Gilberto Melo

Novas regras podem tornar execução fiscal mais ágil

Não é tarefa fácil utilizar algo que “não existe” no ordenamento jurídico, sob o ponto de vista da validade das normas, como objeto de estudo científico. A primeira dificuldade é preexistente, isto é, o caráter de instabilidade do texto e as questões políticas — extrajurídicas — que se põem diante do objeto são indesejáveis, especialmente quando se postulam reflexões jurídicas.

Exemplo disso ocorreu quando publicamos nossas Considerações sobre o Anteprojeto de Lei de Execuções Fiscais [1]. Desde então, vêm surgindo projetos outros, propondo novas formas para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública.

Assim, este estudo tem por objetivo analisar as principais modificações propostas desde então, não só na intenção de identificar as tendências atuais, mas principalmente, despertar nos estudiosos do Direito o interesse pelo estudo de questões não apenas após a edição da legislação, como é de costume, mas também neste exato momento, ou seja, enquanto a comunidade jurídica organizada pode colaborar cientificamente para corrigir distorções do passado e evitar a criação de outras, igualmente indesejáveis.

Pois bem. Estabelecido o consenso de que “a justiça tardia é injustiça”, os operadores do direito vivenciam, de tempos em tempos, reformas legislativas tendentes a abreviar a duração do Processo sem, no entanto, minimizar os direitos materiais subjetivos dos envolvidos em litígios.

Agora a sociedade brasileira vive outro importante momento de discussão a respeito da celeridade na prestação da tutela jurisdicional. Relativamente ao Processo de Execução, nasceram anteprojetos já convertidos em Lei, como é o caso da Lei 11.232, de 22/12/2005, que instituiu a polêmica sistemática do chamado cumprimento da sentença.

Na mesma trilha, logo em seguida, caminham e se multiplicam os estudos quanto às alterações na execução de títulos da Fazenda Pública, hoje tratados por legislação extravagante, considerando as profundas inovações ocorridas no Processo de Execução, relativamente aos títulos judiciais e extrajudiciais gerais.

A Lei de Execuções Fiscais
Mesmo enfrentando as duras críticas da doutrina, a Lei 6.830, de 22/09/1980, também chamada de Lei de Execuções Fiscais (LEF) já completou 31 anos de plena vigência, com modestas alterações. À época de sua edição, a sua dissociação “topográfica” do contexto do Código de Processo Civil (CPC) e o evidente privilégio processual auferido pela Fazenda Pública na cobrança de seus créditos, foram os principais alvos do debate.

Cândido Rangel Dinamarco, em apropriado desabafo, observou que a LEF é resultado de profunda inspiração autoritária, feita por agentes do Poder Executivo, por este proposta ao Congresso Nacional e ali aprovada às pressas, sem a participação dos especialistas, advogados e magistrados. Acrescentou ainda que as arestas de seus defeitos técnicos e políticos vão sendo aparadas pela obra dos doutrinadores e tribunais.[2]

O fato de se tornar “legislação extravagante” foi aos poucos superado, na medida em que sua eficácia e aplicação tornaram-se inquestionáveis.

Contudo, a questão dos notáveis “privilégios” ainda causa alguma ressonância. Dentre eles, destacam-se: I) a citação ficta do devedor; II) a substituição facilitada da garantia, por parte da Fazenda; III) a necessidade de intimação pessoal do credor; IV) a imprescritibilidade do crédito, e; V) a possibilidade de substituição do título até a decisão resolutiva de 1º grau.

Humberto Theodoro Júnior observou que a Lei 6.830/80 foi editada com “o claro e expresso propósito de agilizar a execução fiscal, criando um procedimento especial diverso do da execução forçada comum de quantia certa, regulado pelo Código de Processo Civil.”[6] .

Ora, se o propósito do legislador em 1980 era “agilizar” a execução fiscal, é presumível que a regra contida no Código de Processo Civil não era suficiente para atender as expectativas da Fazenda Pública, especialmente porque a cobrança do crédito tributário estaria revestida de maior relevância que as demais, posto o interesse público envolvido [4][7].

