Gilberto Melo

Detran gaúcho é condenado a pagar lucros cessantes a motorista de táxi

O Detran não pode ser penalizado por negar pedido de renovação da Carteira de Nacional de Habilitação. Entretanto, se falha administrativamente, retarda um processo e prejudica o motorista profissional, deve indenizá-lo por lucros cessantes. Com este entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que negou danos morais e concedeu danos materiais a um taxista de Porto Alegre, que penou para renovar sua CNH. O acórdão é do dia 14 de outubro.

Motorista de táxi há 25 anos e com 31 de habilitação, o autor foi vítima de acidente de trânsito em 1989, quando pilotava uma motocicleta. Em decorrência das lesões, ele teve de amputar o pé direito passando a usar uma prótese. A sequela física, entretanto, não lhe impediu de trabalhar normalmente como taxista — tanto que pode renovar a sua carteira de habilitação em 1997.

Entretanto, no dia 9 de janeiro de 2003, ao encaminhar a documentação para renovar a sua CNH — cuja validade expirava no dia 14 de janeiro —, foi informado que sofreria avaliação de uma junta médica especial do Detran. Os três médicos que o avaliaram — nenhum era ortopedista — entenderam que o autor somente poderia dirigir carro adaptado, conforme a Resolução 80/98 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). E mais: foi proibido de exercer atividade remuneratória — vedação aplicável a quem usa veículo adaptado.

O autor, então, apelou administrativamente do parecer dos médicos junto ao Conselho Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Cetran), a fim de fazer um novo exame — o que lhe foi deferido. Nesta fase, a história se repetiu. Como os médicos que o examinaram não tinham especialidade em Ortopedia, o diagnóstico acabou sendo o mesmo, bem como a proibição.

Novamente derrotado, o autor não se conformou. Interpôs recurso ao presidente do Cetran gaúcho, que acabou reconhecendo a ilegalidade da restrição estabelecida pela Resolução 80/98 do Contran — que na prática impede os condutores de veículos adaptados de exercerem atividades remuneratórias. Além disso, o Cetran nomeou outra junta médica para avaliá-lo, desta vez com um médico ortopedista. O novo parecer, finalmente, atestou que estava apto para conduzir veículos em segurança. Assim, em 22 de abril, o Detran concedeu-lhe a permissão para voltar a dirigir.

Depois de toda esta peregrinação, o taxista foi à Justiça contra a autarquia para pedir reparação, já que ficou 99 dias sem exercer sua profissão. Logo, não auferiu nenhum rendimento nesse período. Ele calculou seu prejuízo, devidamente atualizado, em R$ 16.430,00. Além dos lucros cessantes, pediu também indenização por danos morais, uma vez que o ente público dificultou a renovação da CNH.

Em sua defesa, o Detran sustentou que ausência de ilegalidade, na medida em que somente pode conceder licença para dirigir quando o requerente satisfaz todos os requisitos legais para a sua obtenção. Disse, também, que o autor não comprovou o sofrimento alegado, que viesse a ensejar dano moral. Por fim, contestou o fato de que o autor tenha ficado 99 dias sem dirigir, mas tão somente oito dias.

Na primeira instância, o juiz Niwton Carpes da Silva entendeu que ficou demonstrada a restrição ao exercício profissional, afrontando o artigo 5º, Inciso XIII, da Constituição Federal. O juiz julgou a demanda parcialmente procedente. Negou a concessão de dano moral e admitiu os danos materiais sofridos.

No primeiro caso, entendeu que a prova carreada aos autos ‘‘apenas ficou gravitando na órbita do dissabor natural e contemporâneo com a época em que vivemos, sem maiores repercussões, quer no sentimento pessoal, sem humilhação exagerada, um sofrimento extraordinário ou mesmo no campo do padecimento moral ou pessoal’’.

Quanto ao valor devido a título de lucros cessantes, disse que o montante do débito deveria ser apurado com base na média mensal auferida a partir dos ganhos declarados à Receita Federal, relativos a 2002, ‘‘já que, em relação ao exercício de 2003, a renda restou prejudicada em virtude do período em que o autor ficou impossibilitado de exercer a função de motorista de táxi por não contar com a CNH. Essa média mensal deverá ser multiplicada pelos meses em que este ficou sem trabalhar’’, decretou o juiz.

Após a decisão de primeiro grau, a autarquia e o taxista apelaram ao Tribunal de Justiça. O Detran argumentou, em síntese, que agiu no exercício regular de seu direito e que o recurso acabou sendo provido no âmbito administrativo. Por fim, sustentou que a possibilidade do Poder Público rever o resultado de uma avaliação médica não pode gerar direito à indenização. Já o autor pediu a reforma da sentença sobre a ocorrência de abalo moral, já que o fato não se resumiu a um ‘‘mero dissabor’’.

O relator do caso, desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro, também não viu dano moral e confirmou a sentença no tocante a danos materiais. Disse que tudo corria bem até a interposição do segundo recurso administrativo. Todavia, quando o autor foi submetido a novo exame, em 20 de fevereiro de 2003, ocorreu falha da Administração Pública, pois não foi observado o item 19.3 da Resolução nº 80/98, que altera os anexos I e II da Resolução nº 51/98 do Contran.

O item diz textualmente: ‘‘O Exame de Aptidão Física e Mental, em grau de recurso, será realizado por junta médica constituída por 3 (três) médicos, sendo sempre um, pelo menos, com a especialidade vinculada com a causa determinante do recurso.”

Esta falha administrativa, ocorrida a partir do dia 20 de fevereiro, é que deve servir de marco inicial para a contagem dos lucros cessantes — e não a data apontada na sentença. ‘‘Logo, dou parcial provimento ao recurso do Detran no tópico para modificação do termo inicial dos lucros cessante’’, finalizou.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

Autor: Jomar Martins, correspondente da Revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul
Fonte: www.conjur.com.br