A interposição do Recurso Especial é uma verdadeira gincana. O recorrente deverá demonstrar a presença de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso referido. Tanto os pressupostos genéricos (legitimidade e interesse, cabimento, tempestividade, regularidade formal, preparo, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer), quanto os específicos do Recurso Especial devem ser satisfeitos.
No que toca aos pressupostos de admissibilidade específicos do Recurso Especial, inúmeras são as exigências trazidas pela Constituição Federal, pelo Código de Processo Civil e pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça para permitir a apreciação do mérito dessa espécie recursal. Dentre tais exigências podemos citar o prequestionamento, a demonstração analítica da divergência jurisprudencial, a limitação da discussão à matéria de direito regulada em lei federal. Muitos desses requisitos são facilmente constatáveis na legislação. Outros foram construídos – alguns até mesmo inventados – pela jurisprudência.
Dentre os obstáculos criados à apreciação do Recurso Especial, um deles se apresenta, costumeiramente, diante daqueles que pretendem levar seus processos a reexame do STJ em sede de Recurso Especial: a súmula 7 do STJ. Segundo o enunciado sumular retro-referido, a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial. Ocorre que nem sempre é simples se compreender a jurisprudência do STJ sobre o tema, eis que, o mesmo tema, muitas vezes é decidido de forma diversa pela Corte, sendo algumas vezes considerado matéria de fato, e, em outras tantas, tratado como matéria de direito.
Veja-se o caso das astreintes, multa prevista no artigo 461 do CPC com a finalidade de compelir o devedor de obrigação de fazer ao adimplemento da prestação que lhe foi imposta. Por força da regra do parágrafo 6º do CPC, o juiz poderá, até mesmo de ofício, modificar o valor ou a periodicidade dessa multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Os casos levados à apreciação do STJ envolvendo tal discussão (redução do valor da multa) têm recebido tratamentos diversos. Em vários precedentes o STJ decidiu que a análise da questão relativa à redução das astreintes não pode ser revista na instância especial, salvo se o valor arbitrado for excessivo ou ínfimo, pois tal procedimento implicaria reexame de circunstâncias fáticas que delimitaram a controvérsia, o que seria vedado pela súmula 7/STJ. Em outros casos, abraçando o corretíssimo entendimento de que a multa por descumprimento de decisão judicial não pode ensejar o enriquecimento sem justa causa da parte a quem favorece, o STJ tem dado provimento a recursos especiais e agravos de instrumento para reduzir o valor da multa a patamares razoáveis, sem entender que isso implicaria em reexame de matéria de fato.
Não são poucos os casos de abuso na fixação e cobrança das astreintes. Litígios de pequeno valor econômico têm alcançado proporções milionárias em razão de tais multas. Até mesmo em processos em tramitação nos Juizados Especiais, onde o valor econômico do litígio não pode ultrapassar 40 salários mínimos, tais multas têm sido fixadas de forma desproporcional, dando origem a penhoras (on line, na maioria das vezes) de milhões e milhões de reais. Em muitos casos a parte esquece o bem da vida pretendido no processo (o principal) e passa a perseguir apenas o recebimento da multa (o acessório).
Não é preciso que se realize o reexame de fatos ou provas para concluir que é excessivo o valor de R$ 1 milhão cobrado a título de multa em uma ação em que se discute a legalidade – ou ilegalidade – da inscrição do nome de um consumidor nos cadastros de proteção de crédito (SPC e SERASA). Basta bom senso.
Cabe ao STJ, reconhecendo que a fixação das astreintes previstas no artigo 461 do Código de Processo Civil não faz coisa julgada material e pode ser revista a qualquer tempo, pacificar seu entendimento sobre a matéria, afastando a aplicação da súmula 7 desses casos e permitindo a redução de tais multas sempre que se mostrarem exorbitantes ou desproporcionais. Isso porque, evidentemente, tal discussão gira em torno de matéria de direito (artigo 461, parágrafo 6º do CPC) e não sobre matéria de fato, não havendo obstáculo à intervenção da referida Corte de Justiça em tais situações.