O interesse destas linhas é outro que não um aprofundamento dos conceitos; na verdade, traçar uma paralelo entre a atividade do juiz e do perito e também indicar alguns pontos destacados em que as atividades pericial e judicial se encontram (as intersecções).
Uma observação inicial é inafastável. A autoridade do perito decorre do binômio conhecimento/isenção. O perito deve estar técnica e eticamente apto a dar um parecer, o que nem sempre ocorre, senão em nossa imaginação, em razão de determinados condicionamentos2.
Isenção: É evidente que, mesmo alguém conhecedor num determinado tema, se tiver qualquer interesse na resposta que dará, mesmo que não seja uma interesse direto e sim simpatia, antipatia, piedade, espírito de corpo etc., pode ter sua autoridade comprometida. Um assistente técnico que não tenha medo de emitir laudos desfavoráveis a quem o nomear terá vida curta no meio profissional, daí, pode surgir um interesse3. Também somos condicionados a acreditar que as autoridades são isentas. Perguntamos ao vendedor, na dúvida sobre a compra, se a mercadoria é boa mesmo ou se o preço está bom, ao garçom se a comida mais cara realmente é melhor (ou mais gostosa) e assim por diante…
Estas afirmações iniciais são necessárias, para que não caiamos na falácia do viés de autoridade, nos fechando a criticar o trabalho de um experto, como ele fosse infalível e o juiz estivesse a ele vinculado, cegamente.
Por seu turno, o perito sendo um auxiliar “ad hoc” do juízo, age nos processos em que for nomeado e também nos limites de sua nomeação, nem mais, nem menos. O perito nomeado para apurar determinado fato, sob o foco científico, não pode apurar outros fatos, nem inserir no laudo temas que possam ampliar a controvérsia ou alterar-lhe o foco. Como a finalidade de sua atuação é o fornecimento de subsídios técnicos para a solução da lide, também ele fica jungido pela litiscontestação, salvo casos especialíssimos em que a própria jurisprudência afirma que sua atuação é ampla no objeto4. A diferença é que, enquanto os pedidos devem ser interpretados restritivamente pelo juiz, o perito deve antever todas as suas implicações, fornecendo ao juiz também os elementos necessários para os parâmetros da decisão (verbi gratia, grau de incapacidade, os índices e fórmulas utilizados para determinado cálculo etc.).
O juiz, somente ele, fixa os conceitos jurídicos e sua aplicação6. Ao perito, não cabe a fixação de conceitos, mas a aplicação de conceitos já estabelecidos em sua ciência ao caso concreto. É incorreto o perito afirmar que a vítima merece ou desmerece indenização ou o adicional “x” ou “y” e sim que ela possui ou não possui incapacidade em tal grau ou teve um prejuízo de “z” ou não emergiram prejuízos do fato etc. É verdade que, muitas vezes, o próprio juiz induz o perito a emitir conceitos ao quesitar, como também é verdade que faz a mesma coisa com testemunhas (ao indagar, por exemplo, se fulano é honesto, ao invés de perguntar o que sabe sobre os fatos que poderiam indicar o contrário).
Para decidir, o juiz percorre todo um “iter”, um caminho, que vai desde a tomada das alegações, a seleção da matéria controversa, a tomada das provas, a análise crítica das provas produzidas até a conclusão. O perito deve proceder do mesmo modo: ler as alegações das partes (constante tanto das petições quanto dos quesitos) e também do juiz (quesitos do juízo); estabelecer, a partir daí, as hipóteses, quais os exames e inspeções que precisará fazer para confirmar ou afastar as hipóteses; realizar os exames e inspeções com o máximo de diligência, sem preconceitos e com rigor científico (para não contaminar os resultados); relatar a pesquisa e os resultados de forma objetiva (ele deve narrar todo o caminho que percorreu até chegar ao resultado, os exames que fez, as hipóteses que acolheu, as hipóteses que restaram infirmadas, os suportes na doutrina que levaram ao acolhimento ou rejeição das hipóteses etc.).
O juiz pode inspecionar o local (art. 440, CPC). O perito também pode inspecionar o local. Aliás, dependendo do tipo de perícia, a verificação do local e a anotação de tudo em detalhes é indispensável (em verdade, apenas em caráter excepcional é que o perito pode dispensar a inspeção do local, ou seja, quando essa providência for absolutamente inútil e puder retardar ou onerar o processo). De qualquer sorte, ao relatar a inspeção, o perito não pode olvidar que só deve registrar o que viu, tomando cuidado para não induzir, nem ser induzido7.
