Parabéns ao presidente Lula! Com a edição da Lei 10.931, no último dia 02, ele conseguiu algo que nem Fernando Henrique conseguiu: criar um “Código de Defesa dos Bancos”
Era só o que faltava: criaram um CDB – Código de Defesa dos Bancos. O presidente Lula sancionou a mais nojenta lei que o nosso país já viu. Trata-se da Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004. E ela entrou em vigor hoje!
Essa lei dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, a Letra de Crédito Imobiliário, a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), a Cédula de Crédito Bancário, e altera o Decreto-Lei 911/69 e as Leis 4.591/64, 4.728/65 e 10.406/2002.
O pobre do consumidor vai ficar mais pobre e menos consumidor do que nunca. Os poucos direitos que ele tinha, não tem mais. Isto é, somente têm direitos em face de qualquer um que não seja banco ou assemelhado. Se quiser discutir com um banco, o consumidor terá que pagar a dívida (arts. 49 e 50), perder o bem em garantia (arts. 55 e 56) e depois rezar para receber alguma indenização (arts. 55 e 56).
Os bancos poderão realizar execuções privadas, sem intervenção do Poder Judiciário. Mas se ficar comprovado que o banco cobrou algum valor a maior… Aí sim, o consumidor ficará numa boa! Receberá uma multa de 50% (art. 56) sobre o que o banco cobrou a maior, além de indenização… E isso ocorrerá em uns 10 anos! Quanta sorte. O direito é efetivo, mas precisa ser um banco para ter esse privilégio.
Em outubro de 1999, o Banco Central do Brasil (BC), por meio de seu Departamento de Estudos e Pesquisas – Depep, editou um estudo denominado “Juros e Spread Bancário no Brasil”. Os responsáveis por este trabalho foram as seguintes pessoas: Sérgio Ribeiro da Costa Werlang (Diretor Responsável pelos Assuntos de Política Econômica), Luiz Fernando Figueiredo (Diretor Responsável pelos Assuntos de Política Monetária), Alexandre Antonio Tombini (Chefe de Departamento de Estudos e Pesquisas), Eduardo Luis Lundberg (responsável pela Coordenação), Renato Fragelli Cardoso (Consultor Externo) e Sérgio Mikio Koyama, Victorio Yi Tson Chu, José Pedro R. Fachada M. da Silva (membros da equipe).
O objetivo do declarado do trabalho era de identificar e explicar os componentes do spread bancário e elaborar sugestões para a redução dele e, em conseqüência, das taxas de juros.
Entretanto, este trabalho se constitui em exemplo repugnante de ignorância (?), má-fé (talvez), desrespeito ao consumidor de crédito, ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo (certamente).
O texto apresenta alguns dados interessantes sobre a composição do spread bancário em diversos tipos contratuais. Anuncia que o mais grave dos componentes que elevam a taxa de juros é a denominada taxa de risco. Ela corresponde à possibilidade de inadimplemento contratual e às dificuldades que o banco teria para recuperar o crédito concedido.
