Tal sistema foi alterado pela Lei estadual 10.175/98 (depois modificada pela Lei 10.619/2000). A partir de então, os valores dos tributos estaduais passaram a ser apurados em moeda (real), sujeitando-se apenas a juros de mora equivalentes à taxa Selic (fixada pelo Banco Central do Brasil), e a 1% no mês de pagamento, índice igual ao aplicado aos tributos federais, conforme o artigo 61, parágrafo 3º, da Lei 9.430/96.
Seguiu-se a Lei estadual 13.918/2009, que elevou os juros de mora para 0,13% ao dia, autorizando o Secretário da Fazenda a reduzi-los até o patamar mínimo da Selic. É conferir a redação atribuída por este diploma ao artigo 96 da Lei estadual 6.374/89:
“Art. 96, § 1º. A taxa de juros de mora será de 0,13% (treze décimos por cento) ao dia.
§ 2º. O valor dos juros deve ser fixado e exigido na data do pagamento do débito fiscal, incluindo-se esse dia.
§ 3º. Na hipótese de auto de infração, pode o regulamento dispor que a fixação do valor dos juros se faça em mais de um momento.
§ 4º. Os juros de mora previstos no § 1º deste artigo, poderão ser reduzidos por ato do Secretário da Fazenda, observando-se como parâmetro as taxas médias pré-fixadas das operações de crédito com recursos livres divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
§ 5º. Em nenhuma hipótese a taxa de juros prevista neste artigo poderá ser inferior à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia — Selic para títulos federais, acumulada mensalmente.”
O comando é reiterado no artigo 565 do RICMS/SP, na redação que lhe deu o Decreto 55.437/2010.
No exercício dessa competência, o Secretário da Fazenda editou as Resoluções SF 02/2010 e 11/2010, vigentes a partir de 09.01.2010, que fixaram a taxa de juros de mora para o pagamento de tributos estaduais em 0,10% ao dia (cerca de 3% ao mês e 36,5% ao ano), para os tributos inscritos e não-inscritos em dívida ativa.
Seguiu-se a Resolução SF 98/2010, destinada a viger a partir de 01.01.2011, assim redigida:
“Art. 1º. A taxa de juros de mora prevista no § 4º do artigo 96 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, será calculada com base na taxa média pré-fixada das operações de crédito com recursos livres referenciais para taxa de juros – desconto de duplicatas, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
Art. 2º, § 3º. Em nenhuma hipótese a taxa de juros de mora poderá ser superior a 0,13% (treze décimos por cento) ao dia ou inferior à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, nos termos dos §§ 1º e 5º do artigo 96 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989.
(…)
Art. 6º. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 01 de janeiro de 2011.
No momento em que este artigo é redigido, o último valor anual disponível para a taxa mencionada no artigo 1º concerne ao período de outubro de 2009 a outubro de 2010, elevando-se a 42,97%[1], índice absurdamente alto, mas ainda abaixo do teto de 0,13% ao dia (3,9% ao mês, ou 47,45% ao ano) a que alude o parágrafo 3º do artigo 2º acima.
A invalidade de todos estes índices superiores à Selic é nítida, como se concluirá a seguir.
Inconstitucionalidade formal: necessidade de atendimento ao limite fixado em norma federal (taxa Selic).
No RE 183.907-4/SP, o STF declarou inconstitucional o índice de correção monetária de tributos estaduais fixado por Estados ou Municípios em patamar superior àquele praticado pela União (Pleno, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ 16.04.2004). Veja-se a ementa do julgado:
“São Paulo. Ufesp. Índices fixados por lei local para correção monetária. Alegada ofensa ao art. 22, II e VI, da Constituição Federal.
Entendimento assentado pelo STF no sentido da incompetência das unidades federadas para a fixação de índices de correção monetária em percentuais superiores aos fixados pela União para o mesmo fim.
Ilegitimidade da execução fiscal embargada no que houver excedido, no tempo, os índices federais.
Recurso parcialmente provido.”
Naquela oportunidade, não se chegou a uma conclusão sobre a natureza jurídica do instituto (se pertencente ao Direito Monetário ou ao Direito Financeiro) e, pois, ao dispositivo constitucional diretamente violado (se o art. 22, VI, ou o art. 24, I).
Filiaram-se expressamente à primeira concepção os ministro Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence. À segunda, os ministros Nelson Jobim, Sydiney Sanches e Néri da Silveira. É ver os votos destes últimos:
● voto do ministro Nelson Jobim:
“Existindo norma da União adotando índice de correção de débitos fiscais federais, funciona ela, em relação aos Estados, como norma geral.
Ou seja, o índice adotado pela União se constitui no parâmetro máximo de correção para os Estados.
