Gilberto Melo

Uniformização das Tabelas F.A.M

A Polêmica da Correção Monetária dos Débitos Judiciais

É conhecida de todos nós a dificuldade que as pessoas em geral têm com as mais simples operações matemáticas. Vivemos num país que ainda não conseguiu demonstrar estabilidade e segurança aos cidadãos, os quais o mantém vivo e produtivo. O sentimento de segurança que cada cidadão merece ter inclui segurança física, segurança quanto à saúde, segurança econômica, segurança quanto ao cumprimento do correto papel dos legisladores e segurança quanto ao correto desempenho do Judiciário de fazer cumprir a Lei, além de vários outros que não vamos aqui enumerar.

Vamos, entretanto, centrar o foco em uma das facetas da segurança: A segurança econômica. O Brasil teve nada menos que sete mudanças de moeda desde a instituição do “Cruzeiro” em 1942, cinco delas a partir de 1986. Dessas sete modificações na moeda de curso legal no Brasil, cinco dividiram o padrão monetário por mil, uma delas dividiu por 2.750 e outra apenas mudou o nome da moeda. A mudança implementada pelo Plano Real foi a mais complicada delas, pelo fato de não se poder apenas voltar a vírgula três casas para trás como se fez nos planos em que se dividiu a moeda por mil. No caso da divisão por 2.750, só com calculadora…

Até então só com uma calculadora comum seria possível manejar valores monetários, mas ao cidadão é exigido também que saiba ainda sobre atualização de valores, diferentes índices de inflação, juros, cálculos exponenciais, etc., que já demandam uma calculadora financeira. Essa necessidade surgiu porque ao lidar com crediário, contas correntes bancárias, aplicações, empréstimos, pagamentos de contas, etc., o cidadão precisa dominar a alquimia matemática processada pelos agentes econômicos ao longo da conturbada legislação, especialmente com referência aos planos econômicos. Então voltamos à primeira sentença deste texto: “É conhecida de todos nós a dificuldade que as pessoas em geral têm com as mais simples operações matemáticas”.

Como se não bastasse apenas o tumulto criado com a substituição de moedas, as mudanças no padrão monetário quase sempre vieram no bojo dos famigerados planos econômicos, com modificações no estado e no valor das coisas que sacudiram o país como se fossem terremotos. Estes planos muitas vezes introduziram mudanças na forma de se corrigir os valores diante da inflação descontrolada, gerando as repulsivas manobras cirúrgicas chamadas “expurgos inflacionários”. Por várias vezes assistimos ao estabelecimento do caos econômico em profundidade, cabendo ao Judiciário fazer cumprir a Lei e restabelecer os direitos do cidadão e das instituições.

Vejamos então, se o Judiciário tem segurança ao decidir e ao transformar em dinheiro os direitos postulados e reconhecidos pela Justiça Brasileira. Entendemos que não, pois na interpretação da parafernália econômica produzida por sucessivos governos o Juiz, como cidadão, tem também dificuldades. Para dar ao Julgador segurança ao tratar de matérias econômico-financeiras e ao cidadão a segurança de que o valor econômico dado à sua pretensão corresponde ao que faz jus, o Judiciário deve prover a sociedade de ferramentas práticas que facilitem a atualização de valores antigos. O mínimo que os Tribunais teriam que fazer seria uniformizar a utilização das tabelas de atualização monetária de valores pretéritos, visando preservar o poder aquisitivo da moeda.

E assim ocorre, vários Tribunais tem as suas tabelas de atualização de débitos judiciais disponíveis na Internet, publicam em jornais ou deixam disponível em xerox nas suas instalações, alguns deles não dando a necessária publicidade a estes instrumentos de atualização de valores. As tabelas de fatores de atualização de débitos judiciais são fundamentais para o estabelecimento da ordem econômica no nível que mais interessa ao cidadão e às instituições, ou seja, como o seu dinheiro é afetado diante da inflação. Além de servirem para a atualização monetária de débitos judiciais estas tabelas acabam por ser usadas como referência pelas construtoras, imobiliárias, condomínios, agentes econômicos em geral e até para transações entre particulares, uniformizando e dando transparência aos cálculos de atualização, através de fatores de correção que embutem todas as mudanças ocorridas no padrão monetário nacional e permitem a atualização de valores por uma simples operação de multiplicação.

