Assusta-nos a quantidade de pessoas em atividade nesse “comércio” e a facilidade com que conseguem seus objetivos valendo-se, ou do desconhecimento alheio, ou da crença de alguns empresários em soluções pouco ortodoxas.
O resultado, invariavelmente, é o indeferimento do pedido por parte da Receita Federal e a posterior autuação da empresa, com a imposição de multa em percentual mínimo de 50% sobre o valor consignado na “tentativa” de compensação. Tal penalidade está prevista na Lei nº 9.430, de 1996, com a alteração introduzida pela Lei nº 12.249, de 2010. O percentual de 50%, em alguns casos, é agravado para até 225%, dependendo da situação específica de cada contribuinte, como o não atendimento a intimações para prestar esclarecimentos ou acusações – mesmo não provadas – de inclusão fraudulenta de créditos falsos ou outras situações semelhantes.
Tisnada por falta de amparo constitucional, tal multa – por certo confiscatória – já está sendo afastada liminarmente pelo Poder Judiciário. O direito de peticionar está consignado no artigo 5º, XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal de 1988, sendo desnecessário afirmar que todo cidadão tem o direito de fazê-lo livremente aos órgãos públicos. Impor-lhes multas absurdas e confiscatórias caso seu pedido seja indeferido, além de afrontar ditames previstos na constituição, coloca em risco a sobrevivência de empresas, até então bem estruturadas, financeira e patrimonialmente.
Contudo, o objetivo deste artigo não é a análise da constitucionalidade ou não da multa. Cumpre-nos alertar os empresários sobre os riscos de aceitar ofertas como a acima descrita. Tal proceder será fonte de transtorno e prejuízo. Além de perder o dinheiro passado a estes “vendedores” e não ter o propósito alcançado – permanecendo na condição de devedores da SRF -, será necessária a contratação de profissionais para a elaboração de suas defesas, nas esferas administrativa e judicial. Ademais, na fase administrativa, dificilmente tais multas serão afastadas, sendo necessário recorrer ao Poder Judiciário. E isso implica em mais custos.
É preciso que se tenha em mente que o artigo cem da Constituição Federal, com a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 62, em seu parágrafo 9º, impõe a compensação, no momento da expedição de precatórios, dos débitos líquidos e certos constituídos contra o credor original. Ou seja, ainda que lídimo o crédito adquirido, a expressão “credor original” está a vincular, em nossa opinião, o primitivo credor da Fazenda Pública, com seus eventuais débitos tributários. Assim, mesmo com a possibilidade de cessão dos créditos, prevista no parágrafo 13º do mesmo artigo cem, não nos parece que o cessionário adquire, “ipso facto“, a condição de “credor original“, a lhe garantir o direito à compensação. Será, nestes casos, um mero investidor, sub-rogando-se nos direitos do credor original, passando a ser credor por cessão, ou cessionário.
Os artigos 30 e seguintes da Lei nº 12.431, de 2011, regulamentam o disposto no artigo cem da CF/88, acima referido, entrando em detalhes que, obviamente, a norma Constitucional não poderia entrar. Especifica esta lei, no parágrafo 6º do artigo 30, que somente poderão ser objeto da compensação de que trata este artigo os créditos e os débitos oriundos da mesma pessoa jurídica devedora do precatório. Pode causar estranheza esse parágrafo, mas justifica-se na medida em que os diferentes tributos federais previstos e arrecadados tem distintas destinações. Alguns são repartidos com as unidades federadas, outros, por sua vez, constituem-se em rendas exclusivas da União; outros mais, as contribuições previdenciárias, v.g. pertencem à Previdência Social.
A Lei nº 11.051, de 2004, introduziu alterações no artigo 74 da Lei nº 9.430, de 1996. O parágrafo 12º do artigo 74 estatui que não será aceita a compensação de débitos do contribuinte com créditos que sejam de terceiros. Por sua vez, o artigo 41, parágrafo 3º da IN SRF 1300/12, de 21 de novembro de 2012, instrumento regulamentador no âmbito da Receita, reproduz o disposto no artigo 74 da lei citada.
Por fim, por intermédio da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 9, de 19 de outubro de 2011, Procuradoria e Receita regulamentam em seus respectivos âmbitos o artigo 43 da Lei nº 12.431, de 27/06/2011, estabelecendo em seu artigo 1º os critérios para as mencionadas compensações de créditos com débitos federais, informando, entre outras coisas, que “… considera-se titular do precatório o credor original“, e somente débitos deste credor original poderão ser objeto de compensação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão proferida no REsp 845.376/SC, entende que é vedada a compensação de débitos tributários próprios com créditos de terceiros, mencionando como base legal justamente as alterações introduzidas na Lei nº 9.430, de 1996 pela Lei nº 11.051, de 2004. No mesmo sentido o posicionamento do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª região, ao decidir a apelação cível nº 492299-CE, DJE de março de 2010, invocando justamente a decisão proferida no Recurso Especial acima indicado, nos seguintes termos: “A lei 11.051/2004, modificando o artigo 74 da lei 9.430/96, passou a proibir, em seu § 12, qualquer hipótese de compensação de débitos próprios com créditos de terceiros, como se depreende de seu regulamento, IN SRF 600, de 28/12/2005 (art. 26).”
Não se pretende, portanto, entrar no mérito se a legislação mencionada atende os princípios da moralidade e outros mencionados na Carta Magna, especialmente no artigo 37, ou se constitui em mais uma medida draconiana do Estado que, quando devedor, paga quando quer, mas, quando credor, exige satisfação nos respectivos vencimentos. Caso contrário, coisas terríveis acontecem – vide artigos 1º e 2º da Lei 8.137, de 1990 – sem mencionar os aspectos cíveis. O que se deseja fazer aqui é um alerta aos empresários acerca das cautelas necessárias quando do recebimento de “acenos” de facilidades não previstas na legislação em vigor.