No STJ, o recurso era dos bancos. O caso teve início com um mandado de segurança impetrado na Justiça Federal contra a determinação do presidente do Cade, para que ambas as instituições financeiras apresentassem a operação de aquisição do controle do BCN pelo Bradesco.
Em primeira instância, o juiz desconstituiu o ato do presidente do Cade. A autarquia protestou, e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou a sentença, sob o argumento de que a Lei Bancária n. 4.595/64 e a Lei Antitruste n. 8.884/94 devem ser aplicadas com base na complementaridade, sendo possível a coexistência das duas.
A decisão levou o BCN e o Bradesco a recorrerem ao STJ, sustentando que o Cade não poderia ter determinado, por meio de uma interpretação retroativa, que fosse submetida à sua análise a operação de aquisição realizada muitos anos antes, já aprovada pelo Bacen.
A relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, votou pela competência exclusiva do Banco Central do Brasil (Bacen) para apreciar atos de concentração (aquisições, fusões, etc) envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. É a primeira vez que o STJ aprecia a aquisição de um banco por outro. No recurso em questão, conforme explica a ministra, o que se busca definir, na verdade, é justamente de quem é a competência para decidir esses atos de concentração.
Com a definição da Primeira Seção, a decisão de primeiro grau fica restabelecida. A ministra Eliana Calmon partiu da premissa de que o ordenamento brasileiro só permite ao administrador decidir como previsto em lei, estando o princípio da legalidade presente em todo e qualquer ato governamental. Realidade da qual não se pode fugir, afirma. A posição foi acompanhada por três ministros: Humberto Martins, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves.
Votaram em sentido diferente os ministros Castro Meira e Herman Benjamin, para quem Cade e Bacen podem desempenhar funções complementares – ao Bacen competiria autorizar a fusão dos bancos em questão e ao Cade caberia uma ação posterior, no sentido de resguardar o ambiente concorrencial do mercado.
Parecer da AGU
O Parecer GM-20 foi emitido pela AGU em 2001, em um conflito de competência entre o Bacen e o Cade, e aprovado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. De acordo com o documento, a competência para analisar e aprovar os atos de concentração das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, bem como de regular as condições de concorrência entre instituições financeiras, aplicando-lhes as penalidades cabíveis, é privativa do Bacen, excluindo qualquer outra autoridade, inclusive o Cade. Para a AGU, esse é o modelo adotado pela legislação em vigor e qualquer outro exige modificar a Lei n. 4595/1964, o que só pode ocorrer mediante lei complementar.
A relatora rejeitou o argumento do Cade de que a Constituição só reservou à lei complementar a organização e funcionamento da AGU e, assim, inexistiria previsão constitucional de lei complementar. Dessa forma, a LC 73 teria status de lei ordinária e o seu artigo 40, parágrafo 1º, teria que ser interpretado em harmonia com a Lei n. 8.884/1994.
O entendimento da autarquia é que, sendo a lei que trata do Cade posterior à do Bacen, deve prevalecer a mais recente, a qual impede a administração direta de controlar as suas decisões, quando proferidas em relação à sua atividade-fim. Para o Cade, o presidente da República não poderia aprovar parecer da AGU capaz de anular ou limitar decisão proferida pela autarquia nessa condição, sob pena de tornar inócua a independência indispensável que precisa para atuar como órgão antitruste.
A ministra Eliana Calmon entende que a tese não pode prevalecer. A CF/88, explica a ministra, confere ao presidente da República o poder-dever de exercer a direção superior da Administração Federal, podendo dispor sobre a organização e funcionamento de seus órgãos e entidades. O sistema financeiro é regulado por dispositivos que impõem algumas restrições à Lei n. 8.884/1994, inexistindo previsão legal para a atuação decisória do Cade nesse “específico e sensível” setor, explica. “Acolher a tese defendida pelo Cade nesse ponto, além de vulnerar o princípio da legalidade, importa em atribuir à autarquia poderes superiores aos do dirigente máximo da nação, conferidos diretamente pelo próprio constituinte originário”, afirma.
Para a relatora, enquanto as normas da Lei 4.595/64 estiverem em vigor, a competência para apreciar atos de concentração envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional é do Banco Central. Seja em razão do parecer vinculante emitido pela AGU, seja pelo princípio inserido no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução do Código Civil, devem ser aplicadas as normas da Lei n. 4.595/64, que conferem ao Bacen a competência exclusiva para apreciar esses atos envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
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Fonte: www.stj.gov.br