Os bancos e o governo federal querem evitar a criação de um “esqueleto” de dezenas de bilhões de reais com o Plano Real e estão pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) que obrigue todos os juízes do país a decidirem favoravelmente às regras de correção monetária impostas em 1994.
As instituições financeiras e a União querem que os ministros do STF barrem, de uma vez por todas, a onda de decisões de juízes de 1ª e de 2ª instância contra a Lei do Real (Lei nº 8.880).
O prejuízo dessas ações, apenas para o Tesouro Nacional, pode chegar a R$ 26,5 bilhões. Este valor equivale à diferença entre o índice aplicado entre julho e agosto de 1994 pela Lei nº 8.880 (o IGP-2), e o índice requerido por correntistas que possuíam contratos com os bancos e ingressaram com ações na Justiça (o IGP-M).
As ações também trazem riscos consideráveis, e ainda não contabilizados, para bancos (nos contratos com correntistas), Receita (na correção monetária do balanço das empresas e na compensação de tributos) e Banco Central. “Teria um efeito devastador na economia”, informou o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, em carta ao ministro Sepúlveda Pertence, relator de ação proposta pelos bancos ao tribunal.
No documento, Levy relata que a diferença entre o IGP-M e o IGP-2, em 1994, foi de 39%. O estoque da dívida indexada ao IGP-M, na época de instauração do Real, era de R$ 4,8 bilhões (ou CR$ 13,2 bilhões), explicou Levy. Somando 10 anos de juros a este valor (a Selic acumulada no período), o impacto seria de R$ 26,5 bilhões, calculou.
O secretário do Tesouro informou a Pertence que uma eventual decisão do STF pela revisão do índice fixado no Plano Real “implicaria no surgimento de uma nova classe de ‘esqueletos’, com imediato aumento da relação dívida/PIB (de aproximadamente 1,4%), o que tenderia tisnar as perspectivas econômicas do país, ao aumentar a percepção do risco fiscal, piorar a classificação da dívida pública, e prejudicar a disposição dos agentes econômicos se exporem a riscos domésticos”.
“A rejeição do artigo 38 (da Lei do Real) também oneraria a União por conta de contribuintes que procuram atualizar tributos a serem repetidos ou compensados utilizando outros índices”, afirmou Levy, citando o artigo que determinou a aplicação do IGP-2 na época do Real. “Mais ainda”, continuou o secretário, “ela implicaria rever uma rede complexa de contratos com desdobramentos imprevisíveis, que tenderiam a paralisar a economia por um longo tempo”. Neste ponto, estão incluídos contratos de bancos com correntistas, de trabalho, aluguéis e outros. Todos seriam revistos.
A ação contra a formação de um “esqueleto” do Plano Real é inédita e, se for aceita pelo STF, terá efeito vinculante, obrigando juízes de instâncias inferiores a darem ganho de causa aos bancos. Ela foi proposta, no final de julho, pela Confederação Brasileira dos Bancos (Consif) devido ao excesso de processos pedindo a diferença entre os índices utilizados na época da conversão do Real para a URV.
“Como há um grande número de casos na Justiça e isso pode se tornar uma epidemia é bom verificar logo quem tem e quem não tem direito”, justificou o autor das ações para os bancos, o advogado Arnoldo Wald. Segundo ele, os Tribunais Regionais Federais possuem decisões favoráveis aos bancos em ações envolvendo o Plano Real, mas Tribunais de Justiça de alguns estados são contrários.
A ação tem o nome técnico de Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). É um tipo de ação usado para pular etapas. A ADPF pode ser proposta pelas entidades de classe, quando há dezenas de decisões de instâncias inferiores da Justiça em sentidos opostos. Nesses casos, as entidades ficam sem saber qual regra vale. Então, ingressam com APDF para que o Supremo lhes dê um direcionamento.
Arnoldo Wald afirmou que os bancos estão preocupados com as decisões contrárias às regras do Plano Real. “É um tema que preocupa muito a Consif, pois passaram-se dez anos sem que se discutisse a fundo a questão. Então, existem decisões contra e outras a favor da constitucionalidade do Real”. O advogado ressaltou que o Banco Central e a Receita Federal também respondem a ações sobre o índice de correção do Real e estão bastante cientes do risco. No caso da Receita, as ações mais freqüentes discutem qual índice deve ser aplicado para a correção monetária dos balanços das empresas.
O advogado-geral da União, ministro Alvaro Augusto Costa, enviou um ofício a Pertence no qual avisa que tem atuado na Justiça para evitar que a correção monetária entre julho e agosto de 1994, seja revista por ações judiciais. A manifestação de Costa ao STF tem um parágrafo curioso, no qual ele descreve a posição do presidente Lula sobre a questão. Crítico do Real, em 1994, hoje o presidente “parece” se render ao plano e torce para que não seja derrubado na Justiça.
“Parece não haver interesse do Excelentíssimo Senhor Presidente da República em se contrapor ao mérito da ação (dos bancos), tendo em vista que a mesma visa fixar o entendimento que o artigo 38 da Lei nº 8.880, que instituiu o Real, não afronta a garantia constitucional do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, nem o direito de propriedade”, disse o advogado-geral ao STF. Não há prazo para o Supremo julgar a ação da Consif.
Fonte: Valor Econômico