As tabelas de atualização monetária têm, no entanto, que enfrentar a questão dos expurgos inflacionários para assegurar ao cidadão e às instituições a tranqüilidade de que o poder de compra da moeda estaria sendo preservado. Infelizmente não é isto que acontece, pois as tabelas de atualização monetária utilizadas pelos Tribunais são variadas, se utilizam de indexadores diversos e levam o usuário a valores atualizados totalmente discrepantes.

No âmbito da Justiça Estadual foi dado um grande passo quando da realização do XI ENCOGE – Encontro Nacional do Colégio dos Corregedores Gerais da Justiça dos Estados e do Distrito Federal, em Agosto/97, na grandiosa cidade de São Luís do Maranhão. Dentre as várias teses defendidas naquele encontro figurou a tese da uniformização da tabela de fatores de atualização monetária para todos os estados na jurisdição da Justiça Estadual. Esta tese foi amplamente debatida entre os Corregedores Gerais de Justiça e aprovada por unanimidade, contemplando todos os percentuais expurgados já decididos pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, instância máxima para a matéria. Assegurou-se a disponibilização da tabela de atualização monetária na Internet por todos os meses a partir de Agosto/97 mas lamentavelmente vários Tribunais Estaduais ainda não implementaram esta uniformização…

Os melhores testemunhos dos benefícios acarretados pela uniformização das tabelas de atualização monetária podem ser prestados pelas Corregedorias dos Estados que já implantaram a tabela uniforme, a qual já inclui os percentuais expurgados pelos planos econômicos e já pacificados pela Corte Especial do STJ.

A sociedade clama com veemência que os Tribunais Estaduais implementem o que já foi devidamente examinado e decidido pelo Colégio de Corregedores. Reivindica, ainda, que os Tribunais Federais e Tribunais Especializados do Trabalho, que têm legislação específica ou interpretação diferente da Justiça Estadual, se assegurem de que em todas as unidades da Federação sejam adotados os mesmos critérios de atualização monetária de valores, incluídos os percentuais expurgados pacificados pelos Tribunais Superiores.

A Justiça Estadual teria, então, totalmente implementada a posição uniforme já adotada que contempla a inclusão dos percentuais expurgados.
A Justiça do Trabalho zelaria para que uma única tabela tivesse vigência para todas as unidades da Federação. Não se fala de expurgos na Justiça do Trabalho, apesar de existirem.

A Justiça Federal, que utiliza quatro tabelas para diferentes propósitos, uma delas que é comum com a Justiça do Trabalho, incluiria nas três primeiras os percentuais expurgados objeto de Súmulas do TRF e pacificação na Corte Especial do STJ, e zelaria para que estas tabelas fossem adotadas em todas as Seções Judiciárias.
Existiriam, então, para todas as unidades da Federação, tabelas uniformes de fatores de atualização monetária, para utilização em todos os Estados da Federação, incluindo os percentuais expurgados pacificados pelos Tribunais Superiores: Uma tabela da Justiça Estadual, outra da Justiça do Trabalho, uma da Justiça Federal para débitos previdenciários, outra para desapropriações, e mais uma para débitos em geral.

Não desconhecemos que esta tarefa é árdua e tormentosa, de que há várias providências a promover para a uniformização, mas é o que o cidadão precisa e reivindica. O resultado imediato deste esforço será a diminuição de um grande volume de processos que enchem as prateleiras do Judiciário em todo o país, discutindo o efeito da corrosão inflacionária sobre a moeda. Em havendo a uniformização do entendimento da atualização monetária dos débitos judiciais com a inclusão dos percentuais inflacionários expurgados, perderão objeto as ações ou os recursos que discutam a adequada preservação do poder aquisitivo da moeda, tornando mais célere e eficaz a prestação jurisdicional.

Após a publicação deste artigo, em 02.09.2002, a Resolução CSJT/008/2005 instituiu a Tabela Única para a Justiça do Trabalho. Veja a íntegra.

As tabelas da Justiça Federal sofreram várias modificações a partir de agosto de 2007, inclusive com a inclusão de percentuais expurgados, visando a implementação, em curto prazo, de tabelas unifornes para todas as Seções Judiciárias, o que dará fim à incompreensível situação atual: Ás vezes cada estado tem a sua tabela, a despeito de que todos são vinculados às mesmas leis e normativos referentes à Justiça Federal.

* O autor é advogado, engenheiro, pós-graduado em contabilidade e especialista em perícias financeiras e cálculos judiciais e extrajudiciais, além de ser o propositor da tabela de fatores de atualização monetária aprovada para todos os estados. www.gilbertomelo.com.br