Qualquer estudo ou apreciação, ainda que circunstancial sobre a comissão de permanência demanda que algumas coisas sejam ditas antes, ou seja, exigirá prolegômenos.
Com efeito, em matéria de encargos moratórios [1], porque disso é que se trata, a comissão de permanência tem histórico vetusto nas normas ancilares do Banco Central, principiando nos idos de 1966, com o previsto no item XIV da Resolução BACEN nº 15. Mais tarde, em 1967, sobreveio a Circular BACEN nº 77 e, em 1976, a Carta-Circular 197. Decorridos vinte anos, veio a lume a Resolução BACEN nº 1.129 de 1986, dispondo sobre a referenciada comissão, enunciando que, em ocorrendo atraso no pagamento das prestações avençadas se facultaria ao mutuante (instituição financeira) cobrar (…) por dia de atraso (…) além dos juros de mora (…), comissão de permanência que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento. (cf. item I da Resolução nº 1.129).
Submetida ao crivo judicial, a comissão de permanência experimentou variadas restrições ao “quantum” que poderia ser exigido pelo credor, e se consolidou, desde logo, a impossibilidade da cumulação da “taxa” de permanência com a correção monetária, arguindo-se que a correção monetária constituindo mera forma de reposição do valor da moeda, não podia mais ser agregada em decorrência dos ditames da Lei 6.899/81. [2]
Em seguida, há também precedentes que esclarecem – ainda que não fosse exatamente necessário – que a comissão de permanência não se cumularia com os juros remuneratórios do contrato de crédito, sendo certo que essa cumulação, por evidente, já não poderia ocorrer porque, no período da mora, o ajuste contratual está suspenso, impedindo a incidência dos encargos de remuneração do capital mutuado. [3]
A Comissão de Permanência e as Súmulas 294 e 296 do Superior Tribunal de Justiça. O limite da “taxa do contrato“.
Mais adiante, o Superior Tribunal de Justiça – escudado em outros precedentes sobre a comissão de permanência – editou duas Súmulas, cujos verbetes são transcritos “verbis”:
Súmula 294 – Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
Súmula 296 – Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
Os precedentes, que suportam os entendimentos sumulados [4] observam, na hipótese do primeiro verbete, 294, que a comissão não significa ato potestativo, ou seja, originado da exclusiva manifestação de vontade da instituição financeira. Porém, a questão mais aguda decorrente de tais Súmulas, remete-se a questão da “taxa do contrato”, e – nesse sentido – o Ministro Pargendler manifesta no REsp 834.968/RS opinião critica ao dizer, “verbis”: Logo, na Sumula nº 294 tomou-se o todo pela parte, conclusão evidente a partir do conhecimento de que o Banco Central não apura a taxa média da comissão de permanência no mercado; apura a taxa média dos juros remuneratórios; e na Sumula 296 confrontou-se a parte pelo todo, quando o proposito era o de evitar que a cobrança simultânea da comissão de permanência e dos juros remuneratórios resultasse em premiação indevida do capital emprestado. Com efeito, a redação dos verbetes no que respeita à própria comissão de permanência, em termos de sua valoração, resultou equivoca, gerando mais confusão do que a luz da estabilização de entendimentos que se pode esperar do texto consolidado. Resta – assim – como parcela relevante dessas Súmulas o oportuno afastamento da consideração da comissão como ato potestativo. [5]
De qualquer sorte, diante dos termos que acabaram de ser consolidados na recentíssima Súmula 492, e que comentaremos, as observações sobre os verbetes 294 e 296 se tornam meros registros históricos, sem qualquer efeito prático aos operadores do Direito, como se convencionou dizer.
A polêmica sobre a cumulação da comissão de permanência com os juros de mora e com a multa contratual. A novíssima Súmula 472 do STJ e a nova concepção sobre a comissão de permanência.
Por último, vem a pelo a questão mais polemica sobre a comissão de permanência e que constituirá o pano de fundo desta apreciação: a possibilidade de cumulação da taxa de permanência com os juros de mora e a sanção penal, prescritas no contrato.
