Gilberto Melo

Multa do artigo 475-J do CPC evidencia seu caráter híbrido

Muito tem se discutido em nossa doutrina a despeito da natureza jurídica da multa do artigo 475-J do Código de Processo, introduzida em nossa codificação processual por meio da Lei 11.232/2005 que encorpa a chamada “Reforma na Execução”.

Antes de se adentrar no mérito da natureza jurídica da multa, insta salientar que a Lei 11.232/2005 nasceu com o “espírito” de promover maior eficácia e celeridade na efetivação da tutela jurisdicional executiva nas sentenças condenatórias, visto que, historicamente, se comprovou a grande dificuldade da parte exeqüente em ver materializado o seu direito proveniente do decisum emanado pelo Juízo, que, por conseguinte, se constitui como título executivo.

Cognição e Execução

Com efeito, as intempéries enfrentadas na busca pela efetivação da tutela jurisdicional executiva antes do advento da Lei 11232/2005, começavam logo após a confirmação da sentença/acórdão, com a necessidade do início de um “novo processo”, visto a necessidade de nova citação da parte vencida após o trânsito em julgado da decisão definitiva, fato que por si já causava grande transtorno à parte exeqüente, pois em muitos casos à parte executada dificultava a nova citação ocultando-se, visando exatamente impedir o prosseguimento da demanda.

Não obstante a efetivação da citação do executado era imperioso que se conseguisse encontrar bens em seu nome para que fossem penhorados e dessa forma garantir o juízo, em ato contínuo poderia o executado opor Embargos à Execução como forma de exercício de defesa.

Tal procedimento foi sepultado com a Lei 11.232/2005.

Sincretismo das Tutelas

Visando alcançar uma maior eficácia e celeridade, a Lei 11.232/2005 adotou o processo sincrético com forma de otimizar a concretização da tutela executiva.

Nas palavras do professor José Eduardo Carreira Alvim [1] “o sincretismo processual traduz uma tendência do direito processual, de combinar fórmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obtenção de mais de uma tutela jurisdicional, simpliciter et de plano (de forma simples e de imediato), no bojo de um mesmo processo, com o que, além de evitar a proliferação de processos, simplifica e humaniza a prestação jurisdicional”.

Para Joel Dias Figueiras Junior [2] “as ações sincréticas são todas aquelas que possuem conjuntamente a cognição (processo de conhecimento) e execução, ou seja, não apresentam a divisão entre conhecimento e execução, podendo-se verificar a satisfação pretendida pelo demandante numa única relação jurídico-processual”.

Nessa linha a Lei 11.232/2005 erradicou a divisão entre processo de conhecimento e processo de execução em uma mesma demanda, surgindo assim a “fase” de conhecimento e a “fase” de cumprimento de sentença, na qual não existe a necessidade de nova citação da parte vencida para o pagamento, o qual deve ocorrer automaticamente nos termos do artigo 475-J caput do Código de Processo Civil.

Natureza Jurídica

Passados breves, todavia, salutares comentários preliminares concernentes a Lei 11.232/2005, nascedouro da multa ora tema deste ensaio, passa-se a abordar a sua natureza jurídica, visto que a doutrina tem se dividido quanto ao caráter da multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil, seria ela uma medida coercitiva ao devedor-executado para o cumprimento da sentença condenatória, ou uma medida punitiva ao cumprimento intempestivo da obrigação? Poderia ainda essa multa possuir um caráter híbrido?

Questões essas que pretendemos trabalhar em ato contínuo. Prestigiosa parcela da doutrina defende o caráter coercitivo da multa, pois somente pelo simples fato da sua existência a multa deveria compelir psicologicamente o devedor a adimplir a obrigação dentro do prazo estipulado pela lei que é de quinze dias, ou seja, a existência da multa forçaria o devedor ao pagamento tempestivo, sob pena de sua incidência. Dentre os defensores dessa corrente estão Luiz Rodrigues Wambier; Teresa Arruda Alvim Wambier; José Miguel Garcia Medina [3] e Cássio Escarpinella Bueno [4].

Para Cássio Scarpinella Bueno [5], a multa “tem clara natureza coercitiva”, visando incutir no espírito do devedor que as decisões jurisdicionais “devem ser cumpridas e acatadas de imediato, sem tergiversações, sem delongas, sem questionamentos, sem hesitações, na exata medida em que elas sejam eficazes, isto e, na exata medida em que elas surtam seus regulares efeitos”.

