Gilberto Melo

Início da contagem dos juros legais na sucumbência do autor

Os cálculos de liquidação da sucumbência impõem questão relevante que é aquela que trata do início da contagem dos juros legais decorrentes da condenação do autor pela derrota em face do réu.

Determina o artigo 20 do Código de Processo Civil que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor os honorários advocatícios. O artigo 23 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/1994) diz que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência são do advogado. [i]

 

Honorários do artigo 20 do CPC são os de derrota da parte. São honorários técnicos processuais, devidas ao advogado que tecnicamente apresentou melhor tese, melhor direito em oposição àquela de seu colega ex-adverso.

O extinto TAPR decidindo sobre a sucumbência acolhia a vitória técnica, assim: “…como o advogado venceu a demanda tecnicamente, é sobre a condenação obtida em sentença…” que deverá incidir o cálculo dos honorários. [excerto do voto do relator – AC 249.699-9 – acórdão nº. 4550 – 10ª CC – Juiz Macedo Pacheco; j. 22/04/2004 – unânime].

Os sucumbênciais são honorários técnicos e isso fica claro na Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça que diz: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”.

Oportuno dizer que não somos favoráveis à compensação de honorários entre as partes.

Sucumbentes reciprocamente, cada parte deve pagar o advogado vencedor oposto na medida e quantia condenadas, independente de compensações, pelo simples fato de que são “credores” distintos. O STJ entende diferente, mas mesmo assim, não desnatura a característica de tecnicidade dos honorários referidos na súmula.

O que o STJ quer dizer é que a compensação se faz na reciprocidade técnica entre os advogados, que entre si ‘disputam’ a honorária (por força do art. 23 do EAOAB). O artigo 21 do CPC se refere justamente à reciprocidade técnica dos honorários processuais. [ii]

A verba de sucumbência é “plus”, imposta à parte que promoveu ou sustentou, no pólo ativo ou passivo, lide da qual não tinha o direito, afinal evidenciado na sentença.

É sanção prevista – como conseqüência processual – às lides temerárias ou improcedentes, eis que do princípio do direito de ação corresponderá à submissão pelos seus resultados em relação ao princípio do direito à ação, aí como processo. [iii]

São do advogado as honorárias, estas são autônomas, podendo ser executadas nos próprios autos onde aquele funcionou.

No cálculo da sucumbência é pacífico que o advogado tem direito à contagem da correção monetária e aos juros legais processuais, seja como vencedor no pólo passivo ou no pólo ativo.

Porém, e aqui se apresenta o núcleo de nossa análise, qual a exata data em que se deve iniciar a contagem dos juros legais processuais, na hipótese de ter sido o patrono do réu o vencedor da verba de sucumbência condenada contra o autor?

A questão promove perplexidade porque invariavelmente a sentença que condena o autor a pagar honorários de sucumbência a favor do advogado do réu assegura a correção monetária e juros legais, mas, não indica ou faz de modo equivocado a data início da contagem desses juros.

Entendemos que o advogado do réu vencedor da ação faz jus à contagem dos juros legais processuais desde a data da juntada da réplica ou impugnação à contestação que o autor oferece, pois é desta data que este se “constitui em mora” porque resistiu à defesa (ou, em outras palavras, insistiu na tese da inicial) e por isso assumiu o risco da sucumbência. O princípio da causa determinante ensina que a sucumbência cabe à parte que promove suportá-la, como uma das conseqüências processuais da controvérsia colocada em julgamento.

O autor deve se sujeitar ao mesmo critério temporal na condenação da sucumbência em relação àquela do réu. Este se sujeita aos juros da honorária a favor do advogado adverso desde a citação válida [iv] ou desde a data do evento ilícito, por infração de obrigação prévia ou dano [v].

Assim, não é justo que o advogado do réu, que vence tecnicamente a ação, se sujeite a tratamento diferente de contar juros daquele que seria dado a favor do advogado do autor. Entendemos que ambos os advogados têm interesse no resultado da causa desde a data em que confrontaram suas teses.

