O slogan da campanha de Bill Clinton costuma ser utilizado muitas vezes como uma forma de explicar o sucesso ou o fracasso dos governos, independentemente de que país se tome.
Não se trata de um “estreitamento” da compreensão histórica ou simplificação de seus agentes. Entretanto, é preciso que se estabeleça, sem melindres latinos, a relação da economia com toda atividade humana.
A ciência jurídica, tratando justamente do homem, também não escapa a esta verdade. Muito embora nossa grade universitária, na larga maioria dos cursos jurídicos no Brasil, pouca atenção dê à economia, o Direito, principalmente o Direito Civil (em seu largo espectro) cuida, enfim, de relações econômicas entre seus cidadãos.
A pacificação buscada pela Justiça é, em grande aspecto, antes de tudo o (re)equilíbrio econômico de uma situação submetida à tutela jurisdicional.
Neste sentido, o Direito deve “voltar os olhos” à economia.
O Código Civil de 2002 não fugiu a esta tarefa. Especialmente no direto das obrigações, mais especificamente regulamentando a contratualística, o legislador criou uma grande “janela legal” no artigo 421.
Ao estabelecer, como cânone legal, que a “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, o legislador secunda a Constituição Federal que, no artigo 5º, inciso XXIII, estabeleceu que “a propriedade atenderá a sua função social”. Ora, se a Carta Magna relativiza o direito de propriedade e o coloca sob o jugo da função social por que não haveriam os contratos, que representam grandes bens econômicos, também estarem submetidos à função social?
É necessário que se perceba que o contrato, muito embora não seja um prédio ou um imóvel rural, é, em si, uma propriedade. Embora imaterial, por vezes tem valores muito maiores do que bens físicos. Aliás, “o mundo moderno é o mundo do contrato e a vida moderna o é também, e em tal alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo a consequência seria a estagnação da vida social. O homo aeconomicus estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários“, conforme doutrina do saudoso Caio Mario da Silva Pereira (Instituições do Direito Civil, 8a ed., vol. III, n. 185, págs. 13).
Por esta razão, em função desta realidade, importante é que aqueles que tratam das relações jurídicas tenham em vista o parâmetro ordenado pelo legislador no artigo 421 do Código Civil, tal o seja, o equilíbrio social que qualquer contrato deve preservar e, jamais, contrariar.
Conforme advertia o mestre Orlando Gomes (Contratos, Ed. Forense, 1959, págs. 49), sendo o “contrato um acordo destinado a regular interesses, necessário que seu objeto seja lícito e possível. Mas não basta. Imprescendível, ainda, a adequação do objeto ao fim que os contratantes têm em mira”. Explica, ainda, que “desde que a idoneidade do objeto é um pressuposto da validade do contrato, a consequência de sua inexistência é a invalidade do negócio jurídico. Todo contrato que tenha por objeto impossível ou inidôneo é nulo de pleno direito”.
Por óbvio que ninguém, por iniciado que seja nas letras jurídicas, irá discordar das palavras doutrinárias de Orlando Gomes e Caio Mario da Silva Pereira.
No entanto, deixando o terreno acadêmico da doutrina e, então, adentrando às relações negociais de nossa contemporaneidade, a pergunta que não cala é até que ponto os contratos bancários são lícitos ou, de outra forma, nas palavras de Orlando Gomes, até que medida “a adequação do objeto ao fim que os contratantes têm em mira” é exercida?
Pensemos agora na realidade financeira-bancária do Brasil. Quando se aplica em um Certificado de Depósito Bancário (CDB), o aplicador/investidor recebe algo em torno de 11% ao ano de juros que remuneram seu capital. Por outro lado, se este mesmo investidor assumir a posição de devedor, se contrair um empréstimo bancário, pagará, no mínimo, algo aproximado de 40% ao ano. Se contrair uma dívida no cartão de crédito ou cheque especial, então, o percentual de juros subirá a inimagináveis 110% ao ano ou mais.
Neste cenário, aonde o intermediário do dinheiro de uma sociedade, recebe depósitos a 11% ao ano e empresta a 110% ao ano, como não identificar um quadro de desequilíbrio contratual, de violação da “adequação do objeto ao fim que os contratantes têm em mira”?
Com efeito, antes de falarmos em comutatividade, cumpre indagarmos acerca do fim social dos contratos bancários, tal seja, compreendermos que os contratos bancários representam o equilíbrio ou desequilíbrio de uma nação.
Em uma palavra: equilíbrio. Comutatividade representa o equilíbrio que deve reinar entre prestações e contraprestações, de modo que, nas palavras de Orlando Gomes (in obra citada) “a relação entre vantagem e sacrifício é subjetivamente equivalente”.
Como dizer que há relação comutativa (equilibrada) entre vantagem e sacrifício nas relações bancárias no Brasil quando se recebe 11% de juros ao ano e se paga 110% de juros ao ano?
Se há um Código do Consumidor que regula em pormenores os deveres dos comerciantes frente aos consumidores, muito mais necessário é um “Código dos Bancos” para regular as relações entre bancos e clientes. O alcance e reflexo da relação bancária tem um impacto muito maior em nossa sociedade que qualquer relação estritamente do consumidor.
Somos submetidos, direta ou indiretamente, ao sistema bancário. Mesmo quando não tomamos empréstimos ou não usamos serviços bancários, estamos atrelados aos reflexos do sistema bancário em nossas vidas. O produto que compramos, mesmo quando pagamos à vista, tem o componente do custo financeiro ao qual, mesmo sem o sabermos, estamos sujeitos.
Não há como cumprir o artigo 421 do Código Civil sem um sistema financeiro-bancário equilibrado. Da mesma forma, não há como admitirmos, dentro da nossa realidade presente, que as relações financeira e bancárias são equilibradas.
Enfim, é ao juro que devemos nos atentar. Não um número “x” ou “y” como quis a Constituição no finado artigo 192, mas sim o diferencial entre o que se paga e o que se recebe. Este abismo que vivenciamos, que se alarga dia a dia, não atende à letra da lei e gera uma sociedade profundamente desequilibrada que distorce o fim precípuo da atividade bancária que, enfim, deveria ser instrumento de desenvolvimento do pais.
Autor: Izner Hanna Garcia, professor de processo civil, pós-graduado pela FGV
Fonte: www.conjur.com.br