Gilberto Melo

Os depósitos judiciais são minas de ouro dos bancos

Há uns 13 anos, aproximadamente, que a insistência na política econômica no receituário neoliberal vem mantendo a taxa de juros na estratosfera, despertando grande insatisfação. Os bancos batem sucessivos recordes de lucratividade, enquanto que o setor produtivo tem dificuldades de investir por causa do alto custo do dinheiro.

Esta massa de rendimentos dos banqueiros decorre do chamado spread, ou seja, a diferença entre o que é pago ao depositante aplicador e o que se cobra para conceder empréstimos. Os estudos já divulgados apontam que a diferença chega, em média, a 23,3%, batendo na estratosfera quando se cuida de cheque especial, quando se chega a cobrar 160% ao ano.

No entanto, 36% do total destes lucros é originado da chamada “tesouraria”, ou seja, da singela atividade de comprar títulos do governo federal que paga os melhores juros do mundo (1).

Por isso, a atividade bancária de servir como depositário judicial é um dos negócios mais rentáveis existentes no Brasil de hoje em dia porque significa manejar enormes volumes de dinheiro por um custo extremamente baixo.

A questão chamou a atenção do público quando a imprensa (2) divulgou, recentemente, que o Banco do Brasil pagou R$ 170 milhões ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para atuar como depositário. A mesma matéria revelava que, somente na Caixa Econômica Federal, “existem R$ 19,8 bilhões à espera de decisões da Justiça Federal — dos quais R$ 7,6 bilhões em São Paulo”.

Não existem dados publicados pela Justiça do Trabalho a este respeito, mas é possível avaliar a dimensão dos valores envolvidos, pelas notícias emanadas do TST (3) em 2005 no sentido de que “a Justiça do Trabalho repassou aos trabalhadores brasileiros, até outubro deste ano, mais de R$ 6 bilhões em decorrência da conclusão das execuções de seus créditos judiciais e dos acordos celebrados em juízo”.

Todo este valor forma um imenso pote de ouro dotado de elevada rentabilidade corresponde a trabalho que não foi pago. Foram pessoas que venderam sua força de trabalho, ou seja, uma parte de sua vida, e não receberam o devido pagamento pelo seu esforço, sendo obrigadas a recorrer ao Judiciário. No fundo, este pote de ouro é formado por carne humana, ou seja, sangue e suor não remunerados.

Esta enorme quantidade de trabalho humano transmutado em depósitos judiciais fica à disposição do banco que, mesmo sem investir um tostão no setor produtivo, pode obter lucros astronômicos com os tais ganhos de “tesouraria”, ou seja, simplesmente comprando títulos da dívida pública federal. Afinal de contas, o custo deste dinheiro é baixíssimo, já que é remunerado somente com o índice da TR e mais 0,5% de juros ao mês.

No mês de fevereiro de 2006, por exemplo, a TR foi fixada em 0,0725% e a remuneração do depósito seria de 0,57%. No entanto, a lei manda que os créditos trabalhistas sejam acrescidos da correção monetária pela TR mais 1% de juros mensais (parágrafo 1º do artigo 39 da Lei 8.177/91). Então, o exeqüente teria direito a 1,07% de majoração naquele mês e não apenas os tais 0,57%. A diferença, como se vê, é substancial num mês e, se o depósito ficar retido por muitos e muitos e meses, a perda será cada vez mais significativa.

Evidentemente, tal questão não vem à baila quando o devedor efetua depósito a título de pagamento, ficando este, de imediato, à disposição do credor. No caso de que se cuide de garantia de execução, ou seja, fique o valor retido no aguardo de que seja dirimido o questionamento apresentado pelo devedor, o cenário mostra-se gritantemente injusto. Diante de tamanho desacerto, a jurisprudência vem se avolumando no enfrentamento desta questão, cabendo registrar aqui alguns exemplos:Execução.