Esse peculiar interesse jurídico nasce por acessão legal da honorária imposta na condenação. A formatação da Súmula 306 do STJ explica a acessão, pois evidencia que os honorários de sucumbência são de natureza técnica. Em havendo advogados na causa, são destes que se compensam e se executam os honorários, pelo saldo.

Percebemos, há muito, que quando julgada improcedente a ação os juros legais processuais previstos no artigo 293 do CPC [vi] são contados da data da sentença [vii]. Esse entendimento não se coaduna com o princípio da equanimidade. É que, prejudica o advogado do réu que venceu a causa.

Explicamos: é que, a se manter assim, o autor sucumbente se beneficia da dispensa de expressivo montante temporal de juros, o que torna interessante a lide pelo menor custo pecuniário final, haja vista a demora costumeira dos processos no Brasil. Porém, o réu, que tem todo o esforço da defesa, se derrotado, verá atribuído encargo proporcional desde a citação válida ou da constituição em mora contratual ou extracontratual.

Não é nem deve ser assim. A razoabilidade está em colocar réu e autor na mesma proximidade temporal do risco em relação à mora processual: ao autor, no caso, desde a citação ou da mora pré-processual, e ao réu desde a réplica, eis que fenômenos processuais temporais mais próximos e justos, relativos a uma obrigação decorrente da recíproca posição resistida na demanda.

Justificamos: ao final da defesa o réu sempre formula seus pedidos e entre estes está aquele para que seja julgada improcedente a ação e haja a condenação nas verbas de sucumbência. [viii]

Os advogados mais diligentes pedem expressamente, apesar de desnecessário porque de lei, a correção monetária e os juros, mas normalmente não especificam desde quando querem a sua contagem.

A recente Súmula 453 do STJ reflete a relevância da adequada fórmula do pedido de sucumbência e da diligência que o advogado deve ter no curso do processo, porque diz: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”.

É evidente que é o advogado o destinatário do impedimento sumular.

O STJ, com essa súmula ratifica, assim como na Súmula 306, que os honorários sucumbenciais são técnicos, e que o advogado tem interesse jurídico na demanda.

É de ressaltar que aqueles pedidos se inserem no interesse processual dos advogados das partes, pois que ao defendê-las, oferecendo resistência à pretensão jurídica adversa, têm a expectativa à honorária de sucumbência, que é direito autônomo e a eles pertence, e nela os juros e a correção monetária.

Assim, se a lei atribui ao advogado a honorária de sucumbência, esta atribuição só tem efeito no momento da deflagração da ação, e por isso o advogado, por acessão de interesse, passa a ser parte sui-generis da demanda no que for pertinente apenas sobre os honorários, tanto que tem execução nos mesmos autos ou em ação autônoma [ix], com as condicionantes da novel Súmula 453 do STJ. Por isso tem sua legitimidade no pedido da sucumbência, que comporta verbas distintas para seu cliente e para si.

Por isso é que se diz que a mora processual ‘stricto sensu’ não decorre de ato ilícito (nem trafega nessa seara), mas sim e tão somente do fato determinante da litiscontestatio.

O mesmo se dá em relação à defesa. Quando o autor é intimado para impugnar a contestação e documentos, normalmente com preliminares de mérito, pode manifestar: 1) resistência e contra-ataque (mais comum), ou, 2) acolhimento da defesa com a desistência da ação (muito raro). Em ambas as hipóteses o fenômeno é o mesmo; a contestação do réu impõe ao autor suportar a tese de defesa, fazendo este assumir os encargos decorrentes da honorária de sucumbência que lhe for imposta, crédito do advogado.

Tanto é assim que incidem na espécie os preceitos do artigo 407 [x] c/c com os do artigo 390 [xi] do Código Civil.

Tratam esses artigos da mora legal em geral, incidente naquelas obrigações negativas não atendidas (no caso, o não acolhimento da defesa pelo autor, risco próprio, porque aquela foi tecnicamente de melhor direito invocado, afinal recepcionado pela sentença ou acórdão) e naquelas, combinadas, quando fixado o valor pecuniário por sentença judicial.