No diagnóstico apresentado pelos técnicos do BC houve as seguintes ponderações: “Como agravante das dificuldades macroeconômicas, muitos segmentos da sociedade brasileira têm uma visão equivocada da atividade bancária e de seu papel na economia, o que acaba gerando um adicional de risco que prejudica todos os tomadores de crédito e a própria economia brasileira. Uma proteção indevida ou exagerada do devedor, normalmente leva a comportamentos inadequados que acabam por prejudicar a todos, encarecendo o custo do crédito. Este problema do risco moral (“moral hazard”) pode ser exemplificado num caso hipotético associado ao sistema financeiro. Financiamentos para a compra de máquinas e equipamentos, com garantia real desses mesmos bens, são operações bancárias de baixo risco em qualquer país do mundo, beneficiando-se de baixas taxas de juros, pois o empresário sempre priorizará o pagamento dessa operação, para não correr o risco de prejudicar sua atividade principal. No entanto, há impedimento à execução ou arresto desse tipo de garantia, a título de proteger a atividade produtiva, esse tipo de financiamento deixará de caracterizar-se como de baixo risco, tendo por resultado a escassez ou o encarecimento desse tipo de operação de crédito. Sendo o objetivo de fato reduzir os juros ao tomador, será preciso também uma mudança cultural. As instituições do sistema financeiro operam num setor altamente regulamentado pelo Governo e devem ser encaradas como quaisquer outras empresas que têm como objetivo a obtenção de lucros. A melhor postura seria vê-los como parceiros no processo de desenvolvimento, pois a eventual falta de proteção e/ou a sua repressão repercute sobre os clientes. Sem dúvida é preciso que haja maior concorrência, sobretudo no caso do cheque especial, bem como mecanismos de defesa do consumidor. Contudo, o setor financeiro precisa ser tratado com equilíbrio, para que possa defender-se de maus devedores e desenvolver todas suas potencialidades. Essa mudança cultural seria importante para reduzir o risco de crédito percebido pelo sistema financeiro, viabilizando o aumento do crédito e a redução das taxas de juros em todos os segmentos.”
Realmente, uma mudança cultural não faria mal. Entretanto, ela deve ser dirigida aos técnicos do Banco Central e aos autores dessa nova lei. Primeiramente, eles deveriam ser informados de que se tratam de funcionários do Banco Central do Brasil, não do Federal Reserve norte-americano. Talvez este fato os fizesse tomar ciência da Constituição Federal de 1988, o que já seria um bom começo, embora a leitura da Lei 4.595/64 talvez já se constitua em parcial solução para a crise de identidade de que são vítimas essas pessoas.
O dever de exercer o controle do crédito em todas as suas formas estabelecido no art. 10, inciso V, da Lei 4.595/64, já seria suficiente para impor aos técnicos do BC a leitura da legislação federal vigente no país. Após este processo de aprendizado elementar, caberia a tais técnicos, adimplindo à visão discriminatória e antropocentrista estabelecida na Constituição Federal, observar as práticas bancárias ilícitas que vêm fazendo desta atividade o único ramo empresarial que atravessa a atual conjuntura econômica nacional com resultados e crescimento positivos.
Uma mudança cultural se impõe. Não se pode pensar nos problemas brasileiros e tentar resolvê-los com soluções estrangeiras. Aliás, é muita arrogância se valer de expressões como moral hazard em um país onde boa parte da população sequer domina o vernáculo e em um documento que deveria ser acessível a todos os cidadãos.
No anexo II ao relatório em estudo, observam-se as seguintes medidas, de âmbito legal (sic), propostas para a redução das taxas de juros no Brasil: “d) criação da Cédula de Crédito Bancário – a legislação brasileira admite dois regimes para efeito de execução judicial de dívidas. No âmbito civil, os contratos dependem de prova, o que demanda uma fase de conhecimento, que têm demorado até 4 anos, dado o congestionamento de processos no Judiciário. Com a utilização de títulos de crédito, típicos do direito comercial, a execução judicial independe de prova e da longa demora da fase de conhecimento, o que permitiria reaver créditos em prazos bem mais curtos. Nesse sentido, o BC deve propor a criação das Cédulas de Crédito Bancário, em substituição a atual exigência de contratos das operações de crédito, utilizáveis para os empréstimos e financiamentos com ou sem garantia. Além de redução de custos e uma melhor defesa do consumidor, estes instrumentos poderiam ser mais facilmente exigíveis em processos na Justiça, reduzindo o risco de crédito”.
Espantoso é o fato de o Banco Central elaborar um relatório, em outubro de 1999, em absoluto atendimento aos reclamos vindos do evento que ocorreu nos dias 30 e 31 de agosto do mesmo ano, realizado em São Paulo, com apoio da ABBC – Associação Brasileira de Bancos Comerciais a Múltiplos e a ABBI – Associação Brasileira de Bancos Internacionais. Um dos motes do simpósio foi os “Principais Aspectos do Projeto de Lei de Cédulas de Crédito Bancário”.