O juiz examina os documentos dos autos e pode requisitar a apresentação de outros, expedir ofícios etc. O perito também pode – e deve – examinar os documentos dos autos, requisitar a apresentação dos que estiverem de posse das partes ou de terceiros8 e, na recusa, comunicar ao juiz para que este mande buscá-los ou apreendê-los ou considere, por exemplo, que a parte é confessa quanto a determinado contorno de fato (a partir do qual o perito construirá o seu laudo).
por fim, o perito converte as hipóteses que se confirmaram em teorias que traduzem a explicação científica das hipóteses que lhe foram submetidas; o juiz, dentre as possíveis soluções jurídicas, faz a subsunção dos fatos às normas, indicando a solução jurídica que lhe pareça mais amoldada ao caso concreto e que melhor preserve o sistema normativo como um todo.
No laudo, o perito deve demonstrar as razões de seu convencimento. Na decisão, o juiz também deve demonstrar, de forma inequívoca, os motivos do seu convencimento. A sentença não se compraz do sim e do não despido do porquê. Não se sustenta uma decisão que se funde em afirmações genéricas (por exemplo, o conjunto da prova demonstra “x” ou “y”) e que não examine criticamente o conjunto probatório, indicando as razões da prevalência de determinada versão em relação a outra etc. Premissas de fato equivocadas induzem a resultados equivocados. Premissas jurídicas equivocadas não podem conduzir a resultado correto (ainda que, em direito, haja um leque de respostas possíveis, mesmo que limitado)9.
Esta visão reducionista culmina por tornar-se a adoção da falácia de autoridade. O argumentum ad verecundiam ou argumentum magister dixit, também conhecido como argumento de autoridade, é uma falácia lógica que apela para a palavra de alguma autoridade a fim de validar o argumento. Este raciocínio é absurdo, pois a conclusão baseia-se exclusivamente na credibilidade do autor da proposição, e não nas razões que ele tenha apresentado para sustentá-la. É verdade que o direito não pode prescindir do uso não falacioso do argumento de autoridade10; o que não se pode admitir é o uso falacioso desse tipo de argumento, a ponto quase de convertê-lo em argumento ad hominem.
O raciocínio é simples: o juiz não é uma autoridade superior ao perito no objeto da ciência do último, ou, como diz o antigo adágio, “o sapateiro não deve ir além do sapato”, ou, como afirma a falácia de autoridade, “Se A (o perito) afirma P (determinado predicado), então P (este predicado está presente)”. Entretanto, tal raciocínio é falacioso, primeiro porque considera que o perito não pode se equivocar em nenhuma hipótese; segundo, porque considera que a autoridade do perito decorre de sua formação e não de sua atuação. O que protege a sociedade dos erros dos juízes (que também são autoridades) é a submissão deles tanto a um corpo normativo (as escolhas dos juízes estão limitadas por ele), quanto a um procedimento (o processo). Afirmar que os peritos, mesmo sem justificar cientificamente suas conclusões ou seguir uma rigorosa metodologia científica, estão sempre corretos em suas falas, é atribuir ao experto um poder que o juiz não possui, não poderia possuir e, portanto, não poderia outorgar, já que o poder do perito tem como fonte primária o juiz.
Em específico, não se sustenta uma decisão que copie e cole a conclusão do laudo, sem examinar se o procedimento utilizado pelo perito possui base científica e se sua conclusão se perfaz numa dedução metodicamente obtida, objetivamente narrada e sem sinais de comprometimento na isenção.
Assim também o perito. O laudo pericial somente é sustentável se for o desfecho de um trabalho rigoroso e primoroso do experto que vai desde o levantamento das hipóteses possíveis com base não apenas nas alegações das partes, mas na sua ciência (há peritos que, sem quesitos, limitam-se à conclusão, sem indicar como chegaram a ela), a observância de um método rigoroso para colocá-las a teste, evitando todo o tipo de preconceito ou influência e, após a realização dos mesmos testes com rigor científico, a elaboração de um laudo que narre, objetivamente, o caminho percorrido e as bases da conclusão.