Se fixado o valor por sentença, os juros devem ser contados a favor do advogado do réu desde a data da juntada da réplica ou impugnação à contestação (ou daquela em audiência), que, ‘mutatis mutandis’ seria idêntica àquela data da juntada da citação válida contra o réu (nos casos de mora tipicamente processual).

A hipótese se estabelece com naturalidade naquelas ocasiões de pedido contraposto ou de reconvenção. Os juros legais processuais nestes casos, quando não constituídos em mora pelo réu ao autor contraposto ou reconvindo por notificação/interpelação prévia, começam a correr desde a data em que forem juntadas aos autos as petições (fenômenos processuais que são) que deflagram o pedido contraposto ou a reconvenção.

Não tem porque ser diferente, em nenhuma situação: vencedor o advogado do réu a verba em honorários será a da condenação em si, mas o valor desta será corrigido monetariamente desde a data da sentença ou acórdão, ou, do valor da causa corrigido, desde a data da petição inicial (impugnado ou não), e os juros legais processuais devem ser contados de desde a data da juntada da réplica ou impugnação à defesa, ou daquelas em audiência.

Se os juros retroagem contra o réu desde a data da juntada do comprovante da citação válida ou da data do ato danoso (contratual notificado de pleno direito, ou extracontratual), porque o autor não pode suportar os juros da sucumbência desde a data da juntada de sua réplica?

A lei processual e a civil tratam dessa particularidade indiretamente. Os preceitos jurídicos e de finalidade contidos no artigo 293 do CPC constituem a mora processual tanto ao autor como ao réu, porque ambas as partes sempre fazem pedidos inversos de mérito e de sucumbência. Assim, incluso o de juros ao advogado do réu na sucumbência do autor.

Ao julgador cabe considerar os princípios do artigo 5º da LICC [xii] e os dos artigos 125, I[xiii] ; 126 [xiv] todos do CPC, sempre fundamentado no pilar dogmático do inciso I, do artigo 3º da Constituição Federal: “construir o justo”.

A mesma conclusão pode ser adotada quando autor e réu forem reciprocamente sucumbentes, até mesmo se a fórmula da compensação da Súmula 306 do STJ prevalecer, mesmo porque o tema tratado é sobre o início da contagem dos juros para o advogado do réu tecnicamente vencedor da ação e não de reciprocidades e compensações; estas só se aplicam depois da liquidação em separado de cada verba, ao final do cálculo.

Oportuno comentarmos acerca do momento da correção monetária: aderimos ao entendimento de que a correção monetária dos honorários deve ser contada do arbitramento judicial (salvo em contratos), mas, se a sentença regular o montante da condenação e a correção monetária deste, e sobrevier recurso que peça apenas a modificação do montante, a indexação será contada desde a data da sentença, não da do acórdão que deu provimento ao pedido recursal.

É que o acórdão, ainda que substitua a decisão de seu montante, não modifica o aspecto temporal da decisão reformada, assim, não se contará nova data de início da correção monetária, mas novo valor em substituição ao da sentença, cuja correção já havia sido arbitrada.

Por isso mesmo, no caso específico da contagem dos juros na sucumbência, por afrontar o exercício da advocacia e de descolar o advogado de seu cliente, fomos contrários à proposição no Projeto de Lei n. 166/2010 do novo CPC, que esteve em debate no Congresso Nacional, da redação dada ao Parágrafo 13 ao artigo 73, que regulava a sucumbência (correspondente ao atual artigo 20 do atual código), e expressava assim: “os juros moratórios sobre honorários advocatícios incidem a partir da decisão que os arbitrou”.

O texto é claro e impede interpretá-lo no sentido de os juros da hipótese sejam contados desde a data que a decisão arbitrar. A redação se refere à data da decisão.

Porém, a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto em tela, apresentou seu trabalho que ensejou o PLS 166, de 2010, que dispôs sobre a reforma do CPC, de autoria do Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney. Na primeira versão, os honorários estavam previstos no artigo 73 do PLS 166/2010.