O painel sobre o tema foi resumido da seguinte forma pelos organizadores: “Este Briefing mostrará em detalhes as premissas que compõem o novo Projeto de Lei sobre a implementação de Cédulas de Crédito Bancário, Cédulas de Crédito como Rural, Comercial e Industrial já são conhecidas há bastante tempo, porém há necessidade de implementar cédula menos específica para expandir os benefícios para qualquer tipo de operação bancária. Participando deste Briefing você poderá conhecer importantes vantagens que sua instituição obterá caso o Projeto de Lei seja aprovado buscando reduzir custos e riscos em seus contratos a partir deste instrumento adicional”.
Na exposição intitulada “Analisando as Vantagens das Cédulas de Crédito em Relação aos Instrumentos Contratuais Comuns”, enumeraram-se alguns benefícios do novo título de crédito, quais sejam: “1. Eliminação dos custos na formalização da garantia hipotecária: 2. Autorização legal para capitalizar juros; 3. Utilização de aval ao invés de fiança; 4. Título executável; 5. Facilidade na formalização: 6. Renegociação de dívidas através de composição.”
Não havia previsão, no prospecto do evento, sobre melhores defesas para o consumidor. Logo, isso também não foi contemplado pela medida provisória editada meses depois (MP 1.925). O mais curioso é que até os bancos pensavam na edição de uma lei.
E isso tudo ocorreu no governo FHC, criticado pelos atuais governantes pelo exagero na proteção dos bancos. Pois bem, nem o tucano mais radical poderia ser tão amigo dos bancos.
Passemos ao exame de algumas pérolas dessa nova lei.
A cédula de crédito bancário revigora nessa lei. O art. 20, determina:
Art. 20. A CCI é título executivo extrajudicial, exigível pelo valor apurado de acordo com as cláusulas e condições pactuadas no contrato que lhe deu origem.
Parágrafo único. O crédito representado pela CCI será exigível mediante ação de execução, ressalvadas as hipóteses em que a lei determine procedimento especial, judicial ou extrajudicial para satisfação do crédito e realização da garantia.
O que querem dizer com hipóteses especiais? Querem prever um procedimento extrajudicial para satisfação do crédito? Trata-se de dispositivo que poderá permitir que a CCI seja cobrada sem a intervenção do Poder Judiciário. Cheira a inconstitucionalidade.
No que concerne aos contratos de financiamento de imóveis, o art. 48 merece destaque:
Art. 48. Fica vedada a celebração de contratos com cláusula de equivalência salarial ou de comprometimento de renda, bem como a inclusão de cláusulas desta espécie em contratos já firmados, mantidas, para os contratos firmados até a data de entrada em vigor da Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001, as disposições anteriormente vigentes.
Vedar os contratos de financiamento imobiliário, com equivalência salarial ou comprometimento de renda, somente se justifica como uma forma de prejudicar o consumidor.
Isto é, os valores dos contratos podem subir, como ordinariamente sobem, muito além da renda do consumidor.
E o art. 49 também é grave:
Art. 49. No caso do não-pagamento tempestivo, pelo devedor, dos tributos e das taxas condominiais incidentes sobre o imóvel objeto do crédito imobiliário respectivo, bem como das parcelas mensais incontroversas de encargos estabelecidos no respectivo contrato e de quaisquer outros encargos que a lei imponha ao proprietário ou ao ocupante de imóvel, poderá o juiz, a requerimento do credor, determinar a cassação de medida liminar, de medida cautelar ou de antecipação dos efeitos da tutela que tenha interferido na eficácia de cláusulas do contrato de crédito imobiliário correspondente ou suspendido encargos dele decorrentes.
Trata-se de dispositivo de péssima técnica legislativa. Ele estabelece uma faculdade ao juiz de cassar uma tutela liminar, coisa que ele poderia fazer com ou sem esse artigo. Pior ainda: acaso o consumidor discuta capitalização de juros, qualquer tutela relacionada à capitalização de juros poderá ser cassada se o consumidor deixar de cumprir algo que sequer seja objeto de discussão judicial. O mais grave é que o dispositivo, tal qual o artigo seguinte, criam uma nova espécie de pressuposto processual.
