“É comum ouvirmos de alguém que vai abrir um processo quando essa pessoa se sente prejudicada. Isso contribui para a demanda reprimida na Justiça e muitos tribunais, principalmente os de estados mais pobres, dependem das custas para se manter. Mas nós temos outros meios de solucionar uma diferença ou reivindicar um direito que não seja o Judiciário”, avaliou o conselheiro, que determinou recentemente ao Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ o desenvolvimento de um estudo técnico sobre custas e despesas processuais no país.
Denominado “Perfil da fixação de custas judiciais no Brasil e análise comparativa da experiência internacional”, o levantamento mostrou, entre outros pontos, que as cortes europeias possuem um sistema de cobrança de custas com baixas taxas, ou mesmo isenção, que estimula a conciliação e a rápida finalização das ações no Judiciário.
Kravchychyn explicou que as diferenças entre os valores das custas processuais no Brasil e no exterior estão diretamente relacionadas com as diferenças culturais entre os países. Na sociedade brasileira, existe um ativismo judicial em que, para ter garantido o seu direito, o cidadão precisa recorrer à Justiça. Um bom exemplo disso é a implantação de Juizados Especiais nos principais aeroportos do Brasil. “A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por regular os aeroportos, possui instrumentos legais para tratar de problemas como atrasos, overbook, cancelamento de voos. Mas, mesmo assim, os juizados estão nos aeroportos para quem quiser ajuizar uma ação”.
O conselheiro também explicou que algumas distorções no sistema de custas privilegiam o devedor ou aquele que não quer cumprir sua obrigação. Isso porque aqui são cobradas taxas mais altas na primeira instância, ao contrário de países europeus, em que as custas são mais altas em segundo grau. “Isso muitas vezes barra a continuação da ação nas cortes estrangeiras”.
Outro problema que interfere no valor das custas é a insegurança jurídica. Kravchychyn deu o exemplo do Canadá, onde a legislação é mais perene, não sofre solavancos e é obedecida pela população. No Brasil, cada vez que uma nova lei entra em vigor, se buscam formas de burlá-la. “É por isso que chegam tantas discussões nos tribunais superiores. Veja o caso da Ficha Limpa e a discussão que houve no Supremo Tribunal Federal. Falta obediência às leis”. Na Inglaterra, segundo o conselheiro, existe um sistema pré-judicial em que as diferenças são apresentadas primeiro nas câmaras de conciliação. “Entre os ingleses, existe a cultura de obediência à legislação”.
Por isso, destaca Kravchychyn, não basta apenas aumentar o valor das custas em segundo grau. “Sistemas alternativos de solução de litígio são uma saída, como as audiências de conciliação ou as Câmaras de Arbitragem. Mas, para isso acontecer, é preciso fazer um trabalho mais amplo, para que a sociedade entenda que há outros meios de se garantir os direitos”.
Modelo europeu
O estudo feito pelo CNJ apresenta um panorama europeu sobre a cobrança das custas, no entanto, não foi possível traçar uma comparação com o cenário nacional brasileiro, pois a cobrança de custas e despesas processuais no Brasil não é uniformizada: a União fixa padrões gerais, mas cada estado se adapta a essas regras de acordo com a sua realidade.
A pesquisa – feita com base no Study on the Transparency of Costs of Civil Judicial Proceedings in the European Union (Estudo sobre a Transparência das Custas dos Procedimentos Judiciais Civis), publicado em 2007, a pedido da Comissão Europeia – mostrou que em alguns países da Europa há isenção total das taxas judiciais e, na maioria deles, as custas não são elevadas. Na Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Hungria, República Theca e Romênia, os valores para uma ação estão abaixo de 150 euros. Já em relação às custas para apelações, Alemanha, Áustria, Estônia e Espanha cobram valores bem superiores aos das ações de primeira instância.