Entretanto, foi constituída Comissão Temporária da Reforma do CPC, composta pelos Senadores titulares Demóstenes Torres (DEM-GO), Antônio Carlos Júnior (DEM-BA), Marconi Perillo (PSDB-GO), Papaléo Paes (PSDB-AP), Regis Fichtner (PMDB-RJ), Almeida Lima (PMDB-SE), Valter Pereira (PMDB-MS), Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Eduardo Suplicy (PT-SP) e Acir Gurgacz (PDT-RO), que teve a atribuição específica de analisar o PLS 166/2010 e outras cinquenta e oito proposições legislativas.

Após sua atuação, a Comissão Temporária emitiu o Parecer 1.624, de 2010, e sugeriu a Emenda 221-CTRCPC, substitutiva ao texto original do PLS, que foi aprovado na 211ª sessão deliberativa extraordinária do Senado Federal, de 15/12/2010, ainda pendente de análise pela Câmara dos Deputados, que dispôs, em seu artigo 87, da CTRCPC, os honorários sucumbênciais da seguinte forma:

“Art. 87, da Emenda nº 221-CTRCPC. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(…)

§ 12. Os juros moratórios sobre honorários advocatícios incidem a partir da data do pedido de cumprimento da decisão que os arbitrou.”

Não obstante pretender regular juro legais no lugar errado, os parágrafos (na redação primitiva do PL e na da sugerida pela Comissão Temporária do Senado) arrastaria para o fim do processo a mora das partes sobre o esforço de seus advogados, quando haveria de ser, pelo menos, e aí aceitaríamos abrir a tese para debate, desde a citação válida. Mesmo assim, esses parágrafos, simplesmente hão de ser banidos do texto do referido projeto de lei.

A tese aqui defendida, baseada no atual CPC, serve à nossa posição antagônica para o Projeto de Lei 166/2010.

Por tudo isso, finalmente, sugerimos ao advogado do réu adotar e adaptar a seguinte fórmula, inserindo-a entre os pedidos da sua defesa:

Requerem o réu e seu advogado seja condenado o autor nas verbas da sucumbência corrigidas monetariamente por indexador definido de plano na decisão, desde a data da sentença se em valor certo e determinado (ou da prevista em contrato ou da data da prévia liquidação do ato danoso), ou, desde a data da petição inicial se pelo valor atualizado da causa por indexador definido de plano na decisão, pedindo sejam fixadas em 20% (vinte por cento) e acrescidas dos juros legais de 1% ao mês, contados sempre desde a data da juntada da réplica à contestação (ou desde a réplica em audiência, conforme o caso).

O advogado deve ficar atento a tudo, ainda mais porque concorre seu interesse direto, sobretudo porque o STJ levou ao extremo o adágio latino dormientibus non sucurrit ius quando impôs as Súmulas 306 e 453; pior ainda estas quando combinadas.

A adoção da fórmula sugerida traduz equilíbrio democrático ao processo, onerando as partes recíproca e proporcionalmente pelos riscos da demanda, colocando autor e réu em igualdade na conveniência da manutenção e ônus do litígio, seus riscos e custos, contribuindo para sua rápida resolução por acordo ou até mesmo por prudente desistência.

[i] CPC – art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

[ii] Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.

[iii] EAOAB – art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

[iv] CPC – art. 219 c/c art. 241.

[v] Código Civil, Parte Especial, Livro I, Título IV.

[vi] CPC – art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendo-se, entretanto, no principal os juros legais.

[vii] REsp. 327.708 – j. 19.11.2002.

[viii] Artigos 293 e 269 do CPC, normalmente.

[ix] EAOAB – art. 24. Parágrafo Primeiro: A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.

[xi] CC – art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

[xii] CC – art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.

[xii] LICC – art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

[xiv] CPC – art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I – assegurar às partes igualdade de tratamento.

[xv] CPC – art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Autor: Samir El Hajjar, advogado
Fonte: www.conjur.com.br