Gilberto Melo

STJ faz megajulgamento para bancos

Disputa: Decisão vai balizar processos de poupadores sobre correção dos planos econômicos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai fazer, na quarta-feira, um megajulgamento sobre a possibilidade de os bancos serem responsabilizados pelo pagamento de bilhões de reais como correção dos planos econômicos Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. Os ministros da 2ª Seção do STJ vão responder a quatro perguntas: quem deve ser responsável pela correção dos planos (os bancos ou o Banco Central); se as ações prescrevem (ficam extintas) em 20 anos; qual o índice de correção em cada plano; se a capitalização de juros deve ser mensal ou anual.

O STJ tem milhares de processos sobre essas quatro questões. Para conclui-los, o tribunal optou por pegar apenas dois recursos, em que estão todas essas questões, e julgá-los. A decisão, nestes dois casos, vai dar o parâmetro para os demais. Ou seja, se o STJ decidir que são os bancos que têm que pagar, todos os outros processos serão decididos dessa forma. Nessa hipótese, os bancos teriam de provisionar os valores a serem pagos nos seus balanços. Mas, se o STJ julgar que o BC é o responsável, será o governo que vai ter que pagar aos correntistas.

As quatro questões colocam os bancos e os consumidores em oposição frontal. “Nós defendemos que os bancos é que devem responder“, afirmou a gerente-jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maria Elisa Novais. “Eram os bancos que tinham a administração das contas, e não o BC.”

Para a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), as instituições financeiras apenas seguiram normas do governo, na implementação de cada plano, e não poderiam ser responsabilizados por isso. No Plano Collor, por exemplo, os bancos corrigiram as poupanças pelo IPC, nos dois primeiros meses de vigência do plano, em março e abril de 1990. Mas, em maio, o BC fez a correção das poupanças que foram bloqueadas pelo governo Collor utilizando o BTNF, que era menor. “A responsabilidade (pela correção) ficou com o BC“, enfatizou o diretor jurídico da Febraban, Antonio Carlos de Toledo Negrão.

A Febraban está utilizando uma decisão tomada em abril pelo próprio STJ para tentar vencer a segunda questão – se as ações envolvendo planos econômicos prescreveram em 20 anos. Naquele mês, o tribunal fixou em cinco anos o prazo para a extinção de ações coletivas dos poupadores. Com base nessa decisão, os bancos derrubaram 1015 ações, de um total de 1030. Só restaram 15. “O Idec vai querer reabrir essa discussão, mas, para nós, está superada“, disse Negrão.

O maior receio dos poupadores é esse entendimento recente do STJ sobre os cinco anos para a prescrição de ações civis públicas“, admitiu Novais. Segundo ela, essa decisão é absolutamente contrária a outras que foram tomadas, antes, pelo tribunal.

A terceira questão é sobre qual índice deve ser aplicado em cada plano. “A jurisprudência do STJ é tranquila a favor do poupador nos planos Bresser e Verão“, disse Novais. No caso do Plano Collor, há, segundo ela, uma diferença. Para valores que ficaram sob livre movimentação, o entendimento é favorável ao poupador, mas, no caso de valores bloqueados pelo governo Collor, é contrário. “Nós defendemos que seja mantida a jurisprudência do STJ“, disse a advogado do Idec.

A Febraban fez um levantamento de vários planos e verificou que há casos em que os poupadores poderão receber muito mais se tiverem direito à correção dos índices. No caso do Plano Collor 2, por exemplo, a entidade avaliou que, se os poupadores tiverem a correção que pleiteiam e, depois, a determinada pelo governo, eles terão um ganho muito maior do que a inflação do período. “Eles deveriam ficar com o índice anterior, que caiu, ou com o novo índice determinado pelo governo. A conjugação de dois índices dá um ganho acima da inflação, gerando um enriquecimento sem causa“, afirmou Negrão.