Neste sentido é de se presumir também que, depois de concluída a atual reforma [5] a Fazenda Pública queira manter o procedimento especial existente, e em virtude da prevalência de seus interesses, deixá-lo ainda mais ágil, mais ágil inclusive que a modalidades de execução recém-nascidas.

O princípio da isonomia processual contido no artigo 125 do CPC dispõe que é assegurado às partes igualdade de tratamento no âmbito do processo judicial, princípio este decorrente do principio constitucional da igualdade (art. 5º caput e inciso II da CF/88).

A igualdade proclamada na Constituição se refere ao tratamento não discriminado entre pessoas componentes de um mesmo grupo. A lei, portanto, é que vai discriminar os seus destinatários (Estado e cidadãos) separando os grupos um do outro, de forma a estabelecer critérios em que a igualdade se opera, i.e., vai distinguir grupos de pessoas que serão entre si consideradas “iguais” ou em igual situação perante a lei [6]. A “desigualdade” que surgirá será entre os grupos, na medida das suas naturais diferenças.

A igualdade processual, por sua vez, se opera num grupo restrito (denominado de “partes do processo”) – fundamentalmente autor(es) e réu(s). Considerando que se trata de grupo bastante restrito, a discriminação neste pequeno universo será sempre duvidosa, especialmente quando se tratar do Estado como parte no processo.[7]

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) está permeada de normas de proteção de direitos dos cidadãos, cuja observância é mormente destinada ao legislador e aos governantes. No âmbito do processo, têm-se normas que vão desde o Princípio da Inafastabilidade da análise do Poder Judiciário [8] e do Direito de Petição [9], até as regras de proteção do trabalhador, das quais decorre o Princípio da Hiposuficiência do empregado no processo, no âmbito do Direito do Trabalho [10], entre outros.

Em matéria tributária (de que, aliás, se ocupa a Fazenda Pública na grande maioria das Execuções Fiscais em trâmite no Poder Judiciário), a Constituição impõe ao legislador a observância dos chamados “Princípios Constitucionais Tributários” que limitam o exercício do poder de instituir, aumentar e cobrar tributos, evitando excessos do Estado em sua atividade arrecadatória.

Ora, o mesmo potencial “excesso”, prudentemente evitado pelo Constituinte, é também passível de ser praticado pela via processual, pois os privilégios processuais de uma parte invariavelmente causam prejuízo à outra.

É neste contexto que a Lei de Execuções Fiscais, após a promulgação da Constituição de 1988, teve suas críticas renovadas sob o ponto de vista da igualdade.

James Marins, em outro viés, cita a necessidade de observância do principio da integridade do contribuinte, na medida em que a Lei de Execuções Fiscais deve, além de célere e eficaz, dar integral guarida aos direitos do contribuinte, constitucionalmente assegurados. [11] Não é possível confundir interesse público com interesse do governante, desconsiderando garantias individuais em nome de ocasionais interesses de Estado.

Nelson Nery Junior ao referir-se aos prazos especiais de que fazem jus a Fazenda Pública em juízo, tem opinião diversa. Ressalta o jurista que, antes de caracterizar-se ofensa ao princípio constitucional da igualdade de partes, o benefício de prazo vem constituir-se como medida de equidade, pois trata partes desiguais (Fazenda Pública e Ministério Público) desigualmente, atuando em prol da igualdade substancial [12].

É preciso salientar que o crédito tributário definitivamente constituído goza de presunção de liquidez e certeza (iuris tantum), e a constituição dessa modalidade de crédito independe do aceite da parte adversa. Assim, os excessos no exercício da atividade administrativa de cobrança judicial do crédito são efetivamente possíveis. No âmbito processual, as desigualdades têm sua medida no Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade, normas que aos poucos vêm sendo incorporadas à legislação processual nacional [13].