Depósito em garantia. Correção bancária e correção trabalhista. Diferenças de correção monetária. O cumprimento da obrigação de pagar se dá com a efetiva liberação do valor ao credor. O depósito em instituição bancária não é desoneração da obrigação, senão meio de garantia do Juízo que não se confunde com pagamento. Deferida a diferença de correção monetária bancária para a trabalhista (TRT/SP – 02602199202402008 – AP – Ac. 6ªT 20050176581 – Rel. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO – DOE 15/04/2005)

Juros trabalhistas. Recurso do devedor ao tribunal. Responsabilidade pela mora. O devedor responde pela diferença entre os juros trabalhistas e os juros da instituição financeira, quando sem razão impugna a execução com recurso ao Tribunal, dando causa ao atraso no pagamento do que depositou. Essa responsabilidade, porém, é limitada à parte controvertida da dívida, já que a parte incontroversa pode ser levantada, conforme art. 897, parágrafo 1º, da CLT. (TRT/SP – 02125199606802009 – AP – Ac. 9ªT 20050151660 – Rel. LUIZ EDGAR FERRAZ DE OLIVEIRA – DOE 08/04/2005)

“Diferenças de juros entre a data do depósito e o soerguimento de Alvará para Levantamento – Devido o pagamento destes – Apelo provido. A Lei nº 8.177/91, artigo 39, parágrafo 1º, determina que os juros devem ser calculados a partir da data do ajuizamento da ação, aplicando-se pro rata die, 1% ao mês, calculados de maneira simples e não capitalizados, sobre o valor da condenação, corrigido monetariamente, os quais não são aplicados pelas Instituições Financeiras. O objetivo final da Justiça do Trabalho é a integralização efetiva (dos direitos reconhecidos juridicamente convertidos em valores atualizados com juros e correção monetária) destes ao patrimônio do empregado. Não dar amparo ao pedido de pagamento de diferenças de juros de mora, conforme pleiteado pelo ora agravante, nos remete forçosamente ao descumprimento da sentença de mérito e conseqüentemente a não prestação jurisdicional completa deste Juízo Especializado” (TRT/SP – 02438199002702006 – AP – Ac. 8ªT 20050107580 – Rel. LILIAN LYGIA ORTEGA MAZZEU – DOE 15/03/2005).Juros. Depósito bancário. Diferença de juros e correção monetária.

Há evidente diferença entre o valor pago pela instituição financeira, que é de 0,5% e os juros dos débitos trabalhistas, que são de 1% ao mês, conforme o parágrafo 1.º do artigo 39 da Lei n.º 8.177/91. Só por esse ângulo já se verifica a existência de diferenças, que ficam por conta do empregador (TRT/SP – 01330199607002016 – AI – Ac. 2ªT 20050014484 – Rel. SÉRGIO PINTO MARTINS – DOE 15/02/2005).

Fazendo uma leitura acadêmica da letra da lei, o observador apressado ficaria com a impressão de que a questão é de menos importância, tendo em vista que, como regra geral, não se admite recurso contra a decisão regional que decide agravo de petição. Tal regra, em tese, limitaria o tempo em que os depósitos ficam retidos. Na prática, contudo, o advogado militante enfrenta a situação de que os embargos à execução, em muitos casos (pelo menos, em São Paulo), demoram anos para que sejam julgados.

Ao demais, é cada vez mais corriqueiro que as empresas venham a ingressar com recurso de revista contra a decisão que rejeitou agravo de petição, insistindo em agravo de instrumento contra despacho denegatório, recurso extraordinário, indo até o agravo de instrumento ao Supremo Tribunal Federal. Assim, é muito comum que os dinheiros fiquem por longos anos dormitando no depositário judicial, já que estes empregadores sentem-se blindados em relação a qualquer acréscimo porventura gerado pela sua resistência interminável.

O trabalhador é compulsoriamente forçado a sofrer por anos a fio a tortura de ficar diante de um depósito que não se consegue levantar e que fica rendendo alentados lucros de spread para o depositário. Enquanto isto, ganha a empresa que fica se empenhando em sucessivas novas “chances” de reverter a decisão, ganha o banco depositário que vai faturando sem esforço com aquele dinheiro barato e ganha o Judiciário que sempre consegue arrancar doações substanciais do depositário para atenuar o sucateamento que o Estado lhe impõe, complementando as esquálidas e sempre insuficientes verbas que lhe são cometidas pelo orçamento da União.

A Justiça do Trabalho fica impotente para resolver este problema por dois motivos. De um lado, é duvidoso que os bancos viessem a candidatar-se a tal função se fossem obrigados a remunerar os depósitos nos termos da Lei 8.177/91. De outro, a ordem jurídica estabelece um monopólio dos bancos estatais federais e os tribunais ficam com a opção entre os braços do Banco do Brasil e os braços da Caixa Econômica Federal.

Na persistência deste impasse, somente a sistemática imposição do pagamento das diferenças poderá contribuir para atenuar a distorção aqui retratada.

Fonte: www.adpf.org.br