Há laudos ainda em que o perito limita-se a responder os quesitos, relegando às partes e ao juiz a tarefa de estabelecer as hipóteses prováveis, mesmo que, a falta de conhecimento induza perguntas erradas ou incompletas, que não poderão resultar em respostas corretas e completas. Se apenas uma das partes quesitar, evidentemente buscando respostas que a favoreçam, o laudo tenderá a ser favorável a quem apresentou quesitos. Evidentemente, há apenas o aparente atendimento do múnus pelo perito, que é muito mais amplo e implica, necessariamente, no prévio estabelecimento das hipóteses indicadas por sua ciência, complementando a curiosidade leiga dos demais interlocutores. O perito que assim age, mostra preferir se tornar um refém dos quesitos, por comodismo ou preguiça. Esse agir é tão questionável quanto o do médico que, sem examinar o paciente e apenas com base na sua narrativa, passa imediatamente ao tratamento.
Também o perito pode cair na falácia de autoridade, quando utiliza o entendimento de determinada corrente doutrinária de sua ciência, por vezes ultrapassada, como único fator de convencimento. A ciência jurídica desenvolve-se lentamente; a medicina, a engenharia etc., desenvolvem-se a passos largos, o que impõe ao perito manter-se muito mais atualizado do que o próprio juiz, inclusive para questionar entendimentos consagrados em seu meio científico. Vejam o exemplo da tabela SUSEP e sua genérica utilização para determinação de grau de incapacidade, mesmo sabendo-se que ela não foi criada a partir de critérios científicos, mas pelas seguradoras, de modo a criar um parâmetro para as indenizações.11
Assim como o juiz não pode afirmar que a doutrina e a jurisprudência indicam como alternativas possíveis “x” ou “y”, sem indicar tanto qual seria essa doutrina (o doutrinador e a fonte etc.) quanto a jurisprudência (em específico, para que se possa verificar se o caso apreciado no precedente é realmente similar ao discutido), assim também não pode o perito fazer referências a autoridades em determinados pontos da sua pesquisa sem comprovar a autoridade do subscritor no tema. Dou um exemplo: afirmar que uma doença é degenerativa12 sem indicar quais os elementos da anamnese e da inspeção induziram a esta conclusão, a partir de ampla pesquisa na doutrina médica e não na mera opinião, é inaceitável.
Entretanto, em termos acidentários, o diagnóstico “doença degenerativa” tornou-se o que a virose é em alguns consultórios médicos, ou seja, um genérico confortável e de difícil questionamento, ainda que em muitos casos tecnicamente insustentável e com resultados grotescos, tanto a nível individual (ao levar à rejeição da pretensão) quanto ao nível coletivo (ao manter a exposição de outras pessoas aos agentes patogênicos)13. É evidente que, mesmo sendo degenerativa a patologia, seria equivocado o laudo se não cogitasse a possibilidade de haver algum fator concausal14 que pudesse tê-la antecipado ou agravado. Afirmar, sem demonstrar, caráter degenerativo, e não avaliar os fatores ambientais que possam ter precipitado a condição, é erro crasso e inaceitável.
Ocorre que nem sempre a doença degenerativa possui etiologia genética ou congênita, podendo ser adquirida15. Como exemplo, cita-se a lesão de hérnia de disco vertebral. Uma pessoa pode ser portadora de hérnia de disco decorrente de idade avançada (por degeneração natural da articulação intervertebral), por sobrepeso associado ao sedentarismo (por hábitos alimentares inapropriados associados à hipotrofia muscular – fraqueza). De outro tanto, um trabalhador, mesmo que adulto jovem, também pode adquirir hérnia de disco decorrente de um trauma causado por carregamento repetitivo de peso. Nesse caso, não se trata de etiologia com predisposição do indivíduo, mas sim decorrente do ambiente de trabalho.
Imagine-se o trabalho do chapeiro que carrega e descarrega caminhões com caixas ou sacos de verduras, frutas, tubérculos, entre outros, e as transporta de um ponto para outro, do mercado abastecedor; ou mesmo do trabalhador na construção civil que carrega sacos de cimento, de areia, ou mesmo pedras e cascalho. O volume carregado de forma habitual pode ultrapassar os 50 kg. Referidas atividades impõem ao trabalhador a risco continuado inúmeras lesões, incluindo as lesões de coluna vertebral. O termo “degenerativo” assim, não é um lugar comum para afastar nexos causais, ainda que esteja sendo assim utilizado, em muitos casos.
