Os bancos, ao exercerem a função de ofertar crédito, contribuem para o desenvolvimento da economia, realizando a importante função de financiamento do setor produtivo e do mercado consumidor.
Em razão de suas características, o direito bancário é considerado pela doutrina como o mais comercial dos ramos do direito mercantil. Isso porque as operações bancárias são atos de comércio e o banqueiro trata de uma mercadoria diferente das demais, ou seja, a própria moeda que constitui o sangue da economia [1].
A evolução do direito bancário no último século é algo impressionante. Para que se chegue a essa conclusão basta lembrar que, no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, no Brasil somente eram comuns três tipos de operação de crédito: o crédito pessoal, lastreado em notas promissórias; o crédito hipotecário e o crédito comercial oriundo do desconto de duplicatas.
J. P. Morgan, um dos maiores banqueiros que o mundo conheceu, costumava dizer que concedia crédito baseado unicamente no caráter dos seus clientes. Contudo, se vivesse no Brasil, certamente teria uma opinião diferente sobre o assunto.
No Brasil as altas taxas de inflação deram origem a uma cultura da inadimplência. Para os devedores era proveitoso utilizar o Judiciário — e sua conhecida morosidade — para protelar o pagamento das dívidas, questionando o seu valor.
Os Tribunais passaram a interpretar os contratos bancários, a revisar suas cláusulas e condições, julgando excessivas e/ou abusivas as taxas de juros cobradas, aumentando assim o risco daqueles que emprestavam dinheiro. A inadimplência e o chamado risco judiciário contribuíram para o aumento da taxa de juros, isso porque, como é lógico, o preço do dinheiro está correlacionado com a segurança e presteza com que se consegue executar as garantias bancárias. Isto já foi demonstrado pela comparação das taxas de juros cobradas em empréstimos com garantias mais seguras (por exemplo, o crédito consignado e a alienação fiduciária) e com menos seguras (a hipoteca, o penhor, entre outros.) [2].
É preciso lembrar que, dentre os vários motivos que explicam os altos juros básicos no Brasil, a incerteza jurisdicional merece destaque.
Os estudiosos do tema apontam que o mercado financeiro interno de longo prazo é pequeno porque as pessoas têm medo de investirem sua poupança em instrumentos financeiros de longo prazo sujeitos à jurisdição brasileira. Os problemas do mercado de crédito estariam relacionados intimamente ao receio de que os contratos não sejam respeitados – seja por conta de intervenção do governo, por causa de um alegado viés anticredor do Poder Judiciário ou simplesmente porque a demora do Poder Judiciário beneficia os devedores [3].
Em milhões de processos foram travadas, por vários anos, discussões acerca da limitação dos juros bancários a 12% ao ano, sobre a legalidade da capitalização dos juros. As chamadas ações revisionais, em que os devedores postulam a revisão judicial das taxas de juros contratadas, passaram a integrar o cotidiano dos tribunais. Várias correntes jurisprudenciais se formaram em torno do tema, desde aquelas que defendiam o pacta sunt servanda até as que defendiam ser possível o Judiciário intervir nos contratos para eliminar os encargos considerados abusivos e até fixar novas (e menores) taxas de juros.
A jurisprudência do STJ, inicialmente vacilante, passou a se uniformizar. As grandes discussões sobre o tema deram origem a súmulas. Outras foram decididas através do julgamento de recursos repetitivos.
Dentre essas discussões uma merece destaque: a aplicação do CDC aos contratos empresariais. Seria coerente a aplicação das mesmas regras e princípios que tutelam e protegem o consumidor àqueles que exercem o comércio como atividade?
É bom assinalar que quanto mais incerteza houver a respeito da recuperação do crédito, tanto maior tendem a ser os juros bancários”. Isso porque “não estamos aqui diante de um Poder Judiciário que simplesmente reage aos juros bancários. Estamos, sim, diante de um Poder Judiciário que também afeta os juros bancários. Ou, em outras palavras: os efeitos das decisões do Poder Judiciário não são apenas interpartes e retroativos. São também prospectivos, porque criam incentivos para toda a sociedade [4].