A nova LEF
Apesar de concebido para aproximar o rito da execução fiscal com o da execução civil comum, o projeto claramente mantém privilegiada a cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública pela via administrativa, quando além de incorporar as inovações da execução civil, atribui a atividade de execução, a Procuradoria da Fazenda. Segundo o autor do projeto, ocorrerá a translação da competência, vale dizer, a atribuição de parcela do poder jurisdicional do Estado a um determinado órgão de sua estrutura, a fim de que ponha em prática os atos materiais necessários à realização de suas funções [14].

A crítica que desde logo se faz a justificativa do projeto é de que o tal “órgão de sua estrutura” é a Própria Fazenda Nacional. Numa expressão popular, é como transladar do pastor ao lobo, o dever de cuidar dos cordeiros.

A par das garantias e privilégios para a cobrança do crédito tributário já previstas na LEF e no Código Tributário Nacional, a nova LEF chega às raias de admitir a justiça com as próprias mãos.

Antes da chamada Execução Administrativa Fiscal, o projeto proposto pelo próprio Poder Executivo [15] reduzia os atuais 42 artigos da LEF para apenas 18. Agora, o projeto em análise contém 51 artigos, aumento quantitativo que parece não ser também qualitativo, na medida em que suprime diversos dispositivos de garantia dos contribuintes.

Da Aplicabilidade
Logo no preâmbulo, que define a regência da lei, tratou o projeto atribuir também às fundações de direito público a legitimidade para propor execuções fiscais, que até então limitava-se aos entes políticos federados e respectivas autarquias.

O aumento da abrangência da aplicação da lei, especialmente para as fundações, já era pacificamente atestado pela jurisprudência dos tribunais [16]. A alteração tem mero efeito de encerrar discussão, na prática superada.

O artigo que conceitua a expressão “Dívida Ativa da Fazenda Pública” (art. 2º da LEF) se desdobra em nove parágrafos. Com a alteração passaria a ter apenas dois parágrafos, sendo os demais realocados para outros artigos da Lei, em mero atendimento à técnica legislativa determinada pela Lei Complementar 95, de 26.02.1998.

De relevante neste aspecto tem-se o artigo 4º do projeto que, além de resultar mera re-alocação do parágrafo 4º do artigo 4º da LEF, mantém definitivamente o alcance das garantias e privilégios do crédito tributário contidas no Código Tributário Nacional para a dívida ativa não-tributária, com destaque especial à questão da aplicação dos artigos 186, 188 a 192 do CTN. Tal ampliação ficará ainda mais evidente quando tratarmos dos meios de eficácia da execução fiscal.

Da suspensão da prescrição
Um dos poucos avanços contidos no projeto de lei anterior era a supressão da segunda parte do parágrafo 3º do artigo 2º da LEF. O dispositivo diz que a inscrição em dívida ativa: “… suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.”

Após intenso debate doutrinário e jurisprudencial, chegou-se à conclusão de que o dispositivo é inaplicável em razão do disposto nos artigos 146, III, c, da CF/88 e 174 do CTN, a quem cabe estabelecer as regras de prescrição do crédito tributário. Por conta disso, atualmente a norma é aplicável apenas à dívida não-tributária. Se aprovado o projeto, infelizmente, continua a existir tal previsão tanto para ambas.

Neste particular o projeto perde a oportunidade de extirpar dispositivo reconhecidamente incompatível com o ordenamento jurídico nacional.

Relativamente aos requisitos essenciais do Termo de Inscrição de Dívida Ativa (Art. 2º par. 5º da LEF), o projeto mantém quase que na íntegra o texto existente, trazendo-o agora como artigo destacado. (artigo 7º).

Vale ressaltar, contudo, singela alteração que guarda ampla conseqüência. Trata-se da interrupção da prescrição com a instauração da execução fiscal administrativa. Antes havia algum controle por parte do credor sobre a existência de execuções em seu nome, mediante consulta aos órgãos de distribuição do poder judiciário. Agora, com a mera instauração na esfera administrativa, fica o devedor sujeito a boa vontade e burocracia do fisco no acesso essa informação de caráter absolutamente interno da Fazenda Pública. Abominável, nesse particular, que a interrupção da prescrição seja proveniente de ato unilateral, cujo controle, aferição e registro são exclusivos do devedor.

