para sancionar a Medida Provisória 459, que cria o programa habitacional do governo federal “Minha casa, minha vida”. A proposta, aprovada na semana passada no Senado Federal, é garantir moradia para a população de baixa renda de todo o país. No entanto, entidades e especialistas alertam que uma alteração em um dos artigos do texto pode resultar em uma enxurrada de ações contra bancos.

Isso porque, proposta pelo deputado federal Fernando Chucre (PSDB/SP), uma mudança retificou a redação do artigo 74 e, segundo especialistas ouvidos pelo DCI, ela favorece a cobrança de juros sobre juros em empréstimos e financiamentos. A mudança acrescenta dois dispositivos que alteram respectivamente o art. 4º do decreto 22.626, de 1933, e o artigo 591, do Código Civil, dispondo sobre a cobrança de juros em empréstimos e financiamentos. “Com esta aprovação, o Senado Federal consentiu com a legalização da prática do anatocismo pelos bancos e demais integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Não é de hoje que os bancos vêm tentando aprovar a cobrança de juros de juros. Com essa aprovação, será possível promover o anatocismo para qualquer tipo de contrato no país”, afirmou o advogado Mauro Sérgio Rodrigues Advogado, autor do livro Prática de Direito Processual Bancário na Visão do Consumidor Bancário.

A bandeira contra a aprovação dessa emenda vem sendo levantada pelo Programa de Defesa e Apoio ao Consumidor (Prodac), criado pela Associação Brasileira de Apoio a Empresa e Defesa do Consumidor (Abraem), que afirma a emenda proposta pelo deputado tucano deve derrubar as leis de proteção do cidadão contra os abusos do crédito. Segundo alega a Prodac, a tabela Price (usada pelos bancos) e agora inserida na MP 459, é ilegal em um sistema financeiro.

“Os tribunais que já estão abarrotados de processos, em poucos anos não suportarão avalancha de ações judiciais que sobrevirão desta inconsequente aprovação legislativa. Estão enganando toda a comunidade jurídica porque não sabem o que aprovaram. Para o governo, dinheiro estoura na panela feito pipoca”, alfineta Mauro Sérgio Rodrigues.

A reportagem procurou o deputado, mas foi informada que ele estava doente e não compareceu à Câmara ontem. Assim, um assessor do parlamentar falou com o DCI e disse que a alteração com o uso da tabela price nos financiamentos habitacionais proporciona a inserção de 7 milhões de famílias no crédito habitacional. “A vantagem da tabela price é que as famílias que não tinham acesso ao crédito vão começar a ter. Isso não é onerosidade excessiva. A alteração na MP contou com o aval dos melhores matemáticos do país”, explica o assessor, que rebate as acusações de que há lucro sobre lucro em prol dos bancos com a mudança: “Há má fé nessa interpretação. É uma briga que chega a ser ideológica. O mundo já usa esse tipo de tabela. No Brasil ainda há o resquício do nosso atraso na legislação”, disse.

Para o advogado Mauro Sérgio Rodrigues, com essa MP “ficará comprovado o anatocismo [incidência de juros sobre os juros acrescidos ao saldo devedor] no país”. Ele explica que se trata de prática proibida pela legislação brasileira. A vedação sobrevém do Decreto 22626/33 que estabelece “é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”. “No apagar e acender das luzes estão derrubando todo um entendimento. O artigo 74 da MP 459/09, se não for vetado pelo Presidente Lula, imporá situações de agonia e endividamento célere à população dependente de acesso ao crédito”, afirma.

O assessor do deputado Fernando Chucre ouvido pela reportagem conta que, se fosse uma mudança desleal com a população, teria sido vetada antes, já que passou pelo crivo de todos os partidos do Congresso, de especialistas da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Ministério da Fazenda. “Esse anatocismo não existe, é falso. É uma tese comum utilizada por profissionais que advogam para pessoa simples que vão reaver contratos de financiamento com base na tese que não é possível o uso de juros compostos”, contesta o assessor do tucano.

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