O juiz, muitas vezes, se vangloria da utilização de uma linguagem incompreensível ao homem comum, considerando-a técnica ou culta. Usa e abusa de jargões jurídicos e de vocábulos há muito rejeitados na linguagem coloquial, mesmo culta, quiçá para dar uma impressão de que possui uma cultura acima da média ou de que a decisão judicial representa a melhor tradição jurídica. O perito não é diferente. O trabalho do experto deveria ser uma ponte entre o conhecimento de sua ciência e o direito, mas pode, em muitas situações, manter-se num hermetismo inalcançável, num emaranhado de vocábulos que deixam na dúvida até os colegas de profissão, do qual se logra obter compreensão mínima, apenas da conclusão.
O pior, no entanto, ainda está por vir. Sentenças fundadas em laudos periciais, mesmo que desfundamentadas (há quem ache motivação suficiente a transcrição da conclusão do perito), possuem estatisticamente uma maior possibilidade de ser mantidas em eventuais recursos. Sentenças que desenvolvem uma longa e dedutiva análise, para desconsiderar a conclusão do laudo pericial, adotando o conjunto da prova (a prova pericial não é soberana e prevalente sobre as demais, apenas faz parte do conjunto probatório que serve ao convencimento do juiz), terão uma possibilidade muito maior de ser reformadas. A fundamentação das sentenças contém esse paradoxo: quanto mais extensa, maior é a possibilidade de que se abram às críticas e, com elas, às reformas; decisões pouco fundamentadas (ou até desfundamentadas, como é o caso das que são mera transcrição de jurisprudência), parecem possuir uma aura de pura racionalidade, além de comungar da autoridade do tribunal que a originou, o que torna mais difícil o despertar das críticas, inclusive pela dificuldade de se refazer o raciocínio do juiz, mormente por não exposto, bem como de se criticar, indiretamente, a corte de que ela deriva.
Assim como o juiz, que precisa se despir de seus psiquismos ao ter que motivar a sentença, também o perito, ao ter que fundamentar o laudo, perceberá o quanto de suas conclusões iniciais não eram sustentáveis e persistirá na pesquisa. Quem não precisa fundamentar (substancialmente, e não apenas formalmente), pode dizer qualquer coisa, seja juiz, seja perito.
O juiz responsável, coerente e fiel à sua vocação, exige isenção e responsabilidade do perito, coerência no laudo etc., fazendo uma análise crítica do laudo pericial, em cotejo com todas as demais provas do processo, para então, e somente então, decidir, inclusive para considerar eventualmente equivocadas as conclusões periciais. Atua também na fase de produção da prova pericial (ou antes dela), requisitando documentos, ouvindo previamente testemunhas etc., tudo para que o perito possa contar com o máximo de elementos, para estabelecer as hipóteses investigáveis; indefere os quesitos inúteis ou protelatórios (já soube de caso em que foram oferecidos 250 quesitos), de forma a tornar a atividade pericial factível e proveitosa.
Desse modo, somente os laudos periciais que derivem de uma visão prévia despida de preconceitos, seguida de uma curiosidade científica focada pelo objeto do processo; que busquem com a maior profundidade possível examinar os fatos, estabelecer as hipóteses, testá-las, separar as juridicamente relevantes e relatar tudo de forma objetiva, e que sejam seguidos de sentenças que, mesmo reconhecendo a autoridade do perito na sua ciência, examinam os laudos de forma crítica, separando as conclusões cientificamente sustentáveis e sustentadas dedutivamente, das meras opiniões travestidas de ciência, refazendo o “iter” seguido pelos expertos e, na impossibilidade, determinando sejam refeitos os laudos ou parte deles, é que farão com que o juiz e as partes não se tornem reféns do perito.
O tribunal deve refazer o mesmo caminho ao julgar o recurso, não se deixando seduzir pelo óbvio: se o juiz observou o laudo, havendo duas autoridades distintas com o mesmo posicionamento, ele deve estar correto17. É a falácia de autoridade em sua visão mais perversa, que cria um verdadeiro “jogo de empurra”. O perito sente-se confortável, porque, mesmo sabendo-se ou desconfiando estar equivocado, conta que o juiz poderá corrigir seus eventuais equívocos ao sentenciar, por não estar vinculado ao laudo. O juiz, mesmo correndo o risco de errar, prefere avalizar o laudo, para errar em boa companhia ou ter uma sentença menos permeável à reforma. O tribunal, mesmo ratificando o erro, terá nos autos somente elementos que corroborem o equívoco, tornando-o aparentemente um acerto. O mais nefasto é que, cria um precedente espúrio e precedentes servem de modelo para outras decisões, num círculo vicioso inaceitável.