Outra iniciativa salutar contida no projeto anterior foi exigir que o credor notifique o devedor do inteiro teor da inscrição em dívida ativa, para que este possa, em 5 dias, efetuar voluntariamente o pagamento. O projeto atual não contém tal previsão.

Nota-se a profunda integração entre a fase administrativa de constituição do crédito com a cobrança judicial. A inscrição em dívida ativa e a respectiva notificação da execução fiscal substituem o despacho que ordena a citação e a intimação para o pagamento do débito em 5 dias. Desta forma, houve verdadeira fusão desses atos, no intuito de aproveitar atos administrativos para reduzir a atuação jurisdicional, abreviando ainda mais o processo de execução.

Da multa e dos Sucessores
O artigo 9º do projeto consiste no texto do atual artigo 4º da LEF. Esse artigo continuou prevendo a multa de mora como integrante do valor da execução. A multa é figura incompatível com o conceito de tributo estabelecido pelo CTN [17], na medida em que a mesma se refere à sanção pelo descumprimento de obrigação tributária.

É bem verdade que o CTN é contraditório, pois mesmo afastando a multa do conceito de tributo, a inclui no crédito tributário para fins de sua cobrança em outros dispositivos [18].

Mesmo abstraindo a contradição apontada, a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento que a multa não pode ultrapassar a pessoa do infrator. É por esta razão que se entende, por exemplo, que não é possível impor aos credores da massa falida o pagamento de multas pecuniárias do falido, ou ao herdeiro não pode ser imposto o cumprimento de pena (pecuniária ou não) a que se obrigava o de cujus.

Tanto a LEF como o projeto, prevêem que a execução fiscal pode ser promovida contra os sucessores a qualquer título (inciso VI). Ora, considerando que a execução compreende também a multa, o projeto poderia excluir, nestes casos, a inclusão da multa do título executivo, sepultando antigas dúvidas a respeito. Infelizmente, ficou mantido o texto.

O mesmo ocorre com relação às dívidas não-tributárias, em que se inserem as multas penais e processuais [19].

O parágrafo 1º do dispositivo acima trata claramente de responsabilidade tributária, regulada no CTN, ao dispor que o síndico, o comissário, o liquidante, o inventariante e o administrador alienarem ou derem em garantia bens dos representados, antes de garantidos as dívidas da fazenda, serão pessoalmente responsabilizados pela dívida.

Ora, sendo a dívida “tributária”, o título executivo que contiver pessoa que sob o império do CTN não tenha responsabilidade pela obrigação tributária, será nulo, pois falecerá de certeza. Desta forma, não poderia o projeto estabelecer co-responsabilidade ao arrepio da Lei Complementar competente. Obviamente, uma vez indicados bens a penhora na execução, e as pessoas mencionadas constituírem como depositários, assumirão responsabilidade pelos bens, mas não a responsabilidade tributária em si. Ademais, sob o aspecto meramente formal, o projeto adaptou os termos do artigo à nova Lei de Falências que prevê o administrador da recuperação judicial.

Da competência administrativa
O projeto revolucionou a LEF relativamente à competência para a propositura da Execução Fiscal. Antes limitava-se a dizer que a competência para julgar execuções fiscais excluía a qualquer outro [20]. Agora, ao menos o crédito da União será inscrito e executado na própria Procuradoria da Fazenda Nacional.

Sem dúvida esta é a principal mudança, digna inclusive de rebatizar a LEF para Lei de Execução Administrativa Fiscal (LEAF).

Conforme já dissemos, trata-se de delegar a primeira fase da execução fiscal ao próprio credor. O pior é que a primeira fase consiste no momento da constrição de patrimônio do devedor, que antes estava sob o controle do Poder Judiciário, para justamente evitar eventuais abusos da Fazenda Pública (art. 10 do projeto).

