Contudo, em tempos recentes, e com frequência cada vez maior, tem ocorrido de diversos juízos deixarem de comunicar e intimar os advogados a realizar tais levantamentos. Ao invés, as serventias expedem cartas comunicando diretamente a parte que há uma guia de depósito judicial em seu favor, solicitando que o interessado se dirija ao fórum para efetivar o levantamento. Não fazem semelhante comunicação (pela imprensa oficial) ao advogado que, portanto, fica sem saber que os valores finais da causa já estão à disposição.
A explicação oficial é que muitas procurações não incluem poderes para receber e dar quitação (poderes que, de fato, não decorrem do mandato judicial normal, a teor do artigo 38 do CPC). Em outras situações (em ações previdenciárias, por exemplo), argumenta-se que as ações são antigas e não é possível saber se os advogados permanecem constituídos.
Afora a ilegalidade de tais condutas, cabe destacar inicialmente que a prática se revela, na melhor das hipóteses, bastante constrangedora, pois cria desgaste entre o cliente e seu advogado, na medida em que gera a impressão de que o patrono não está sendo diligente. Em relações marcadas por confiança, a primeira reação do cliente é a de reclamar por não ter sido informado pelo próprio advogado.
O problema, no entanto, é mais grave. Primeiro porque tal prática afronta dispositivos da lei, na medida em que atos processuais deixam de ser comunicados ao advogado da causa, em afronta aos arts. 234 e 236 do Código de Processo Civil. Segundo, porque implicam interferência indevida e não provocada em outra relação jurídica – a do mandato contratado entre a parte e seu advogado –que não é objeto da ação judicial e não está sujeita a um controle pelo magistrado.
Se o mandato é antigo, pouco importa, eis que não há limitação de prazo na lei. Se o mandato não inclui poderes para receber quantias em nome do cliente, o comportamento desejável é, ainda assim, que o próprio advogado seja intimado acerca da expedição da guia, tomando ele a iniciativa de comunicar seu cliente. E ainda que houvesse razão concreta a justificar a necessidade ou conveniência de intimar a parte, o mínimo que se poderia aceitar seria a expedição de intimação a ambos, e de forma simultânea.
A razão oculta, que determina este comportamento por parte de muitos magistrados, e que torna a questão extremamente sensível, parece ser a desconfiança por parte destes julgadores em relação aos advogados. Desconfiança de que os profissionais (escolhidos pelas próprias partes) fiquem com todo o dinheiro e não repassem o valor ao seu titular. Esquecem-se, porém, que ai surge o risco inverso, que efetivamente ocorre em muitas situações. O cliente acaba por levantar o total depositado e não repassa a verba honorária ao seu advogado, frustrando o direito do profissional à remuneração contratada.
Mas se é fato que a conduta do advogado de tomar para si todo o valor (ilegal, por óbvio) já foi registrada, pergunta-se se é razoável adotar este possível desvio como padrão de comportamento de toda uma categoria profissional, criando empecilhos a que concluam seu trabalho, recebam sua justa remuneração e, ainda, tenham a prerrogativa de serem, eles próprios, os portadores da boa notícia aos clientes, quando o dinheiro será finalmente liberado!
Evidentemente que não há razoabilidade alguma nesta conduta. E como no mais das vezes não há fundamentação do magistrado para estes comportamentos, resulta que se cuida sim de uma desconfiança generalizada, não amparada em fatos concretos da causa. É claro que o magistrado deve controlar a regularidade dos atos praticados pelo advogado, conferir a extensão dos seus poderes. Mas isto não o autoriza a suprimir do advogado o dever de cuidar da causa até o fim, nem o seu direito à percepção dos honorários.
A solução deste impasse é mais simples do que parece: cumprimento da lei, respeito mútuo e eliminação das resistências silenciosas entre tais profissionais. Os juízes devem intimar os advogados sobre a oportunidade de levantarem os valores, ainda quando não possuam poderes para realizar o levantamento (hipótese em que os patronos devem informar e conduzir seus clientes para realizar tal levantamento). E se há elementos concretos nos autos a sugerir procedimento diverso, mediante despacho fundamentado o juiz deve intimar o advogado a suprir eventual irregularidade, fornecer novo instrumento de mandato etc. Nunca, sob nenhuma justificativa, deve alijar o advogado desta fase final e, em seu lugar, estabelecer uma comunicação exclusiva com a parte.