Outra parte da doutrina sustenta que o caráter da multa é punitivo, pois a multa somente incidirá caso não haja o cumprimento voluntário da obrigação dentro do prazo legal, e dessa forma o devedor seria apenado com a multa, que seria acrescida ao total do débito, posição essa sustentada por Sergio Shimura (6); Marcelo Abelha Rodrigues [7]; Daniel Amorim Assumpção Neves [8] e Vitor J. de Melo Monteiro [9].

Por essa linha de entendimento a aplicação da multa se daria ope legis, antes mesmo do início da fase de cumprimento de sentença.

A partir da entrada em vigor da Lei 11.232/2005, a multa por descumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa passa a ser mais um dos efeitos da decisão, sendo um efeito condicionado à verificação de um evento futuro e incerto, como o não cumprimento voluntário pelo devedor, o que não lhe retira, todavia, a natureza jurídica de punição [10].

Já para Fredie Didier Junior; Paula Sarno Braga; Rafael Oliveira [11] a multa em questão, tem dupla finalidade, servir como fator motivante para o adimplemento, funcionando como coerção e punir o inadimplemento por meio da sanção.

Conforme já salientado, a medida coercitiva visa forçar o devedor a cumprir com a sua obrigação dentro de um lapso temporal, sob pena de ver agravada a sua situação, v.g., o cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia certa dentro dos quinze dias, neste caso, efetuado o pagamento dentro do prazo previsto, somente a possibilidade de incidência da multa já exerceria sua função coercitiva, ou seja, pressionando o devedor ao pagamento naquele momento, sob pena de majoração no seu débito.

De outra banda, utilizando o mesmo exemplo, contudo, na hipótese do devedor não haver cumprido a determinação judicial dentro dos quinze dias conforme dispõe o artigo 475-J do Código de Processo Civil, automaticamente incidirá sobre o débito exeqüendo a multa de 10%, nascendo neste momento o seu caráter punitivo em virtude do descumprimento do comando judicial, acrescendo-se a multa ao total do débito.

Não obstante tratar-se de abalizados posicionamentos de verdadeiras sumidades em nossa doutrina processual, ousamos ir um pouco além e seguir os ensinamentos dos professores Fredie Didier Junior; Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, entendendo que a natureza jurídica da multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil teria dupla finalidade.

A natureza híbrida da multa consiste especificamente da análise do caso concreto, uma vez que cumprida a obrigação dentro do prazo estipulado pelo artigo 475-J do Código de Processo Civil, ou seja, o pagamento em dinheiro da sentença condenatória, não há que se falar em incidência de multa, portanto, a simples existência do comando normativo cumpriu a sua função de pressionar psicologicamente o devedor a obedecer ao determinado na sentença, atuando como medida coercitiva. Já o devedor de quantia certa ou já fixada em liquidação, caso não efetue o pagamento dentro dos quinze dias, a multa incidirá automaticamente, agindo assim como medida punitiva ao devedor que não cumpriu tempestivamente a sua obrigação.

Conclusão

Diante disso, entendemos que multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil evidencia seu caráter híbrido, podendo exercer sobremaneira tanto a coerção quanto à punição ao devedor-executado, dependendo do caso sob análise, possuindo assim dupla finalidade.

Nesse diapasão fica clara a divisão da doutrina quanto à natureza jurídica da multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil, se coercitiva, punitiva ou de caráter híbrido como defendido neste pequeno estudo, no entanto, não paira dúvida quanto à finalidade da norma almejada pelo legislador, que foi o de tentar agilizar a efetivação da prestação da tutela jurisdicional executiva, navegando de encontro aos princípios da celeridade processual e da dignidade da pessoa humana, bem como da garantia constitucional da razoável duração do processo.

Não obstante este ensaio se destacar pela discussão acadêmica a despeito da natureza jurídica da multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil, os operadores do direito devem interpretar e aplicar a Lei 11.232/2005 de forma a romper com os paradigmas que nortearam até então a execução das sentenças condenatórias, sempre como o objetivo de obter um processo mais justo e célere, ainda mais hoje por meio do sincretismo processual, sem jamais deixar de lado as garantias constitucionais do processo, e valorizando cada vez mais a figura da pessoa humana em detrimento de exacerbados ritos processualísticos muitas vezes utilizados como ferramentas de defesas para simplesmente procrastinar uma demanda, logicamente que tal análise deverá ocorrer sempre dentro de um contexto de ponderação de valores, objetivando sempre o cumprimento integral e irrestrito da palavra justiça.

Fonte: Conjur