Além disso, quanto à notificação do sujeito passivo da propositura da nova Execução Fiscal, cujo efeito é principalmente possibilitar o início dos procedimentos de penhora, o projeto prevê a impossibilidade da realização de notificacao pelos correios ou por hora certa. Isso significa que se o credor não obtiver êxito na notificacao pessoal, poderá diretamente recorrer a notificacao editalicia, a ser realizada nos corredores da repartição fazendária, e ainda, como novidade, mediante publicação em Diário Oficial por uma única vez.

Mais uma vez, repetimos, verifica-se a supressão de direitos do sujeito passivo, na medida em que a regra processual civil garantia com mais eficiência a cientificarão do devedor, na medida em que impunha a utilização de todos os meios disponíveis, antes da malfadada notificação via edital.

Impugnação administrativa
Para tentar compensar os efeitos acima, claramente contrários ao sujeito passivo, o projeto instituiu a chamada impugnação administrativa para tratar unicamente de matéria de ordem pública.

Aqui, o projeto acaba por reconhecer a eficácia obtida nos últimos tempos com a chamada Exceção de Pré-executividade: recente desenvolvimento da doutrina e jurisprudência [21] que veio a admitir este meio processual em defesa do executado, que mesmo diante de títulos flagrantemente nulos, obrigavam-se a garantir a execução para em sede de embargos, demonstrar a nulidade. A constrição do patrimônio, ou a falta dele, fez com que fosse aceito tal remédio processual, para discutir questões tipicamente preliminares, tais como os pressupostos processuais de admissibilidade, condições da ação, legitimidade ‘ad causam’, competência, prescrição, etc.

Obviamente há interesse da Fazenda em evitar o ônus da sucumbência na cobrança de valores prescritos, mas há maior interesse do executado em ver analisada questão prejudicial de mérito sem a necessidade de garantir a execução.

Por outro lado, tal previsão fere o dispositivo da Constituição Federal na medida em que afirma não caber recurso da decisão denegatória proferida em sede de impugnação. Como é cediço, o artigo 5º, LV, da CF/88 prevê que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Além disso, ao afirmar que não há recurso administrativo para tal impugnação, também se dá ofensa ao art. 151, III do CTN, quanto às dívidas de natureza tributária, em virtude da garantia de suspensão da exigibilidade do crédito tributário nessa hipótese [22].

Do arresto e da penhora
O projeto dispensa, em tese, a necessidade de penhora para a propositura de embargos ao dizer no seu artigo 10, inciso I, que o devedor será notificado para, no prazo de 15 dias, pagar a dívida, com juros, multa de mora ou de ofício e demais encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, impugná-la administrativamente ou ajuizar embargos à execução, com efeito suspensivo, perante o juízo competente.

O que parece um avanço, perde tal qualidade no momento em que o mesmo mandado executivo que promove a notificação, também pode ordenar o arresto de bens do executado caso a autoridade entenda que a impugnação administrativa ou os embargos a execução tenham natureza meramente protelatória, o que nos parece um despropósito.

O problema não está em eventualmente reconhecer a ocorrência de recurso protelatório, mas sim atribuir ao credor esse julgamento, ou seja, não pode caber ao credor julgar se o recurso é protelatório ou não. Sob sua ótica, sempre o será.

Merece destaque também a análise do atendimento – pelo projeto – ao consagrado principia da menor onerosidade do devedor na nomeação de bens a penhora, pois daqui se presume que a faculdade de o devedor indicar bens poderá ser mitigada, a ponto de que no momento do ajuizamento a Fazenda já tenha em vista o bem sobre o qual recairá a execução, seja como garantia dos embargos, seja como expropriação final.

Vê-se no projeto a manutenção de mais um privilégio processual da Fazenda, em afrontamento ao princípio da menor onerosidade do devedor. Se o executado possui mais de um bem que satisfaça o credor, é justo que aquele possa escolher qual deles lhe trará menor ônus, lembrando que a presunção de liquidez e certeza da inscrição em dívida ativa admite sempre prova em contrário.