Os Estados poderão escolher índices diversos do adotado pela União.
Tais índices não poderão ultrapassar o da União, posto que os Estados, no tema, têm somente competência legislativa suplementar.” (grifamos)
● voto do ministro Sydney Sanches:
“Sr. Presidente, também acompanho o eminente Ministro-Relator, mas adoto os fundamentos do voto do Sr. Ministro Nelson Jobim, que foram acatados pelo Sr. Ministro Maurício Corrêa.
Entendo que se trata de direito financeiro, e o Estado pode legislar a respeito, só não pode exceder os parâmetros federais.”
● voto do ministro Néri da Silveira:
“Sr. Presidente. A linha do meu voto é a mesma.
A matéria é de direito financeiro e não de direito monetário; os Estados podem estabelecer índices de atualização de seus débitos, mas, por se tratar de matéria em que estamos num campo de competência concorrente União e Estados, estes não poderão estabelecer índices superiores aos estabelecidos pela União para a correção de seus débitos fiscais.” (grifamos)
Esta foi a corrente que veio a prevalecer na Corte, como se nota da ementa que se segue:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 113 da Lei nº 6.374, de 1º de março de 1989, do Estado de São Paulo — UFESP. Atualização monetária pelo Índice de Preço ao Consumidor — IPC. Unidade Fiscal do Estado de São Paulo como fato de atualização dos créditos tributários. Artigo 24, inciso I, da Constituição do Brasil. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação conforme à Constituição.
1. Esta Corte, em oportunidades anteriores, firmou o entendimento de que, embora os Estados-membros sejam incompetentes para fixar índices de correção monetária superiores aos fixados pela União para o mesmo fim, podem defini-los em patamares inferiores — incentivo fiscal. Precedentes.
2. A competência dos Estados-membros para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais é tema que também foi examinado por este Tribunal. A União e Estados-membros detêm competência legislativa concorrente para dispor sobre matéria financeira, nos termos do disposto no artigo 24, inciso I, da CB/88.
3. A legislação paulista é compatível com a Constituição de 1988, desde que o fator de correção adotado pelo Estado-membro seja igual ou inferior ao utilizado pela União.
4. Pedido julgado parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao artigo 113 da Lei nº 6.374/89 do Estado de São Paulo, de modo que o valor da UFESP não exceda o valor do índice de correção dos tributos federais.” (Pleno, ADI nº 442/SP, Rel. Min. EROS GRAU, DJe 28.05.2010)
Ora: os juros moratórios em matéria tributária são, sem dúvida, instituto de Direito Financeiro/Direito Tributário (a distinção é aqui irrelevante, visto que ambos os ramos estão previstos em conjunto no art. 24, I, da Carta).
Assim sendo, ficam eles sujeitos ao limite fixado em lei federal, o que decorre da literalidade dos parágrafos 1º e 4º do mencionado artigo 24[2].
E as taxas fixadas pela Lei 13.918/2009 e pelas Resoluções SF 2/2010, 11/2010 e 98/2010 extrapolam claramente o valor da Selic. Basta lembrar que o novel artigo 95, parágrafo 5º, da Lei 6.374/89 é expresso ao dispor que “em nenhuma hipótese a taxa de juros prevista neste artigo poderá ser inferior à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia — Selic para títulos federais, acumulada mensalmente”.
Em conclusão, o caso é de afastamento — por ofensa ao artigo 24, I, da Constituição — das taxas de juros estabelecidas nestes diplomas, com a restauração da legislação anterior, que — justamente — adotava a Selic como índice dos juros moratórios aplicáveis aos tributos estaduais.
E isso não só pela razão formal que se vem de aduzir (incompetência dos Estados para ir além da norma geral estabelecida pela União), mas também pela razão material que se passa a declinar.
3. Inconstitucionalidade material: violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Natureza indenizatória dos juros de mora.
É cediço que os juros podem ser compensatórios ou moratórios.
Os primeiros constituem a remuneração devida por uma pessoa pelo uso temporário e consentido do capital de outra. São frutos do capital, riqueza nova decorrente deste.
Os juros de mora, ao seu turno, correspondem à indenização ao dano causado por aquele que não paga dívida no vencimento ou não restitui no instante apropriado dinheiro alheio de que tenha a posse.
É o que leciona a doutrina especializada:
“Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter prestado[3] ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar[4].
(…)
Os juros moratórios são usurae punitorieae. (…) Juros moratórios não se infligem por lucro dos demandantes, mas por mora dos solventes.” (PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, tomo 24. Campinas: Bookseller, p. 46 a 50, grifo nosso)
“Distinguem-se os juros em compensatórios e moratórios.
