Resumo: Este trabalho é dedicado à análise dos procedimentos que envolvem a realização da perícia psiquiátrica criminal, na tentativa de responder à questão: na prática, tais procedimentos ferem o princípio do contraditório?
O art. 150 do CPP prevê, a respeito da realização da perícia psiquiátrica, que: “para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar.“.
Além disso, o § 1º do artigo em questão estabelece que o exame será realizado no prazo máximo de 45 dias, salvo se os peritos demonstrarem a necessidade de maior prazo.
Não raro, os peritos tomam o interrogatório do periciado como instrumento de exame. No entanto, como pudemos perceber dos dispositivos legais que regem os procedimentos pertinentes do exame psiquiátrico, o periciado é ouvido pelos peritos, e interrogado acerca dos fatos que originaram o processo criminal no interior de estabelecimentos manicomiais, sem estar assistido por advogado.
Portanto, está posto o problema, objeto deste trabalho, em sua exata dimensão, que consiste também, de certa forma, em conhecermos o real alcance atingido pelo princípio do contraditório no processo penal.
A respeito do exame psiquiátrico, José G. V. Taborda elucida que: “o exame pericial psiquiátrico é uma espécie de avaliação psiquiátrica com a finalidade de elucidar fatos do interesse de autoridade judiciária, policial, administrativa ou, eventualmente, de particular, constituindo-se em meio de prova. Tem por base e fundamento o exame psiquiátrico clínico, valendo-se o examinador do domínio da técnica de entrevista, do conhecimento de psicopatologia e de sua capacidade diagnóstica.” (TABORDA, José G. V. Exame pericial psiquiátrico, in: Psiquiatria Forense, organizado por José G. V. Taborda, Miguel Chalub e Elias Abdalla-Filho; Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 58, grifos nossos).
E acrescenta, sobre a entrevista psiquiátrica forense: “é imprescindível para a correta compreensão das motivações que levaram alguém a prática de determinado ato (em perícias de responsabilidade penal ou de anulação de ato ou negócio jurídico), para estabelecer-se a aptidão e os limites da prática de atos da vida civil e, mesmo, para o prognóstico de risco.” (idem, p. 62).
Portanto, vemos que, incontestavelmente, a entrevista faz parte do exame psiquiátrico. Muitos laudos periciais trazem em seu bojo a transcrição literal do que foi dito pelo periciado. Mas, tal “interrogatório” possui valor probante? Em outras palavras, todos os elementos do laudo pericial (histórico, desenvolvimento, etc.) constituem elementos de prova, ou apenas a conclusão?
Penso que devemos considerar como elemento hábil de prova apenas a conclusão do laudo pericial (se o acusado é imputável, semi-imputável, ou inimputável), para não macularmos de inconstitucionalidade este meio de prova, em virtude do desrespeito ao princípio do contraditório.
Acerca de tal princípio, Nestor Távora e Rosmar Antonni nos dão a seguinte definição: “Traduzido no binômio ciência e participação, e de respaldo constitucional (art. 5º, inc. LV da CF), impõe que às partes deve ser data a possibilidade de influir no convencimento do magistrado, oportunizando-se a participação e manifestação sobre os atos que constituem a evolução processual.” (TÁVORA, Nestor. ANTONNI, Rosmar. Curso de direito processual penal. 3ª edição revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, p. 47).
Participação efetiva, possibilidade de influência no convencimento do magistrado, manifestação sobre os atos que constituem a evolução do processo, efeitos da aplicação do princípio do contraditório no processo penal que não se restringem a meras formalidades. Assim, reforça-se a tese de que apenas as conclusões dos laudos periciais psiquiátricos merecem valor probante no processo penal.
Ao longo deste breve trabalho vimos que o exame psiquiátrico envolve a entrevista, o interrogatório do periciado sobre os fatos que ensejaram a instauração do processo criminal. Vimos também que isso se dá no interior de estabelecimentos manicomiais, onde o acusado não estará assistido por advogado.
Portanto, podemos concluir que é inconstitucional o depoimento do acusado, prestado no interior dos estabelecimentos manicomiais, na presença apenas dos peritos, sob pena de restar seriamente ferido o princípio do contraditório.
Assim, restam duas alternativas práticas para não macular o exame psiquiátrico de inconstitucionalidade: ou abole-se a realização do interrogatório acerca dos fatos que ensejaram a instauração do processo principal; ou retira-se o valor probante de tal interrogatório.
Autor: Anderson Henrique Gallo, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto
Fonte: www.jus.uol.com.br