Art. 50. Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia.
§ 1º O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.
§ 2º A exigibilidade do valor controvertido poderá ser suspensa mediante depósito do montante correspondente, no tempo e modo contratados.
§ 3º Em havendo concordância do réu, o autor poderá efetuar o depósito de que trata o § 2º deste artigo, com remuneração e atualização nas mesmas condições aplicadas ao contrato:
I – na própria instituição financeira credora, oficial ou não; ou
II – em instituição financeira indicada pelo credor, oficial ou não, desde que estes tenham pactuado nesse sentido.
§ 4º O juiz poderá dispensar o depósito de que trata o § 2º em caso de relevante razão de direito e risco de dano irreparável ao autor, por decisão fundamentada na qual serão detalhadas as razões jurídicas e fáticas da ilegitimidade da cobrança no caso concreto.
§ 5º É vedada a suspensão liminar da exigibilidade da obrigação principal sob a alegação de compensação com valores pagos a maior, sem o depósito do valor integral desta.
Os parágrafos 2º e 5º são os piores de todos. É necessário o pagamento total da obrigação, mesmo que se discuta parcelas dela. A intenção desse artigo parece-me clara: é condicionar a retirada das pessoas de cadastro de restrição ao crédito, ao depósito integral do valor em discussão.
O parágrafo 3º ainda cria uma consignação-pagamento, não uma consignação em pagamento. É que o depósito das quantias controvertidas deverá ocorrer no próprio banco credor ou em banco indicado por ele.
Esse artigo 50 vai impedir o acesso ao Poder Judiciário do cidadão comum. Somente poderá ir a juízo quem tiver contratado uma auditoria para recalcular o seu débito. Pior ainda, no final das contas, o consumidor terá que pagar um advogado, um auditor e o débito total do próprio banco, senão não poderá ter uma revisão do contrato.
O art. 55 é um horror:
Art. 55. A Seção XIV da Lei n° 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Seção XIV
Alienação Fiduciária em Garantia no Âmbito do Mercado Financeiro e de Capitais
Art. 66B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.
§ 1º Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor.
§ 2º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, 2º, I, do Código Penal.
§ 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.
§ 4º No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997.
§ 5º Aplicam-se à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta lei os arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e 1.436 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
§ 6° Não se aplica à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta lei o disposto no art. 644 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002.”(NR)
Desde 1992, por meio do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 19.915-8-MG, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assentou entendimento de que é inadmissível a alienação fiduciária de bens fungíveis e consumíveis, em acórdão com a seguinte ementa:
“Processo Civil. Embargos de divergência. Alienação Fiduciária. Bens fungíveis consumíveis. Posicionamento do Tribunal. Recurso Especial conhecido e provido.
I – A 2ª Seção da Corte, competente no tema, por maioria uniformiza seu entendimento proclamando a inadmissibilidade da alienação fiduciária de bens fungíveis e consumíveis (comerciáveis).
II – É missão constitucional do Superior Tribunal de Justiça apaziguar a jurisprudência revolta, buscando a melhor exegese do direito federal infraconstitucional. Para a realização desse objetivo, em primeiro lugar deve uniforminzar a sua própria jurisprudência.”
(STJ, Embargos de Divergência no Recurso Especial 19.915-8-MG, ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, relator, julgado em 28 de outubro de 1992)
No mesmo sentido é a decisão do ministro Ari Pargendler, no julgamento, em 6 de abril de 2000, do Recurso Especial 97.952-MS, onde restou assente:
“Civil. Alienação Fiduciária. Bens Fungíveis e Consumíveis. Os bens fungíveis e consumíveis não podem ser alienados fiduciariamente. Recurso Especial conhecido e provido.”
(STJ, Recurso Especial 97.952-MS, ministro Ari Pargendler, publicado em 8 de maio de 2000)
E, em se tratando de contrato de abertura de crédito em conta corrente, o Superior Tribunal de Justiça assentou que sequer é cabível a ação de busca e apreensão, independentemente do bem alienado fiduciariamente.