Quando compensatórios, os juros são os frutos do capital empregado e nesse sentido é que melhor assenta o conceito acima formulado. Quando moratórios, constituem indenização pelo prejuízo resultante do retardamento culposo.” (SILVIO RODRIGUES. Direito Civil, vol. 2. São Paulo: Saraiva, p.258, grifo nosso)
“Em se verificando a impontualidade, pode o credor exigir a prestação devida e a indenização do dano sofrido em conseqüência do atraso na execução.
(…)
Nas dívidas pecuniárias, as perdas e danos consistem nos juros moratórios. É intuitiva a razão dessa especificidade. A privação do capital em conseqüência do retardamento na sua entrega ocasiona prejuízo que se apura facilmente pela estimativa de quanto renderia, em média, se já estivesse em poder do credor.” (ORLANDO GOMES. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, p. 199 e 200, grifo nosso)
“Os juros remuneratórios são devidos desde o trespasse; os moratórios — que correspondem à indenização pela inadimplência nas obrigações de dar (ou pagar), por ato imputável ao devedor — fluem a partir do momento em que se caracteriza a mora. Importante, pois, definir em que momento ela ocorre.” (RUY ROSADO DE AGUIR JR. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, In Revista dos Tribunais, ano 92, v. 811, p. 99-14)
A natureza indenizatória dos juros de mora era expressamente atestada pelo Código Civil de 1916 (art. 1.061) e continua a sê-lo pelo atual (art. 404). É conferir:
“Art. 1.061. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros da mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.”
“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”
Nenhuma diferença substancial há entre os dispositivos, senão a autorização do Código atual — inaplicável ao campo tributário — para que o Juiz, verificando que os juros de mora não bastam para recompor o patrimônio lesado, e caso inexista cláusula penal, condene o devedor em indenização suplementar (expressão que evidencia terem os juros de mora, eles mesmos, natureza indenizatória).
Esta, aliás, a posição do STJ (2ª Turma, REsp. nº 1.037.452-SC, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe de 10.06.2008):
“A questão é simples e está ligada à natureza jurídica dos juros moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para especulações, na medida em que está expressa a natureza indenizatória dos juros de mora.” (trecho do voto da Relatora)
Cabe, a esta altura, a pergunta: qual é o dano sofrido pelo Fisco em razão do não-recebimento tempestivo de seus créditos, dano a ser sanado pelos juros de mora?
A resposta é simples: ante o princípio da continuidade do serviço público, os recursos não recebidos no momento oportuno devem ser buscados alhures, principalmente no mercado financeiro.
Isto é: a inadimplência tributária obriga o Fisco a tomar empréstimos e a pagar juros (agora remuneratórios) que de outro modo não pagaria. Este — o valor dos juros vertidos às instituições financeiras — o prejuízo oriundo da impontualidade do contribuinte.
Este, portanto, o valor da indenização que é lícito exigir-se deste último.
Ora, a taxa de juros remuneratórios praticada pelos bancos nos empréstimos concedidos aos Estados (custo de captação pelo Poder Público) gira em torno da Selic, índice que bem por isso deve orientar o cálculo dos juros de mora em matéria tributária.
Não se trata decerto de pedir ao Judiciário que fixe taxa de juros de mora compatível com a realidade (atuação como legislador positivo), mas apenas que nulifique as taxas claramente desvinculadas dela (atuação como legislador negativo), o que restaurará automaticamente o regime da Lei estadual 10.175/98, a qual não por acaso optava pela Selic.
Com efeito, nada justifica taxas ao redor dos 40%, como as que tem cobrado e pretende continuar a cobrar o Estado de São Paulo, tanto mais quando se lembra que, ao lado dos juros, exigem-se ainda multas de mora em percentuais sempre expressivos, e que cabe exclusivamente a estas, e nunca aos juros, a função de punir o contribuinte inadimplente ou impontual.
Esta a lição de Sacha Calmon, com apoio na jurisprudência do STF:
“Discute-se muito na doutrina a natureza jurídica da multa aplicada por falta, insuficiência ou intempestividade no pagamento do tributo. O ponto de interesse da quaestio juris está na discussão sobre se é punitiva ou ressarcitória a ‘multa moratória’ (a que sanciona o descumprimento da obrigação tributária principal). Vamos nos impor — pelo caráter limitado dessa dissertação — o dever de não adentrar a doutrina pátria e peregrina a respeito do assunto. Bastar-nos-á a ressonância da problemática na Suprema Corte brasileira. O debate, também ali, é sobre se a multa moratória tem caráter punitivo ou é indenização (civil).
