A relatora do recurso da Vale, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que o ouro, enquanto ativo financeiro, é equiparado a investimento de renda fixa, cabendo o mesmo raciocínio empregado em recomposição monetária de certificados de depósito bancário. “Assim como ocorre na revisão de contratos de investimentos em fundos de renda fixa, é devida a cobrança de expurgos inflacionários relativos aos Planos Bresser, Verão e Collor nos contratos de compra e venda de ouro mercantil a termo”, concluiu a relatora.
O contrato foi celebrado em 1988, quando a Vale fez uma oferta pública de 15 toneladas de ouro. A Petros comprou 4,8 toneladas. Por questões de rentabilidade, a entidade exerceu o direito contratual de arrependimento e pediu a restituição dos valores investidos em espécie. A ação de cobrança foi ajuizada porque a Petros entendeu que houve pagamento a menor de correção monetária.
A Vale argumentou que a obrigação de pagar a diferença não seria dela, pois a operação de compra e venda de ouro foi intermediada pela Cetip S/A – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos. A Vale sustentou que essa instituição era que tinha a titularidade dos contratos por transferência fiduciária e que o dinheiro foi a ela integralmente restituído, com a respectiva devolução dos títulos, de forma que a obrigação estaria extinta.
Contudo, a relatora constatou que a Cetip atua na operação de compra e venda e ouro por imposição legal e que apenas registra a circulação dos papéis que representam a custódia do metal. “Ao registrar e custodiar os contratos de compra e venda, ela atua como mera mandatária dos titulares do crédito lastreado em ouro, não se responsabilizando por problemas decorrentes do adimplemento contratual”, entende Nancy Andrighi.
Seguindo as considerações da relatora, a Turma negou provimento ao recurso, mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que responsabilizou a Vale pelo pagamento das diferenças de correção monetária. A decisão foi unânime. Os autos trazem o valor de R$ 232.174.290,44. Segundo afirmou a defesa da Vale durante a sustentação oral no STJ, o valor atualizado é de aproximadamente R$ 340 milhões.
A relatora destacou que essa é a primeira vez que o STJ analisa a possibilidade de recomposição de expurgos inflacionários em contratos mercantis de compra e venda de ouro a termo. É o chamado leading case.
Embora não se trate de recurso repetitivo, a ministra verificou no sistema de jurisprudência e distribuição processual do STJ que há outros processos aparentemente idênticos que ainda não foram julgados. Portanto, essa decisão é um importante precedente para o Poder Judiciário brasileiro.
Antes de analisar se a diferença de correção monetária era mesmo devida, a Turma analisou outro recurso especial, também de autoria da Vale S/A, que questionou os limites do despacho saneador proferido na instrução da ação de cobrança. Esse despacho é feito antes da sentença final para sanar irregularidades, nulidades, ilegitimidade e outras questões preliminares.
A Vale argumentou que o despacho saneador teria antecipado o mérito da ação, não reconheceu a inépcia do pedido inicial e a prescrição do prazo para formulação do pedido, que alegava ser de cinco anos. Além disso, a empresa alegou que a Justiça fluminense não teria enfrentado todos os argumentos que lhe foram apresentados.
A ministra Nancy Andrighi não encontrou a alegada omissão e afirmou que o simples descontentamento da parte com a decisão não torna os embargos cabíveis. Segundo ela, a jurisprudência do STJ considera correta decisão que afasta alegação de inépcia da petição inicial quanto há informação suficiente sobre os elementos necessários para o conhecimento da relação jurídico-litigiosa.
Quanto à prescrição, é entendimento consolidado no STJ que a correção monetária e os juros remuneratórios em caderneta de poupança agregam-se ao capital, perdendo a natureza de acessórios. Por isso, a prescrição aplicável é de vinte anos. Esse recurso foi conhecido em parte e negado. A decisão também foi unânime.
Fonte: www.stj.gov.br