A ordem de penhora, antes estabelecida no artigo 11 da LEF, é mantida – também para o arresto – mas com uma peculiaridade. O caput do artigo 15 do projeto preve que “salvo ordem diversa da entidade credora, o arresto ou a penhora de bens obedecerá a seguinte ordem:” Na prática não haverá ordem legal, mas apenas o que melhor aprouver ao credor. Seria melhor dizer então que: “no caso de silencio do credor, a ordem de constrição será a seguinte.”

Outra inovação introduzida, prevê a dispensa de mandado judicial tendente a averbar a constrição da penhora junto ao ofício imobiliário e demais instituições. Esta dispensa é verificada no artigo 17 do projeto, que delegou ao agente da fiscalização tributária. Este artigo modifica o texto, porém mantém o conteúdo do artigo 14 da LEF, generalizando os órgãos mencionados (tais como a Junta Comercial, Bolsa de Valores, etc.), abrindo a possibilidade de que outras entidades de registro de bens ou direitos sejam também contempladas.

A fase judicial
A atuação do juiz na execução fiscal – de acordo com o projeto – passa a limita-se tão somente ao julgamento dos embargos a execução. O pretexto do autor do projeto é sempre o de que a Fazenda Pública passa a ser não credor, mas sim um auxiliar do juiz, assumindo toda a atividade administrativa e deixando para o Poder Judiciário o que há de mais nobre existe na sua tarefa: interpretar e aplicar a lei ao caso concreto. [23]

Lamentavelmente esqueceu-se que esse generoso auxiliar é também o credor na execução.

Mais adiante, por meio do capítulo XI do projeto, foram instituídos os chamados “meios assecuratórios da eficácia da execução fiscal”.

Assim, não há mais dúvida de que, para fins de cobrança da divida ativa, é indiferente conceituá-las de tributária ou não, pois se encontram no mesmo patamar de privilégios.

Neste ponto continua bastante questionável o fato de a Lei ordinária (LEF) amplie o sentido e alcance de Lei complementar [24] (CTN), fazendo com que se apliquem os dispositivos desta, expressamente destinados ao crédito tributário, à dívidas que lhe são absolutamente estranhas – as não-tributárias – pelo simples fato de serem do mesmo credor.

O artigo 26 do projeto, por sua vez, é a transcrição do artigo 25 da LEF. Manteve-se, portanto, o privilégio detido pelo representante da Fazenda Pública em ser intimado pessoalmente, e não por meio do Diário de Justiça, a que está sujeito o advogado do executado.

Este dispositivo é um dos mais criticados pela doutrina, e revelam a desigualdade processual perpetrada pelo legislador ordinário da LEF e lamentavelmente mantida pela proposta de reforma. Hoje, com os meios eletrônicos existentes (penhora online, etc) e a estrutura de cobrança disponível à Fazenda Pública, não há justificativa (não que houvesse antes) para a manutenção desta discriminação.

Nas disposições gerais e transitórias, merece destaque o tema da sucumbência devida aos advogados dos contribuintes que obtiverem êxito nos embargos. O projeto não trata da sucumbência de forma expressa, mas a contrário sensu dá a entender que a Fazenda não teria o dever de arcar com essa verba. Isso porque o artigo 44, em seu parágrafo único, prevê que: “Vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte contrária”, silenciando quanto a verba sucumbencial. O mesmo efeito será obtido, caso o projeto seja aprovado, na fase de constrição. A jurisprudência atual reconhece que, ao ser estabelecida a necessidade de contratação de advogado, mesmo em sede de Exceção de pré-executividade, são devidos os honorários de sucumbência a parte adversa.

Ora, sendo estabelecida a fase administrativa, não há que se falar mais em sucumbência.

Por fim, o projeto também altera dispositivos da Lei da Medida Cautelar Fiscal (Lei 8.397/92), mas não serão objeto de nossa análise nesse estudo.