O ministro Cordeiro Guerra, louvando-se em decisão de tribunal paulista, acentuou que as sanções fiscais são sempre punitivas, desde que garantidos a correção monetária e os juros moratórios. Com a instituição da correção monetária, qualquer multa passou a ter caráter penal, in verbis: ‘a multa era moratória, para compensar o não pagamento tempestivo, para atender exatamente ao atraso no recolhimento. Mas, se o atraso é atendido pela correção monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal’. Relatando o Recurso 79.625, sentencia que ‘não disciplina o CTN as sanções fiscais de modo a estremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige sua legalidade’.
A multa moratória não se distingue da punitiva e não tem caráter indenizatório, pois se impõe para apenar o contribuinte, observa o Ministro Moreira Alves, seguindo Cordeiro Guerra, in verbis:
‘Toda vez que, pelo simples inadimplemento, e não mais com o caráter de indenização, se cobrar alguma coisa do devedor, este algo que se cobra a mais dele, e que não se capitula estritamente como indenização, isso será uma pena… e as multas ditas moratórias… não se impõem para indenizar a mora do devedor, mas para apená-lo.’” (Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense,2009, p. 687)
Em suma: a correção monetária (quando há) mantém o valor da dívida, os juros de mora indenizam e a multa moratória pune.
Vincados estes conceitos, saltam aos olhos a irrazoabilidade e a desproporção das taxas de juros praticadas pelo Estado de São Paulo. Sobre a primeira, veja-se o magistério de Humberto Ávila:
“Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se destacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas.” (Teoria dos princípios; da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 102)
Acerca da proporcionalidade, confira-se o voto condutor do ministro Gilmar Mendes no RE 511.961/SP (STF, Pleno, DJe 13.11.2009):
“A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, e se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.
Essa orientação, que permite converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos, como também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).
O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.
Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há também de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito).”
Ao passo em que contraria a razoabilidade e a proporcionalidade (subprincípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito), a legislação em exame ultrapassa também os limites do confisco, vedação que, como já decidiu o STF, não se aplica apenas ao tributo propriamente dito, mas também aos seus consectários (ver, entre outros, tratando da multa moratória, mas com argumentos extensíveis aos juros de mora, a ADI-MC nº 1.075/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 24.11.2006, p. 59).
Em suma, o abuso manifesto é sancionado pelo STF onde quer que ocorra.
É o que se depreende da jurisprudência firme da Corte, ademais específica para o campo tributário:
“(…) A garantia constitucional da não-confiscatoriedade.
(…) A Constituição da República, ao consagrar o postulado da não-confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo Estado, possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em função da insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.).
Conceito de tributação confiscatória: jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e o magistério da doutrina. A questão da insuportabilidade da carga tributária.
(…)
Tributação e ofensa ao princípio da proporcionalidade.
O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.” (STF, Pleno, ADI-MC-QO nº 2.551/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 20.04.2006, p. 05)
Considerando-se a natureza puramente indenizatória dos juros de mora, a existência de multas de mora com o intuito de punir a mesma falta, e o custo de captação médio de dinheiro pelo Estado, a violação aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do não-confisco mostra-se clara.
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade formal e material dos parágrafos 1º a 5º do artigo 96 da Lei paulista 6.374/89, na redação que lhes deu a Lei estadual 13.918/2009 (reiterados no art. 565 do RICMS/SP, com a redação do Decreto 55.437/2010), bem como das resoluções que foram ou forem baixadas com base neles, (1) por inobservância do teto fixado em lei federal (aplicação do art. 24, I e parágrafos 1º e 4º, da Constituição) e (a) por ofensa aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do não-confisco, dado o caráter indenizatório dos juros de mora e a clara disparidade entre a taxa fixada nos citados dispositivos e o custo de captação de dinheiro pelo Poder Público no mercado financeiro.
[1] O índice pode ser consultado no sítio do Banco Central do Brasil, clicando aqui
Na página que se abrirá, clicar em Indicadores de Crédito (à direita), depois clicar sobre o sinal “+” ao lado de Crédito com recursos livres, depois novamente sobre o sinal “+” ao lado de Taxas de juros, depois em Taxas prefixadas, depois marcar o quadro à esquerda de 3940 – desconto de duplicatas e clicar sobre o botão Consultar séries, na parte inferior da tela. Por fim, na tela que se abrirá, na qual o item 3940 já estará selecionado, clicar no botão Visualizar valores, na parte inferior da tela. Os índices mais recentes constarão do segundo quadro, a ser selecionada no canto esquerdo inferior da tela.
[2] “Art. 24, § 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
(…)
§ 4º. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
[3] Refere-se o autor aos juros remuneratórios.
[4] A remissão aqui é aos juros de mora.
Fonte: www.conjur.com.br