Em resumo, a autoridade do juiz e do perito não derivam apenas do cargo ou da nomeação que receberam, nem do presumido e destacado conhecimento que possam ter, mas da demonstração inequívoca, seja pela observância de parâmetros científicos rigorosos na atuação, seja pela explicitação induvidosa do caminho percorrido até a conclusão, de que atuaram com isenção.
Conhecimento nas mãos de quem não é isento, tem o mesmo efeito de uma arma nas mãos de quem não tem princípios. Menos pior seria a isenção, sem conhecimento suficiente, porque ela implicaria em renunciar a nomeação indevida, ou na ávida e incansável busca de auxílio técnico ou no debruçar-se sobre a teoria e os precedentes para alcançar a melhor resposta.
É preciso cuidado para não converter senso comum (do juiz ou do perito) em senso jurídico18. O resultado pode ser desastroso.
Note-se que sequer levantei a hipótese de que, eventualmente, se possa cogitar da existência de má fé ou venalidade, o que afasta a isenção e a autoridade, qualquer que seja. Esta hipótese, à toda evidência, não pode ser considerada como impossível ou inexistente na “praxis”.
Conhecimento e isenção, quando tornados inequívocos pela demonstração, costumam redundar em bons laudos e boas sentenças, tornando mais possível a justiça.
É preciso coragem para cogitar a possibilidade de erro por uma autoridade num assunto, mas o duvidar é o primeiro motor do conhecimento. Sem ele, corremos o risco de converter o erro repetido em hermenêutica jurisprudencial, seguindo a antiga parêmia “error communis facit jus” (o erro comum faz o direito).
Nunca poderemos perder de vista que a opinião universal também pode ser um erro universal e disto deriva o dever de investigar, com profundidade, cada caso, como se fosse o primeiro (para não deixar a curiosidade científica adormecida), como se fosse único (porque é) e como se disso dependesse a justiça (porque depende).
É isso que justifica a nomeação do perito. É nisso que reside o primeiro dever de qualquer magistrado comprometido com a justiça de suas decisões.
3 – Quem pagaria um valor considerável, para complicar a sua situação num processo judicial ? É evidente que, ele pode contrapor a aparente falta de isenção, com um estudo profundo do caso e uma fundamentação esmerada, fulcrada em autoridades isentas, sobrepondo-se assim, ao laudo do perito do juízo que não tenha esse cuidado.
4 TST Enunciado nº 293 – Res. 3/1989, DJ 14.04.1989 – Mantida – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Perícia – Agente Nocivo Diverso do Apontado na Inicial – Adicional de Insalubridade – Causa de Pedir. A verificação mediante perícia de prestação de serviços em condições nocivas, considerado agente insalubre diverso do apontado na inicial, não prejudica o pedido de adicional de insalubridade.
5 O perito deve preocupar-se com o que dizem os especialistas na sua área de atuação e não o que dizem a jurisprudência e a doutrina jurídicas. Ao entrar nessa seara, ele torna-se um leigo e mais, um leigo com a presunção de ensinar especialistas.
6 Já vi peritos usarem os termos, “é devido”, “é indevido”, “o autor tem razão”, “o autor não tem razão etc.”. Já vi testemunhas caírem no mesmo equívoco, expressando conceitos e não fatos… “fulano é culpado”, “sicrano é desonesto” etc. O juiz não deve admitir.
7 se o perito verifica que determinado local ou objeto está em determinada condição, no momento da perícia, não pode, com base nesse fato, afirmar que sempre foi assim etc.; deve verificar vestígios ou documentos que sirvam a demonstrar como era o estado da coisa ou do lugar, no período em que as partes litigantes afirmam ter ocorrido os fatos investigados.
8 Art. 429. Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças.
9 A hermenêutica de Dworkin afirma haver uma única resposta correta, mesmo nos casos mais difíceis. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleção Direito e Justiça).