Na França, com exceção das causas comerciais, e em Luxemburgo não há cobrança de custas. No outros países avaliados, as taxas são fixadas em função do valor da causa (43% dos países europeus) e do tipo de processo (40% dos países). Os países que mais arrecadam com as custas são Áustria, Alemanha, Itália, Holanda, Polônia, Romênia, Turquia e Reino Unido. Na Áustria, as cortes são praticamente auto-suficientes, enquanto que na República Tcheca as custas respondem por apenas 1% do orçamento do judiciário. O estudo aponta que a participação média das custas judiciais nos orçamentos dos 37 países europeus é de 20%.
Brasil
Enquanto na Europa vigora um amplo sistema de isenções para pessoas de baixa renda, no Brasil, os valores mais altos são cobrados dos estados mais pobres. Segundo tabela comparativa de valores estimados, produzida pelo CNJ, em uma causa de R$ 2 mil, as custas em São Paulo são de R$ 82,10. No Ceará, o desembolso vai a R$ 610,99. Uma causa de R$ 100 mil no Amapá sai a R$ 1.569,67 só em taxas e, na Paraíba, fica por R$ 5.190,50. Já uma ação de R$ 50 mil em Alagoas custa R$ 876,22; no Piauí, R$ 2.374,31.
Para Kravchychyn, a diferença de valores de um tribunal para outro se deve à falta de uniformização. “Não existem normas ou padrões nacionais que estabeleçam princípios lógicos para a fixação desses valores nos estados. Isso também dificulta o acesso à Justiça”.
Em alguns casos, a cobrança é regressiva. “Estados cobram valores elevados para causas de baixo valor e valores proporcionalmente menores para causas de valores mais elevados”, explicou Kravchychyn. Dessa forma, há uma política regressiva na fixação de custas, que oneram os mais pobres e afetam, em menor grau, os mais ricos. A cobrança regressiva foi constatada nos estados que adotam um sistema de faixas de valores, que representam 62,9% das 27 estados.
No Reino Unido, as custas judiciais são determinadas de acordo com os custos operacionais do processo. Já na Alemanha, as custas são cobradas segundo a etapa do processo judicial. Na Finlândia, o valor das custas depende do estágio do processo: 72 euros, se a lide termina antes da audiência preliminar; 102 euros se o juiz participa da audiência de conciliação; e 164 euros se o processo se estende até a sentença final do juiz. “Esses sistemas permitem que os litigantes finalizem rapidamente a lide, com a redução de custas processuais”, destacou o conselheiro.
Soluções
Alguns países da Europa estão alterando a regulação sobre custas com o objetivo de simplificá-las ou reduzi-las. É o caso da Itália, que em 2002 instituiu valor único para as custas judiciais. Uma das ações para solucionar a discrepância entre a cobrança de custas entre os estados no Brasil é a criação de uma câmara de compensação. A ideia é que os estados mais ricos criassem um fundo para os estados mais pobres. “A intenção dessa proposta é boa, mas deve sofrer muita resistência, pois dificilmente os estados vão querer dividir os recursos de seus orçamentos”.
Outro avanço, segundo o conselheiro, seria a implantação de um modelo de guia pela internet, com apenas um padrão de valor, baseado em reais. Outra medida é diminuir os valores em primeiro grau, principalmente nas causas de pequenos valores. Assim, os custos seriam transferidos para os grandes litigantes.
Kravchychyn está aguardando a montagem de uma comissão para que o CNJ continue a estudar a cobrança de custas nos estados. A previsão é que o grupo seja constituído até dezembro. Esse trabalho não tem prazo para ser definido. “Nós dependemos de uma série de fatores. O sistema é muito complexo, pois cada estado faz de um jeito. Também devemos enfrentar resistência dos tribunais, que podem achar que vão perder receita, e dos advogados, que podem entender que o acesso à Justiça será restringido. Mas se não mudarmos esse cenário, o Brasil terá custas processuais brutais e muito mais pessoas terão dificuldade de recorrer à Justiça quando realmente precisarem”.
Autor (a): Ludmila Santos, repórter
Fonte: www.conjur.com.br