Conclusão
O fundamental propósito das atuais reformas do Processo Civil é, sem dúvida, a celeridade na prestação da tutela jurisdicional. Isto foi verificado na execução de título judicial, por meio do regime do cumprimento da sentença, e está se verificando na execução de títulos extrajudiciais, que sumariza e procura garantir ainda mais a satisfação do credor e deve se verificar nos próximos atos com relação à execução fiscal. Caso contrário, a execução fiscal, de processo mais ágil se tornará o processo mais lento no ambiente pós-reforma.

Como ainda vigora o entendimento de que tal agilidade acima da média se justifica em razão da supremacia do interesse público sobre o privado, não se poderia admitir que logo a Lei de Execuções fiscais ficasse para trás ao final da reforma.

A afirmação é irônica, e a conclusão, equivocada. Na verdade, a execução comum sempre foi merecedora das vantagens processuais da Fazenda Pública. O avanço obtido pela Fazenda é que deve ser perseguido pelo legislador, na proteção dos direitos particulares. Se a execução avança, não deve ser apenas no sentido de agilizar o processo – como sempre é desejável – mas também deve eliminar as desigualdades injustificadas, em prol do Princípio da Razoabilidade.

Em matéria de tributos, o CTN já prevê um extenso rol de garantias e privilégios ao crédito tributário. O Estado tem a prerrogativa de constituí-lo unilateralmente, praticamente à revelia do contribuinte, afinal, cabe privativamente à autoridade fazendária efetuar o lançamento [25]. Além, disso, tem meios incrivelmente eficazes para inibir a inadimplência, tais como a exigência cotidiana de certidões negativas, a imposição de multas que podem superar o valor do débito originário (acima de cem por cento), sem falar na sua ampla estrutura de fiscalização e arrecadação.

James Marins, com absoluta atualidade destaca que: “Ao se tornar meros interesses arrecadatórios como critérios jurídicos, máxime para privar o contribuinte de seu patrimônio, desviriliza-se o direito…”, e continua dizendo “Semelhantes ‘tendências’ colocam as garantias do cidadão-contribuinte como simples entraves à arrecadação, buscando a supressão de qualquer obstáculo…omissis…Infelizmente, esta visão inspirou a Lei de Execução Fiscal e continua influenciando a política fiscal do Estado brasileiro que muitas vezes mostra um desapreço exacerbado em relação ao cidadão.” 

De outra banda, é de se reconhecer que a revogação sumária perpetrada pelo projeto abarcou alguns dispositivos repulsados pela doutrina. É o caso – por exemplo – da regra contida no artigo 34 da LEF, que para Araken de Assis “De todos os artigos do diploma, alguns bastante imprecisos, este conseguiu a láurea da incorreção máxima, porque agasalha no seu caput quatro grosseiras impropriedades”. E mais adiante, ao tratar dos dois primeiros parágrafos do mesmo artigo, acrescentou que: “revigoram-se os vetustos e antipáticos embargos de alçada do art. 839 do CPC antigo“.

Em suma: No que tange ao processo de execução fiscal, a tendência é (i) a manutenção dos privilégios para a cobrança dos créditos tributários já contidos na LEF, até mesmo com o alargamento de alguns e a instituição de outros; (ii) a correção de umas poucas impropriedades que, aliás, não eram objeto de aplicação há tempos; (iii) a profunda integração entre o processo administrativo e o judicial e; (iv) a supressão de prerrogativas atribuídas ao devedor, posto que a reforma no processo de execução dos títulos extrajudiciais privilegia o credor (no caso, mais uma vez, a Fazenda Pública) e vingando a supressão de muitos dispositivos até então existentes na LEF, o CPC volta a prevalecer para as execuções fiscais, em caráter subsidiário e de integração na matéria suprimida.

Em se tratando de projeto, é fato que estamos diante de verdadeiro exercício de adivinhação, porém, considerando as recentes mudanças implementadas não há dúvida de que as tendências são claras e iminentes, independentemente do texto a ser aprovado em definitivo.