“Processo Civil. Ação de Busca e Apreensão. Contrato de Abertura de Crédito, Garantido por Alienação Fiduciária. Ausência de Título.Quando a alienação fiduciária constitui pacto adjecto de outro que identifica dívida certa e líquida, a ação de busca e apreensão se justifica em caso de mora do devedor; já, como no caso, se a alienação fiduciária está vinculada a um contrato de abertura de crédito, a ação de busca e apreensão é inidônea, porque o devedor fica sujeito a perder as garantias que ofereceu, por efeito de cálculo unilateral do débito realizado pelo credor. Recurso especial conhecido mas não provido.
(STJ, Recurso Especial 150.275/SP, ministro Ari Pargendler, publicado no Diário de Justiça da União de 28 de maio de 2001)
Pois bem, agora pode tudo!
Esse dispositivo pega a construção jurisprudencial de anos e rasga.
E o novo art. 56 vai além:
Art. 56. O Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3º
§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.
§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.
§ 3º O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar.
§ 4º A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da faculdade do § 2º caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.
§ 5º Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.
§ 6º Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado.
§ 7º A multa mencionada no § 6º não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.
§ 8º A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior.”
“Art. 8ºA. O procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário.”(NR)
Agora rasgaram a Constituição Federal de vez. E quem faz isso não é o Governo do FHC. É o Lula!!! Isso revela uma só coisa: quem manda nesse país são os bancos e o governo do PT entrou no jogo, cujas regras já foram ditadas desde outubro de 1999.
Ainda no estudo do Banco Central sobre “Juros e Spread Bancário no Brasil”, de outubro de 1999, houve as seguinte ponderações: “(…)Financiamentos para a compra de máquinas e equipamentos, com garantia real desses mesmos bens, são operações bancárias de baixo risco em qualquer país do mundo, beneficiando-se de baixas taxas de juros, pois o empresário sempre priorizará o pagamento dessa operação, para não correr o risco de prejudicar sua atividade principal. No entanto, há impedimento à execução ou arresto desse tipo de garantia, a título de proteger a atividade produtiva, esse tipo de financiamento deixará de caracterizar-se como de baixo risco, tendo por resultado a escassez ou o encarecimento desse tipo de operação de crédito (…).”
O trecho acima grifado, em negrito, retrata um exemplo que nada tem de hipotético. Ele é fruto de construção jurisprudencial. Sim, porque o artigo 3°, § 5° do Decreto-Lei 911/69, oferece solução idêntica à proposta pelo BC. Mas a jurisprudência, atenta às distorções do sistema (os bancos praticam ilegalidades), não tem permitido que se retire um bem essencial à empresa ou à pessoa física, enquanto não se resolve a questão sobre a lisura do débito garantido.
Veja-se um exemplo: “Alienação fiduciária. Bem indispensável à atividade empresarial. Não impugnação dessa afirmação. permanência do bem na posse da devedora. Precedente da Turma. Recurso provido. – Nos termos de precedente da Turma, “as máquinas indispensáveis à atividade industrial da empresa devedora, apreendidas em ação de busca, podem permanecer na posse da ré enquanto tramita o processo, até o momento da efetivação da venda” (RMS 5.038-PR, DJ 27.3.95). Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, REsp. n.º 155822/SP (97/0082998-7), rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado in DJU de 21.09.1998, p. 186″.
É verdade que “uma proteção indevida ou exagerada” pode prejudicar a todos, ainda mais se ela for exercida por uma instituição como o BC e em favor das instituições financeiras. Partido tem que ser tomado e, por imposição legal – art. 170, inciso V, da Constituição Federal -, ele é em benefício do consumidor. Caso contrário, há vantagem infundada e inconstitucionalidade da providência.