A quarta questão envolve a capitalização de juros. O STJ tem várias decisões em que fixou que essa capitalização deve ser contabilizada mensalmente apenas a partir de 2001, após a edição da Medida Provisória 1963. Antes de 2001, ela deve ser anual. “A jurisprudência do STJ é que a capitalização mensal é admitida em contratos celebrados a partir dessa MP, desde que pactuada entre as partes“, explicou um integrante do tribunal.

O que a gente entende é que os bancos não descumpriram os contratos no caso de capitalização de juros“, disse Negrão. “Eles não podem ser penalizados com encargos moratórios pelo fato de não terem pago a correção na época de cada plano, pois tinham de cumprir os prazos fixados em lei.”

A questão da capitalização é algo tranquilo“, respondeu Novais. “Ela é mensal. Assim é a jurisprudência do STJ. Estamos muito otimistas na adoção de entendimentos pacíficos do tribunal e trabalhamos para que a jurisprudência se confirme.” 

Bancos e Idec divergem sobre valor das ações
Além das quatro perguntas jurídicas que serão respondidas pelo STJ, o julgamento desta quarta-feira tem uma forte questão econômica como pano de fundo: Qual o valor da causa?

No início do ano, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) estimou em R$ 180 bilhões as perdas dos bancos, caso eles tivessem de fazer a correção das poupanças e das contas de FGTS. Esse prejuízo afetaria diretamente o poder de financiamento das instituições financeiras. Ou seja, teria impactos sobre toda a sociedade.

A Consif informou ainda que existem 550 mil ações sobre planos econômicos nos tribunais, o equivalente a 1% dos processos em todo o Judiciário.

Já os consumidores apresentaram números bem menores. O Idec analisou cinco anos de balanços financeiros de bancos e chegou a provisionamentos de R$ 14 bilhões em ações judiciais envolvendo planos. Este seria o total que os bancos teriam de pagar caso perdessem as ações, nos últimos cinco anos.

O instituto conseguiu ainda um documento enviado pelo Banco Central para a Câmara dos Deputados que mostra que as instituições financeiras pagaram apenas R$ 2,9 bilhões em ações envolvendo planos econômicos nos últimos 20 anos.

A conclusão do Idec: os bancos pagaram muito pouco, logo, eles têm dinheiro de sobra para pagar pela correção dos planos aos correntistas.

Os bancos não têm nada a temer“, afirmou a gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais.

A Febraban não concorda com essa análise. A entidade reconhece que a previsão inicial de R$ 180 bilhões de prejuízo foi reduzida após a decisão do STJ, de abril, que limitou em cinco anos o prazo para o ingresso de ações coletivas envolvendo expurgos inflacionários nos planos econômicos. “Se conseguirmos fazer valer aquela decisão, em todas as ações civis públicas, esse valor vai cair bastante“, avaliou Antonio Carlos de Toledo Negrão, diretor-jurídico da Febraban.

Negrão disse que é difícil estimar o tamanho da redução, pois os departamentos jurídicos dos bancos estão em plena atividade de utilizar o acórdão (resumo da decisão) do STJ para pedir o fim de ações coletivas de correntistas. O acórdão foi publicado na semana retrasada. Antes disso, os bancos já estavam conseguindo extinguir várias ações apenas com o uso da notícia sobre a decisão de abril que foi publicada no site do tribunal. “O acórdão do STJ é, para nós, um grande alívio“, admitiu Negrão.

Na semana passada, o ministro Sidnei Beneti, relator dos dois recursos que serão julgados nesta quarta-feira no STJ, recebeu representantes do Idec e da Febraban em audiências em seu gabinete. Ele ouviu os dois lados e marcou a data do julgamento.

Bancos e consumidores possuem outra disputa no Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita ação da Consif pelo fim da correção das poupanças por supostas perdas nos planos econômicos. Mas, o STF está desfalcado de dois ministros – Eros Grau se aposentou e Joaquim Barbosa está de licença médica. Além disso, o relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e terá de comandar as eleições. Por esses motivos, dificilmente o STF decidirá o caso neste ano.

Autor: Juliano Basile
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