10 “Argumentar por autoridade significa trazer ao discurso a opinião de pessoa reconhecida em determinada área do saber, para que suas palavras funcionem como reforço à veracidade da tese que se apresenta. Quando o argumentante usa esse tipo de técnica, toma de empréstimo o conhecimento e o renome da autoridade citada e acrescenta-os a seu próprio discurso – por assim dizer, enchendo-o de razão. Por seu alto valor, o argumento de autoridade é um dos mais utilizados nos textos jurídicos, por meio da citação da doutrina. Citar as palavras dos doutrinadores é argumentar por autoridade.” RODRIGUEZ, Victor Gabriel. Argumento de autoridade: a importância da pesquisa da doutrina para o estudante e o profissional do Direito. Disponível em:http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/argumento-de-autoridade-a-importancia-da-pesquisa-da-doutrina-para-o-estudante-e-o-profissional-do-direito/129
11 Hoje há tabelas americanas e europeias que seguem, elas sim, parâmetros científicos, ainda que, haja um grau de variabilidade que elas não podem abarcar (a perda de uma perna para um corredor de maratona e para um pianista, por exemplo, possuem valores diferentes). Exemplo interessante é a Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54ª Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001 e que é adotada pelo SUS, conforme Resolução n. 452, de 10.05.2012, do Ministério da Saúde.
12 O Dicionário Aurélio, define degeneração como Degeneração. [Do lat. degeneratione.] S. f. 1. Ato ou efeito de degenerar. 2. Passagem de um estado natural a outro inferior; alteração para pior; definhamento, estrago, degenerescência. 3. Corrupção, depravação: 4. Abastardamento. 5. Fís. Fenômeno apresentado por um sistema quantificado que tem estados degenerados (v. degenerados); degenerescência. 6. Eletrôn. Realimentação negativa. 7. Patol. Processo ger. irreversível em que, devido a causas diversas, há deterioração celular e conseqüente perturbação funcional, podendo, muitas vezes, evoluir no sentido da necrose. 8. Restr. Alteração de tecido para uma forma funcionalmente inferior, ou menos ativa. [Quando há alteração química do próprio tecido, a degeneração é dita verdadeira].
13 – sucessivas rejeição de pedidos fulcrados em determinada patologia verificada no ambiente de trabalho, fará com que o empregador não tenha razões para modificá-lo, gerando novas patologias ou até, desrespeito deliberado, verdadeiro “dumping social” (BESSA, Leonardo Rodrigues Itacaramby. Direito ambiental do trabalho: contribuições da justiça ambiental. Florianópolis: Conceito Editorial. 2013, p. 92.)
14 caso o trabalhador seja portador de hérnia de disco vertebral, e fosse submetido a tarefas que exigisse carregamento repetitivo de peso, ou mesmo que laborasse em condições deficientes de ergonomia, este poderia ter a sua patologia agravada, o que resultaria em caracterização de nexo concausal. Afirmar que determinadas patologias são degenerativas e não fazer esta análise, é uma irresponsabilidade.
15 – Aqui, faço menção expressa a meu excelente Assessor Fernando Ferreira Moraes, bacharel em direito, mas também formado em Educação Física e Fisioterapia, com pós-graduações e com quem sempre discuto esse tipo de questão. Ele me forneceu subsídios técnicos valiosos para elaborar este artigo.
16 Crença verdadeira justificada é uma definição de conhecimento que afirma para uma pessoa possuir conhecimento de uma coisa, essa coisa deve ser verdadeira, a pessoa deve acreditar que tal coisa é verdadeira, e a crença deve ser justificada. Em termos mais formais, um sujeito S sabe que a proposição P é verdadeira se e só se: 1) P é verdadeiro; 2) S acredita que P é verdadeiro, e 3)S e justificado em acreditar que P é verdadeiro.
17 – Não se pode olvidar que, 100 cientistas lançaram, na Alemanha (1931), o livro “Cem autores contra Einstein”, visando desprestigiar suas investigações e a própria teoria da relatividade. Esses autores, evidentemente, deixaram-se conduzir pelo fato de que Einstein era judeu e havia toda uma campanha anti-semita eclodindo na Alemanha. Quando consultaram o físico genial sobre o livro e o fato de 100 cientistas divergirem dele, ele respondeu: “Se eu estivesse equivocado, um só teria sido suficiente”.
18 Sobre o tema: MANZI, José Ernesto. Senso crítico, senso comum, argumentação jurídica e decisões judiciais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3151, 16 fev. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21097>. Acesso em: 25 out. 2013.