Referências bibliográficas
[1] MACEI, Demetrius Nichele. In Atualidades do processo civil. Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim (coord.) vol 1. 1 ed. 2 tir. Curitiba: Juruá, 2007.
[2][5] Execução Civil. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.
[3][6] Lei de Execução Fiscal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
[4][7] Leonardo José Carneiro da Cunha, ao defender o tratamento diferenciado da Fazenda Pública na execução fiscal, critica aqueles que utilizam a expressão “privilégios”, sustentando que: “Para que a Fazenda Pública possa contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes para tanto. Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais, identificadas por alguns, como privilégios. Não se trata, a bem da verdade, de privilégios. Estes – os privilégios – consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma discriminação, com situações de desvantagens. As “vantagens” processuais conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contém fundamento razoável, atendendo efetivamente o princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.” (A Fazenda Pública em Juizo. 4 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Dialética, 2006.)
[5] A reforma mencionada, repita-se, refere-se à sistemática de execução de títulos extrajudiciais, dentre os quais inclui-se a inscrição em Dívida Ativa da Fazenda Pública – Art. 585, VI do CPC.
[6] Neste sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello, na obra Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[7] Iso Chaitz Scherkerkewitz, ao tratar das prerrogativas da Fazenda Pública na LEF, salientou que “As prerrogativas, no mais das vezes, possuem o objetivo de colocar em prática o princípio da isonomia, isto é, equilibrar as relações jurídicas na proteção da igualdade substancial, e não isonomia meramente formal.” (Execução Fiscal. Revista de Processo 77/245.)
[8] Art. 5o., inciso XXXV, da CF/88.
[9] Art. 5o., inciso XXXIV, alínea ‘a’, da CF/88.
[10] Art. 7o., da CF/88.
[11] Direito Processual Tributário Brasileiro. 4 ed. rev. ampl. São Paulo, Dialética, 2005.
[12] Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5 ed. 2 tir. São Paulo. RT, 1999.
[13] O artigo 2º da Lei Federal 9.784/1999, também chamada de Lei Geral do Processo Administrativo Federal (LGPAF), contempla expressamente os citados princípios em seu texto.
[14] Vide “justificação” [sic] do Projeto.
[15] Vide nossas Considerações a Nova Lei de Execuções Fiscais. Op. Cit. p. 433.
[16] Vide RTJ 95/321, 90/1091, RF 274/160 e RJTJSP 41/162.
[17]Art. 3o – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou sujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em e cobrada mediante atividade plenamente vinculada.”
[18] Veja-se o artigo 113, combinado com o 139, ambos do CTN. O primeiro define a obrigação tributária principal com a decorrente do tributo e da penalidade pecuniária, e em seguida estabelece que o crédito tributário tem a mesma natureza da obrigação tributária.
[19] Assis, Araken de. Manual do Processo de Execução. 6 ed.rev. ampl. atual. São Paulo: RT, 2000.
[20] Art. 5o da LEF.
[21]Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Embora sem previsão legal, a doutrina tem admitido a defesa do executado, sem oferecimento de penhora, sempre que a matéria argüida diga respeito a vícios intrínsecos ou extrínsecos do título executivo, declaráveis de ofício.” (TRF 4ª Região. 1ª turma. AC 970448355-4/PR. Rel. Vladimir Passos de Freitas. DJU 02.12.1998)
[22]Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
[23] Vide justificação do projeto 2412/2007.
[24] O CTN foi criado por lei ordinária (n. 5.172/66) mas recepcionado como Lei Complementar em virtude do art. 146, III da CF/88.
[25] Art. 142 do CTN.
[26] Direito Processual Tributário Brasileiro. 4 ed. São Paulo: Dialética, 2005.
[27] Manual do Processo de Execução. 6. ed. ver. ampl. atual. São Paulo: RT, 2000.

Fonte: www.conjur.com.br