Gilberto Melo

As delícias de ser dono de um precatório

Todos sabem, na área jurídica, que o precatório é um título de crédito contra o Poder Público, oriundo de condenação judicial transitada em julgado. Apresentado à presidência do tribunal, o precatório aguarda na fila que seja liberada verba por parte do Poder Público, para ele ser pago. Na teoria, bem simples. 
 
Na prática, a coisa se complica, porque o Poder Público não deposita jamais todo o importe da dívida, que cresce a olhos vistos (São Paulo responde por um calote bilionário; outros Estados devem horrores). Quando chega algum dinheiro, há que se respeitar as preferências legais do idoso, do doente grave. O titular do precatório comum olha para tudo isso desconsolado. 
 
Há legislação profusa sobre o tema, questionamentos no STF, protestos da OAB. O CNJ “fez uma batida” nos tribunais e descobriu desvios de verbas, ineficiência, o diabo. 
 
Mas não quero falar desses aspectos cansativos, e sim da faceta amável do precatório. Como é legal (sem duplo sentido) ter um precatório! Não chega a ser um animalzinho de estimação, mas é quase. Como esse “bichinho” é quase imortal, pois só se extingue com o pagamento (que nunca chega), o dono se vê obrigado a conviver com ele, e desenvolve uma espécie de afeição. Como não gostar de alguém com quem se vai conviver por décadas? 
 
Falo por experiência própria: em junho de 1996, fui agraciado com um desses adoráveis precatórios, e de lá para cá cuido dele com esmero e carinho, e até hoje o “bichinho” não morreu: nada me foi pago, e nesse 16 anos, confesso, criei forte vínculo afetivo com ele: leio tudo sobre o tema, consulto semanalmente a lista de pagamentos, e nada: o “totó” continua lá, vivinho da silva.
 
Enfim, quem não quiser criar um cachorrinho, que acaba morrendo e deixando saudades, adote um precatório. Ele é de papel, não exige ração, não bebe água, não sai para passear, não late. Faz companhia (você sempre pensa nele, às vezes com raiva, às vezes com ternura, e isso ajuda o tempo a passar). 
 
Portanto, aí está um aspecto ameno do precatório, que precisa ser enfatizado. 
 
Precatório, I love you! 

Autor: Francisco A. Fabiano Mendes, advogado (OAB/RJ nº 25.872)
Fonte: www.espacovital.com.br