Gilberto Melo

A taxa Selic composta nos débitos da Fazenda e precatórios

Neste breve artigo pincelaremos a situação atual do Pedido de Providências da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a aplicação da taxa Selic com capitalização composta e não simples, conforme o Enunciado 7 do Fórum Nacional de Precatórios (Fonaprec). O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) obteve um importante avanço em sua solicitação ao CNJ referente à forma de aplicação da taxa Selic na atualização monetária de precatórios, conforme demonstra o recente parecer aprovado pelo Fonaprec.

Em agosto de 2024 o CFOAB apresentou um Pedido de Providências (PP 0004596-17.2024.2.00.0000) ao CNJ questionando a diretriz então vigente sobre a aplicação da taxa Selic no cálculo de atualização dos precatórios judiciais. A Ordem argumentou que a forma de incidência da Selic constante no Sistema de Correção Monetária (SICOM) estava em desconformidade com o prescrito no artigo 3º da Emenda Constitucional (EC) nº 113/2021.

Na petição inicial, a OAB sustentou que tanto a Constituição Federal quanto a Resolução CNJ nº 303/2019 determinam a aplicação da taxa Selic na forma regulamentada pelos órgãos competentes, especificamente pelo Banco Central do Brasil. Segundo a argumentação apresentada, os critérios disponibilizados pela ferramenta “Calculadora do Cidadão” do Banco Central indicariam a aplicação da taxa Selic de forma capitalizada (composta), em acordo com a sua própria constituição, e não de forma simples como vinha sendo aplicada.

A questão central do debate reside na diferença entre a aplicação da Selic simples ou composta (capitalizada). Na metodologia simples, os juros incidem apenas sobre o valor principal original, enquanto na metodologia composta, os juros são incorporados ao capital para o cálculo dos juros do período seguinte. Essa distinção tem impacto financeiro significativo, especialmente em dívidas de longo prazo como os precatórios. Ocorre que a taxa Selic é instrumento de política macroeconômica com capitalização composta, divulgada pelo Banco Central. Apenas a Receita Federal a utiliza com capitalização simples, em matéria tributária.

Um fato decisivo ocorrido durante a tramitação do processo foi a publicação, em 10 de dezembro de 2024, do Enunciado 7 do Comitê Nacional do Fonaprec, que trata especificamente da questão em disputa. O texto do enunciado estabelece claramente que:

A atualização do valor dos precatórios a que se refere o art. 3º da Emenda à Constituição n. 113/2021 dar-se-á pela aplicação do mesmo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulada mensalmente, para atualização da dívida mobiliária da União, na forma calculada e publicada pelo Banco Central do Brasil.

Essa redação acolhe integralmente o entendimento defendido pela OAB, determinando que a aplicação da Selic deve seguir a metodologia utilizada pelo Banco Central do Brasil na Calculadora do Cidadão, que emprega a taxa de forma composta. Em 23 de janeiro de 2025, o Desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, membro do Comitê Nacional do Fonaprec, emitiu parecer favorável ao pedido da OAB, reconhecendo que a diretriz solicitada já havia sido estabelecida pelo Enunciado 7 do Fonaprec. O parecer foi submetido à apreciação do Comitê, que o aprovou por maioria em sua 1ª Sessão Virtual de 2025, realizada entre 17 e 21 de fevereiro de 2025.

Um aspecto relevante do parecer aprovado é a observação feita pelo relator no sentido de que, para garantir segurança jurídica a todos os envolvidos na questão dos precatórios (credores, devedores e gestores judiciais), seria importante que a diretriz estabelecida pelo Enunciado 7 do Fonaprec fosse ratificada por ato normativo do CNJ, mediante deliberação de seu Plenário. Com a aprovação do parecer pelo Comitê Nacional do Fonaprec em fevereiro de 2025, a situação atual do pedido da OAB é de reconhecimento formal de que já existe diretriz estabelecida pelo Enunciado 7 no sentido de que a taxa Selic deve ser aplicada na forma calculada e publicada pelo Banco Central do Brasil, ou seja, de forma composta. Contudo, para que essa diretriz tenha plena eficácia e proporcione maior segurança jurídica, aguarda-se que o entendimento seja ratificado pelo Plenário do CNJ por meio de ato normativo específico. Essa etapa é especialmente importante considerando os impactos financeiros significativos que a decisão terá tanto para os credores de precatórios quanto para os entes públicos devedores.

Da forma como vinha sendo aplicada a taxa Selic a partir da EC 113/2021, com capitalização simples, o prejuízo dos credores é enorme, pois ao “linearizar”, tornar simples, a correção monetária contida na taxa Selic, que por sua natureza é composta, muitas vezes ela sequer preserva o poder de compra, entregando ao final do período de sua aplicação um valor menor que o principal atualizado por qualquer índice de preços. A aplicação da Selic composta, conforme preconizada pelo Enunciado 7 do Fonaprec, tende a resultar em valores mais elevados de atualização dos precatórios em comparação à metodologia de juros simples. Isso porque na capitalização composta os juros de cada período são incorporados ao capital para o cálculo dos juros do período seguinte, gerando um efeito exponencial ao longo do tempo, como é da própria natureza da Selic, que é taxa de investimento e não de variação de preços.

Discorremos sobre esse e outros problemas técnicos, jurídicos e financeiros decorrentes da aplicação da Selic no âmbito judicial, especialmente após a EC 113/2021, em nosso artigo A loucura da Selic no judiciário.

Para os credores de precatórios, especialmente aqueles cujos processos tramitam há muitos anos, a adoção da metodologia composta representa uma compensação mais justa pela demora no recebimento de seus créditos.

Esse processo reflete a complexidade do sistema de precatórios no Brasil e a importância de estabelecer critérios claros e uniformes para sua atualização monetária, equilibrando os interesses dos credores e a sustentabilidade das finanças públicas. A definição final sobre a questão terá impacto significativo na gestão de precatórios em todo o país, estabelecendo um precedente importante na interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais que regem este sistema.

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Autor: Gilberto Melo, parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, propositor da tabela uniforme de fatores de atualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE. Engenheiro e Advogado. Pós-Graduado em Contabilidade.