Gilberto Melo

STJ – Indenização por saques indevidos em conta bancária

 

É insustentável a tese de que só é possível fazer retiradas em conta-corrente de cliente bancário por meio do uso do cartão magnético e da senha pessoal. O próprio site da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reconhece a ocorrência freqüente de falhas e fraudes que causam enormes prejuízos ao consumidor dos serviços bancários. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime, não conheceu de recurso do Banco Itaú com base em voto da presidente da Turma, ministra Nancy Andrighi, e manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro favorável a um casal de irmãos de Campo Grande, naquele Estado.

O policial militar Alex Brasil Filgueira de Menezes e sua irmã, a estudante Karla Brasil Filgueira de Menezes, entraram na Justiça do Rio, sob o benefício da justiça gratuita, com um processo contra o Banco Itaú, para se livrarem do dever de pagar R$ 3 mil em razão de saques indevidos em sua conta conjunta. Pediram, também, que o banco lhes devolvesse em dobro o valor cobrado, além de indenização por danos morais, no valor de cem salários mínimos, por todo o sofrimento e humilhação que lhes foi causado no decorrer do episódio.

Segundo o processo, Alex e sua irmã Karla mantinham uma conta-corrente conjunta no Banco Itaú, desde agosto de 1998. Do dia 31 daquele mês a 23 de setembro, cerca de 24 dias, foram feitos cinco saques indevidos de R$ 500,00, totalizando R$ 3 mil, sendo que, nas datas dos saques, o policial militar sequer se encontrava no Estado do Rio de Janeiro. Após inúmeras tentativas de solucionar a questão amigavelmente, os dois entraram na Justiça contra o banco.

A sentença acolheu parcialmente o pedido, declarando a inexistência do débito e condenando o banco a pagar os R$ 3 mil que lhes estavam sendo exigidos, a título de danos materiais e R$ 3,6 mil para cada um dos autores como indenização por danos morais. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio rejeitou a apelação do Banco Itaú e manteve integralmente a sentença, entendendo terem ficado provadas no processo a cautela do consumidor na guarda do cartão magnético e a falha na prestação do serviço pela instituição bancária. Para o TJ/RJ, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, o banco é que deveria ter provado que houve desleixo na guarda do cartão, mesmo porque constitui direito básico do consumidor a facilitação de sua defesa, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor.

Daí o recurso do Itaú para o STJ, alegando que teria agido no legítimo exercício do seu direito quando debitou os saques da conta dos clientes. Argumentou, ainda, ser desnecessário provar a segurança operacional do sistema de saque bancário por meio de cartão magnético, que garante ser incólume a falhas. Sustentou ser fato incontestável que, somente quando revelada a senha pessoal pelo cliente por descaso, negligência ou até mesmo força maior, é que é possível realizar operações na conta bancária por meio de cartão magnético. Rebelou-se, também, contra a condenação por dano moral, que entende não haver existido na hipótese, de maneira a assegurar uma verba indenizatória a esse título. Sustenta que competia aos usuários do cartão provar a falha no sistema, o que não foi feito.

Ao rejeitar o recurso do banco e manter integralmente a decisão recorrida, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, argumentou que a ocorrência de seis saques do mesmo valor em curto espaço de tempo e os depoimentos produzidos pelos correntistas e suas testemunhas autorizavam, na hipótese, a inversão do ônus da prova. Para a ministra, é preciso considerar, na questão, que o sistema de cartão magnético foi instituído pelo banco não por motivo altruísta, mas buscando igualar-se à concorrência e a agilizar seus procedimentos operacionais

Por outro lado, enfatizou a ministra, a operacionalização desse procedimento, inclusive a segurança do sistema, é de responsabilidade da instituição bancária, não detendo o consumidor nenhuma forma de participação ou monitoramento sobre ele. A presidente da Turma considerou ser simplesmente falaciosa a tese defendida pelo banco de que só com o uso do cartão magnético e da senha pessoal é possível fazer retiradas na conta-corrente. Para ela, essa tese não passa de um dogma que não resiste a singelo passar de olhos sobre a crescente descoberta de fraudes e golpes contra correntistas e instituições financeiras, fato inclusive admitido pela Febraban em seu site.

Por isso, entende que a solução para a questão deve procurar harmonizar os interesses dos consumidores e dos fornecedores dos serviços, compatibilizando os sistemas de forma a equilibrar o desenvolvimento tecnológico com a busca do desejável equilíbrio nas relações de consumo. Nesse sentido, impõe-se que o produtor da tecnologia, normalmente o fornecedor, produza também, se é que já não existem, mecanismos de verificação e controle do processo, de forma a comprovar que as operações foram realizadas pelo consumidor ou sob as ordens deste.

Sob esse aspecto, finalizou a ministra, mesmo que não se aplicasse ao caso a inversão do ônus da prova, ainda assim, com base no artigo 14 do CDC, incumbiria ao fornecedor produzir prova capaz de demonstrar o mau uso do cartão ou a negligência na sua guarda pelo correntista. Por tudo isso, não conheceu do recurso do Banco Itaú, mantendo o acórdão do TJ/RJ que beneficiou os clientes.

Fonte: STJ