O dispositivo sob comento proíbe a discussão judicial! Um verdadeiro absurdo, coisa de ditadura. Quem se aventurar a discutir qualquer coisa perante o Poder Judiciário deverá entregar o bem em cinco dias, ou pagar a dívida. É como se vivêssemos na Suíça, não no Brasil onde os bancos cometem, ordinariamente, ilegalidades. Aliás, nesse ritmo legislativo, o governo Lula vai legalizar todas as práticas ilegais. Aí o melhor vai ser se mudar pra Suíça mesmo…
Adiante, o relatório do Banco Central aponta: “A melhor solução para reduzir o custo do crédito para esse tipo de cliente é facilitar o acesso a informações de maus devedores, de sorte a não penalizar os bons clientes. Isto pode ser feito pela dinamização da Central de Risco do BC ou dos diversos institutos de proteção ao crédito, bem como o esclarecimento quanto a alegados óbices jurídicos que impedem a disponibilização de informações de maus devedores, com a Lei do Sigilo Bancário e a Lei de Defesa do Consumidor. A dificuldade e a demora no recebimento de créditos reclamados na Justiça é uma realidade. O Poder Judiciário tem recebido um volume crescente de processos, o que tem aumentado ainda mais os custos e a demora no recebimento de créditos. Esta situação, além dos custos que significam, acabam por induzir comportamentos inadequados que agravam o problema. Existem pessoas e empresas de má-fé que se aproveitam das dificuldades e demora no processo judicante para não pagar suas dívidas, sob as mais diversas alegações. E, como não poderia deixar de acontecer, os bons credores pagam pelos maus na forma de spreads mais elevados e escassez de crédito”.
A dúvida inicial que surge é: Quem são os bons e os maus credores? Cabe ao BC separar o joio do trigo e punir os que ele mesmo considera como maus. Aliás, na visão da nova lei, toda pessoa que deixa de pagar um contrato bancário é um mau pagador, ponto final.
Se processos judiciais há, e a quantidade é crescente, como aponta o relatório, será que o problema esta realmente ligado a maus devedores? Evidente que não.
O que se tem como certo é que, na democracia brasileira, o acesso ao Judiciário é livre e as questões ligadas ao mau litigante devem ser no processo resolvidas. A letra “e”, do anexo II, do relatório de outubro de 1999, estabelecia: “e) separação da discussão judicial de juros e principal – a demora dos processos judiciais são um estímulo aos devedores de má-fé, conforme já comentado. Uma das formas de minimizar esse incentivo perverso é a exigência legal do depósito judicial da parcela incontroversa dos empréstimos concedidos pelo SFN, ou seja, o depósito em espécie do principal não amortizado, cuja liberação poderia ser imediatamente solicitada ao juiz por parte da instituição financeira credora. Da mesma forma que não faz sentido amparar a não devolução de um automóvel alugado, durante a tramitação do processo, por divergências eventuais no valor do aluguel, nossa Lei não pode amparar a não devolução do principal emprestado, por divergência quanto aos encargos financeiros. O Governo deverá propor legislação própria para que haja a devida separação da discussão judicial entre juros e principal”.
A nova lei faz o que o relatório do BC dizia, em 1999. O estranho é que o país deveria ser governado por outras pessoas. Todavia, não é. O governo Lula rendeu-se aos bancos e criou o Código de Defesa deles.
Os demais dispositivos da lei já estavam em nosso sistema, por meio de medidas provisórias editadas no Governo FHC. Imaginava-se uma revisão dessas regras anteriores, não uma melhora delas para os bancos.
Caberá ao Poder Judiciário examinar essa lei, dentro do sistema constitucional vigente, e coibir os abusos que ela permite.
Mas resta um consolo, o art. 63 da lei determina que os consumidores não terão que pagar pela elaboração dos contratos imobiliários:
Art. 63. Nas operações envolvendo recursos do Sistema Financeiro da Habitação e do Sistema Financeiro Imobiliário, relacionadas com a moradia, é vedado cobrar do mutuário a elaboração de instrumento contratual particular, ainda que com força de escritura pública.
Mas eu duvido que esse dispositivo seja cumprido…
(*) Márcio Mello Casado é advogado e mestre em Direito pela PUC-SP.