Lá em 1992, as ações coletivas eram novidade no Judiciário gaúcho e brasileiro. Afinal, o CDC recém havia saído do forno em 1990. Aos advogados a grande interrogação ficava por conta de como o Judiciário reagiria a uma legislação inovadora, que efetivamente autorizava alguém a agir (processualmente) em nome próprio na defesa de direito (material) alheio. Numa sociedade individualista como a brasileira, as ações coletivas (class actions do sistema saxão) nem sempre foram bem recebidas.
Hoje, a legitimidade ativa para agir em substituição (não é representação) é ponto pacífico no STJ. A procedência da grande maioria das demandas coletivas, além contribuir para desentupir as prateleiras do Judiciário, vem beneficiando consumidores lesados que inicialmente sequer sabiam da existência das ações. Exemplo são os consumidores desistentes de consórcios que não acionaram as empresas administradoras.
Entretanto, vencida a questão processual, reconhecido o direito das entidades para agir em nome próprio na defesa de direito material alheio, parece mentira, o cumprimento do julgado, com o alcance definido nas decisões, não se mostrou garantido. A frustração não decorre da falta de recursos das empresas demandadas. Tal particularidade é que motivou o signatário a escrever este texto.
Na fase de liquidação de sentença, algumas empresas têm sonegado documentos necessários para o cumprimento do julgado sob diversas desculpas. A principal é o falso argumento de que os documentos não precisam ser guardados por mais de cinco anos. Os livros contábeis apresentados, segundo os peritos, não são suficientes para identificar os lesados e quantificar os danos.
Os procuradores da Cidadania, antevendo a falta de documentos, vêm apresentando quesitos específicos, de modo a que esta questão fosse objeto de estimativa na perícia conduzida. Nesses casos, aproveitando informações disponíveis na literatura e no Banco Central do Brasil, mais alguns dados presentes em cada ação coletiva, permitiram ao Perito nomeado projetar o número de desistentes num determinado grupo consortil, e ainda estimar os valores a que os consumidores têm direito.
O TJRS enfrentou o tema no agravo n. 70032914913. Acórdão da 14ª Câmara Cível do TJ gaúcho, lavrado pela desembargadora Katia Elenise Oliveira da Silva, reformou decisão de primeiro grau, entendendo que ‘ (…) não tendo o recorrido se desincumbido do dever de guarda da documentação relativa ao grupo de consórcio, não pode agora pretender beneficiar-se da própria torpeza, uma vez que desde 1992 tinha conhecimento da necessidade de utilização dos documentos para liquidação do julgado. (…)” .
A decisão colegiada aproveitou as estimativas realizadas na perícia para quantificar os valores da liquidação. Admitindo-se que a decisão venha a ser mantida, o leitor poderia imaginar a seguinte pergunta: como os desistentes não foram nominados, para onde irão os recursos apontados na liquidação?
A resposta é fácil: o Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, criado pela Lei Estadual nº 10.913/97 receberá os recursos. A sociedade certamente saberá aproveitar a existência de tais recursos, em prol dos direitos difusos e coletivos.
Autor: Jorge Alberto Harm Krieger, advogado
Fonte: www.espacovital.com.br