Nesse sentido, o tópico sobre a cobrança cumulada começou a surgir nos Tribunais locais e, pouco a pouco, ganhou realce no Superior Tribunal de Justiça, em particular nos julgados da 2ª Seção. Os fundamentos das decisões que obstavam a exigência cumulativa referiam-se – essencialmente – a dois conceitos, um sobre determinação constante da Resolução BACEN 1.129/86 que vedou cobrar-se qualquer outro encargo além da taxa de permanência, e dois, arguindo que a comissão já teria natureza penal, donde inviável demandar – em face da mora – outras penalidades, como os juros moratórios e a multa. [6]
Com essa definição sobre a inviabilidade da cumulação da comissão de permanência com outros encargos, que ganhou corpo na Corte Superior, a matéria continuou a ser debatida, em seu sentido conceitual, pelo que se seguiu o Recurso Especial 1.058.114 de São Paulo, apreciado e decidido com a natureza de Recurso Repetitivo, o qual – ao fim e ao cabo – deu origem ao verbete da Súmula 472, com o seguinte teor:
Sumula 472 – A cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.
A meu ver e, provavelmente de modo definitivo, solvendo todas as exegeses, “deficitárias e confusas”, no dizer do Ministro Pargendler, que eram manifestadas sobre a comissão de permanência, esse verbete estabelece um novo patamar de compreensão e de pacificação em relação ao espinhoso tema.
O julgamento desse Repetitivo refletiu um embate entre as concepções sobre o tema de parte da Ministra Nancy Andrighi, relatora original, que dava pela nulidade da cláusula contratual que estipulava a comissão de permanência, embora admitisse ser facultada à instituição financeira a cobrança de encargos pela mora, e restou vencida e a posição prevalecente do Ministro João Otavio Noronha, relator para o Acórdão, que afastou a imputação de nulidade que fora suscitada e postulou que, malgrado não se cumulasse a comissão de permanência, com os juros de mora e a multa, tais encargos fossem – ainda assim – considerados para compor o valor final da comissão.
Nessa linha, o julgado resguardou a não cumulação dos encargos moratórios, como reza o verbete sumulado, prestigiando a posição da 2ª Seção, porém, primeiro, evidenciou-se a legitimidade da estipulação contratual da previsão, que fora – algumas vezes – tida como abusiva e, assim, nula, e, segundo, fugindo-se do improdutivo debate sobre taxa do contrato ou taxa de mercado, fixou-se um marco de quantificação, dispondo que o “quantum” da comissão de permanência não poderá ser superior à “soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato”. Dessarte, preservado o sentido sancionador da comissão em face da inadimplência, ao se contemplar e admitir o computo dos juros de mora e da multa, ao menos, não se falará mais em “taxa de mercado”; ou, “taxa divulgada pelo Banco Central”; ou expressões similares, todas indutoras de estéreis e inúteis contendas.
Tenho para mim que, após a edição da Sumula 472, dúvidas não restarão sobre a comissão de permanência, somente cabendo às instituições financeiras redigirem cláusula substitutiva nos seus contratos, incluindo, a meu ver, a Cédula de Crédito Bancário, inobstante os preceitos da Lei 10.931/2004, para expressar o conteúdo do novo verbete.
Notas
[1] Sempre entendi e manifestei, em outras oportunidades, que a expressão “comissão de permanência” é equivoca, embora consagrada no jargão das instituições financeiras. Similarmente, no voto no REsp 1.058.414-RS (repetitivo) que deu origem à Sumula 472, a qual adiante comentaremos, o Ministro Luis Felipe Salomão, cita o Ministro Ari Pargendler, para quem a despeito do consenso de que, inadimplido o empréstimo bancário, o mutuário permanece vinculado a obrigação de remunerar o capital emprestado enquanto ele não for restituído, a manifestação judicial desse entendimento tem sido deficitária ou confusa, fundamentalmente em razão do emprego da expressão “comissão de permanência.”