É nesse contexto que se insere a discussão sobre o direito bancário no projeto do novo Código Comercial. O projeto referido, que traz a liberdade de iniciativa como princípio, e, como consequência, reconhece (artigo 5) a imprescindibilidade, no sistema capitalista, da empresa privada para o atendimento das necessidades de cada um e de todos; do lucro obtido com a exploração regular e lícita de empresa como o principal fator de motivação da iniciativa privada; a importância, para toda a sociedade, da proteção jurídica liberada ao investimento privado feito com vistas ao fornecimento de produtos e serviços, na criação, consolidação ou ampliação de mercados consumidores e desenvolvimento econômico do pais e na empresa privada como importante pólo gerador de postos de trabalho e tributos, bem como fomentador de riqueza local, regional, nacional e global.
O projeto é claro ao afirmar (artigo 268) que, quando a relação obrigacional envolver, como credor e devedor principal, apenas empresários aplicam-se as normas específicas do Código Comercial, definindo (artigo 297) que é considerado empresarial o contrato quando forem empresários os contratantes e a função econômica do negócio jurídico estiver relacionada à exploração de atividade empresarial.
A aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor aos contratos empresariais — dentre eles os bancários — é vedada, restando previsto que, nos temas não regidos pelo Código Comercial, serão aplicáveis as regras do Código Civil (artigo 298).
O projeto limita a possibilidade de revisão judicial dos contratos empresariais, afirmando claramente que não é suficiente para a revisão judicial de qualquer obrigação contraída por empresário a onerosidade excessiva de seu cumprimento ou a vantagem excepcional da outra parte (artigos 272 e 273), o que é coerente nesse tipo de pacto em razão do profissionalismo com que os contratantes exercem a atividade empresarial. Em tais contratos a vinculação ao contratado será plena (artigo 305). Registre-se que o projeto traz normas especiais para a proteção da parte mais fraca nos chamados contratos assimétricos (artigo 306).
No que toca aos juros, tema que interessa diretamente ao direito bancário, o projeto traz, no artigo 281, a previsão de que é livre a pactuação dos juros moratórios entre os empresários, admitindo ainda a possibilidade de cobrança crescente de tais encargos, o que, certamente, será um estímulo à rápida regularização das obrigações em atraso. Afirmando, mais adiante, especificamente em relação aos contratos bancários, que os juros remuneratórios ou moratórios serão livremente pactuados pelas partes, observados os limites fixados pela autoridade monetária, na forma da lei (artigo 431).
Os contratos bancários são definidos no projeto como aqueles em que a função econômica corresponde a operação definida em lei como exclusiva de banco (artigo 428), sendo citados alguns exemplos desse tipo de pacto (artigo 429). O projeto define, com clareza, que o Código Comercial será aplicável apenas aos contratos celebrados pelo banco com empresários (artigo 430), evitando assim qualquer controvérsia acerca da aplicação do referido diploma a contratos celebrados entre bancos e consumidores.
Se aprovado o projeto, a interpretação dos contratos empresariais passará a ser realizada com base nas regras e princípios contidos no Código Comercial (artigo 318). Tal mudança dará ensejo ao surgimento de um novo direito comercial do Brasil, mais sintonizado com o atual estágio do mundo empresarial. Também contribuirá para o desenvolvimento do mercado bancário ao conceder maior segurança aos contratos. Isso sim permitirá a diminuição dos juros bancários no Brasil, trazendo benefícios para a economia nacional.
[1] WALD, Arnoldo. ASPECTOS PECULIARES DO DIREITO BANCÁRIO: O REGIME JURÍDICO DOS ATOS BIFACES. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 26 | p. 327 | Out / 2004 | DTR\2011\2589
[2] SALAMA, Bruno Meyerhof. VETORES DA JURISPRUDÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS BANCÁRIOS NO BRASIL. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 57/2012 | p. 157 | Jul / 2012 | DTR\2012\450593
[3] Ibid.
[4] SALAMA, Bruno Meyerhof. VETORES DA JURISPRUDÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS BANCÁRIOS NO BRASIL. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 57/2012 | p. 157 | Jul / 2012 | DTR\2012\450593