A sociedade brasileira passou os últimos dias preocupada com o que poderia vir do Supremo Tribunal Federal (STF), até que na noite de domingo os brasileiros puderam terminar a semana mais aliviados. Mas, enquanto aguardávamos saber se poderiam ou não serem reeleitos os presidentes da Câmara e do Senado, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, marcou para quarta-feira, 9 de dezembro, o julgamento de um complicado processo de constitucionalidade. Esse julgamento poderá alterar a forma como são corrigidas as dívidas trabalhistas, entre a decisão do juiz e o seu efetivo pagamento.
Essa mesma sociedade vem testemunhando, recentemente, rearranjos institucionais de tal ordem, que até relações contratuais consagradas estão sendo alteradas por mudanças político-econômico sociais conjunturais. A redução das taxas de inflação, a política de juros, a nova legislação trabalhista e as mudanças no cenário econômico vêm produzindo mudanças nas relações sociais por vezes de maneira súbita e inesperada.
Na criação dos novos equilíbrios institucionais deveriam, no entanto, ser melhor observadas regras de cautela e preservação de direitos das partes envolvidas. As dívidas decorrentes de ações trabalhistas, elemento importante dos contratos de trabalho, fazem parte da mesma cesta de bens sociais onde estão as políticas salariais, de emprego, renda e previdência e vêm sofrendo perda de instrumentos de proteção social.
É nesse contexto, de gradual redução da proteção social e mudança em relações contratuais anteriormente estabelecidas, que o STF foi provocado por agentes econômicos situados no polo social dos empregadores a alterar os critérios que definem o valor das decisões da Justiça do Trabalho, entre o fato que gera a ação, a sentença e o seu definitivo pagamento.
Trata-se de importante instrumento de proteção social, que junto com as políticas salariais, de emprego, de renda e de previdência, vêm sendo desidratadas ultimamente. Foram pagos, em 2019, cerca de R$ 30 bilhões aos reclamantes, segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho. É o que está em jogo na próxima quarta, dia 9.
No marco jurídico brasileiro, a coisa funciona assim: uma vez que se complete o julgamento de uma ação trabalhista, a parte perdedora terá os seus débitos corrigidos por um índice de preços do IBGE para manter o valor da ação atualizado monetariamente e pagará uma multa mensal de 1%, que visa não a prever lucro financeiro, mas a desestimular a inadimplência. Quem paga logo o julgado pela Justiça do Trabalho não paga multa.
O sistema vinha girando bem, até que um conjunto de entidades patronais entrou com ações no Supremo que, em última análise, contestaram a sistemática. O ministro Gilmar Mendes julgou, sendo acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Carmen Lúcia, que deverá ser aplicada na fase a partir do julgamento, a taxa Selic. Somente a Selic. Que está em 2% ao ano. Ou seja, se o que foi condenado demorar um ano para pagar sua dívida, pagará uma multa de 2%. E que na fase pré-judicial seja adotado o IPCA para manter os valores atualizados. Com relação ao IPCA, houve unanimidade, com o voto de outros quatro ministros; Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowiski e Marco Aurélio, que entendem, no entanto, que após o julgamento deve ser continuado o uso do IPCA, visando a manutenção do valor da ação.
A desvantagem da regulamentação através do artigo 406 é que, à medida que a partir de determinado ponto do atraso, o ajuste se dará somente pela variação da Selic. Essa é uma taxa construída pelo Banco Central para efeito de política monetária e está, em novembro de 2020, alguns pontos abaixo dos índices de inflação. Em direção oposta, no caso de um atraso pequeno, a multa de 2% pode ser excessiva. Ou seja, traz a possibilidade de uma decisão moral do atraso. Por esta fórmula, cria-se uma espécie de “análise do melhor atraso”, pela qual o inadimplente escolhe o atraso que mais lhe convier.
A Receita Federal dispõe de outros mecanismos punitivos à inadimplência, além da sistemática de juros e multas.
A solução apresentada no voto do ministro Gilmar Mendes acarreta, do ponto de vista econômico, que o valor da condenação não será objeto de atualização monetária plena. Isso pela própria natureza da Selic, que não tem qualquer vínculo com variações de preços do passado. Ela é instrumento de política monetária do Banco Central, sendo considerada como uma taxa básica de juros.
A taxa Selic é índice pré-fixado e sujeito a ingerências políticas. É desvinculada da trajetória da inflação e é definida antes do conhecimento do movimento dos preços. Por poder situar-se abaixo da desvalorização monetária poderá premiar o inadimplente. A taxa Selic é a taxa apurada no Serviço de Liquidação e Custódia do Banco Central, obtida mediante o cálculo da taxa média ponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e que transitam no referido sistema ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos, na forma de operações compromissadas.
Não tem qualquer relação com a atualização monetária plena dos débitos trabalhistas!
Por outro lado, pode-se considerar que a Selic, como se refere à taxa básica de juros da economia, pode ser considerada como fator de cálculo de juros de mora. É o que se poderia chamar de uma proxy, ou seja, um instrumento que possa expressar a remuneração financeira paga, além da atualização monetária plena, para punir financeiramente os atrasos no pagamento da dívida trabalhista.
Caberá aos ministros, Dias Toffoli e Nunes Marques definir a decisão na Corte. Vamos ver se, além de iniciarmos a semana mais aliviados, vamos também terminá-la com um pouco mais de tranquilidade.
Autor: João Fernando Moura Viana, Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. Economista.
Fonte: jota.info