[2] Assim, dispõe o verbete da Sumula 30 do Superior Tribunal de Justiça pontuando que a comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis. Os precedentes que datam dos idos de 1990 são expressos: “Embargos a execução. Comissão de permanência. Correção monetária. inacumulabilidade. São inacumuláveis a ”comissão de permanência” e a correção monetária nas execuções de títulos de divida liquida e certa.” (REsp 2.369/SP); ou, “Comissão de permanência – Correção monetária. A comissão de permanência, instituída quando inexistia previsão legal de correção monetária, visava a compensar a desvalorização da moeda e remunerar o mutuante. Sobrevindo a lei 6.899/81, deixou de justificar-se aquela primeira finalidade, não havendo de cumular-se com a correção ali instituída. Não ha cogitar de prestação de serviços, por parte do credor que diligencia a cobrança de seu credito, sendo inaceitável compreender-se aquele acessório, entre as tarifas remuneratórias.” (REsp 4.443/SP)
[3] Nesse sentido: “A comissão de permanência é devida para o período de inadimplência, não podendo ser cumulada com correção monetária (Súmula 30/STJ) nem com juros remuneratórios, calculada pela taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, tendo como limite máximo a taxa do contrato (Súmula 294/STJ).” (REsp 699.181/MG)
[4] Um dos acórdãos do STJ que serviu de amparo à Sumula 294, versando o caráter não potestativo da comissão de permanência expressa: “I – A norma protetiva do consumidor, mais nova e específica, regula situações apenas genericamente subordinadas à regra ampla do Sistema Financeiro Nacional. Não sendo caso de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, ou não sendo demonstrada abusividade, aplica-se a jurisprudência tradicional sobre o tema, refletida no enunciado n. 596 da súmula do Supremo Tribunal Federal. II – Consoante se tem proclamado, a comissão de permanência “é aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa média de juros praticada no mercado pelas instituições financeiras e bancárias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seu conjunto, e não isoladamente, pelo que não é o banco mutuante que a impõe”. (REsp 374.356/RS).
[5] Principalmente, no Rio Grande do Sul, se notabilizaram acórdãos do Tribunal de Justiça Estadual, denegando legitimidade à cláusula contratual que instituía a comissão de permanência, sob argumento de que se tratava, enfim, de disposição de caráter potestativo, sujeitando o devedor a percentuais fixados, unilateralmente, pelo credor. Nesse sentido, por exemplo, v. decisão na Ap. Cível 70004657110, no qual, adicionalmente, se observa que, para as situações de mora, seriam suficientes a correção monetária, a multa, e os juros remuneratórios. Entretanto, essa orientação jurisprudencial restou limitada ao Rio Grande do Sul, e, além disso, se revela minoritária, prevalecendo – correntemente – o entendimento pela validade da comissão de permanência. Entre outros arestos, nesse diapasão, da própria Corte gaúcha, vide, v.g., Ap. Cível 70006772271, no qual, remetendo-se às decisões do Superior Tribunal de Justiça, na matéria, reconhece: “Tem o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a contar do julgamento feito pela Segunda Seção, (…) entendido que os juros remuneratórios são devidos até o advento da mora, podendo ser substituídos pela comissão de permanência, calculada pela variação da taxa média do mercado, segundo as normas do Banco Central”.
[6] No Agravo Regimental do REsp 733.297/RS afirma a Corte: “Com relação à cobrança da comissão de permanência, a Eg. Segunda Seção desta Corte já firmou posicionamento no sentido de ser lícita a sua cobrança após o vencimento da dívida, devendo ser observada a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, não sendo admissível, entretanto, seja cumulada com a correção monetária, com os juros remuneratórios, nem com multa ou juros moratórios. Incidência das Súmulas 30, 294 e 296 do STJ. Precedentes (REsp 699.181/MG, AgRg REsp nºs 688.627/RS e 712.801/RS). Em outro aresto, a Corte Superior denota: “Ante o exposto, nos termos do art. 557, caput e § 1º-A, do Código de Processo Civil, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dou-lhe provimento para afastar a limitação da taxa de juros em 12% ao ano e autorizar a cobrança da comissão de permanência, para o período da inadimplência, não cumulada com correção monetária (Súmula nº 30/STJ), com os juros remuneratórios (Súmula nº 296/STJ), com os juros moratórios, nem com a multa contratual, calculada à taxa média dos juros de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada, entretanto, à taxa pactuada no contrato.” (REsp 712.801/RS). Além desses precedentes, cite-se o contido a teor do REsp 357.049/RS, que expressou: “São inacumuláveis a multa e os juros moratórios com a comissão de permanência, em razão do veto contido na Resolução 1.129/86 – BACEN, que editou decisão do Conselho Monetário Nacional proferida com suporte na Lei n. 4.595/64.”
Autor: Cassio M. C. Penteado Júnior, advogado e consultor do escritório Santiago Reis & Tenório Advogados Associados, em Recife (PE)
Fonte: www.jus.com.br