A controvérsia gira em torno da obrigatoriedade do Ministério Público, quando autor de ações civis públicas, ser obrigado a depositar antecipadamente os honorários do perito com base na legislação processual vigente, ou incorrer na isenção desse pagamento com base na antiga legislação, datada de 1945, que trata desse tipo de ação.
Na decisão preliminar, a ministra Ellen Gracie vislumbrou que o tribunal do Sul afastou, de forma indevida, a aplicação do artigo 18, da Lei nº 7.347, de 1985, estando a decisão suspensa, em confronto com o artigo 97, da Constituição Federal e com a Súmula Vinculante nº 10 do STF, que veda a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público por órgão diverso do tribunal pleno ou órgão especial do respectivo tribunal.
Apesar da grande controvérsia nos tribunais do país sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – competente para apreciar questões infraconstitucionais como a presente – vinha consolidando entendimento no sentido de que o depósito prévio dos honorários seria obrigatório, nos termos da Súmula 232, que havia editado.
Esse entendimento decorre do fato de que a Fazenda Pública, na qual se enquadra o Ministério Público, deve efetuar o pagamento prévio ao perito, por não ser isento de custas e despesas processuais.
Ademais, não se pode obrigar o demandado a custear prova contra ele próprio, inexistindo qualquer previsão normativa que lhe obrigue a adiantar recursos necessários para custear a produção de prova requerida pela outra parte, não se confundindo inversão do ônus da prova, muito comum nas demandas consumeristas, com inversão do ônus financeiro no adiantamento das despesas com atos processuais.
Outro fundamento relevante para essa conclusão decorre do fato que o expert do juízo não pode ser obrigado a realizar seu trabalho de maneira gratuita. Evita-se assim, uma indesejável perícia viciada, pois no caso de derrota do Ministério Público, o perito jamais receberia seus honorários.
Com base nesse posicionamento, entende-se que o artigo 18 da Lei nº 7.347, de 1985, exime o Ministério Público apenas da condenação nas custas e nos honorários advocatícios, cabíveis apenas quando o autor for considerado litigante de má-fé. No entanto, várias decisões em sentido contrário permaneciam isentando o pagamento da verba honorária pelo parquet, aplicando a literalidade da lei.
Diante do impasse criado pelos entendimentos dissonantes, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do ROMS 30812/SP, firmou posição “salomônica” no sentido de ser possível o adiantamento das despesas referentes aos honorários periciais pelo parquet diante da existência de um fundo especial do Ministério Público, formado com as indenizações oriundas das condenações nas ações civis públicas, quando o Ministério Público sagra-se vencedor em demandas.
Nessa esteira, a 1ª Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsps 733.456/SP, decidiu que, conquanto não se possa obrigar o parquet a adiantar os honorários do perito nas ações civis públicas em que figura como parte autora, diante da norma contida no artigo 18 da Lei nº 7.347, de 1985, também não se pode impor tal obrigação ao particular, tampouco exigir que o trabalho do perito seja prestado gratuitamente, afigurando-se plausível se determinar a utilização de recursos do fundo criado justamente para esse fim.
Por todo exposto, compreendemos que a decisão preliminar do Supremo, que reflete apenas o parecer de um dos onze ministros deve ser revista, prevalecendo o entendimento sedimentado pelo STJ. Não se trata de negativa de vigência da legislação citada, simplesmente aplicação da legislação processual atual de forma teleológica, com base nos princípios da isonomia, do devido processo legal e da ampla defesa.
Autor: Jorge Mesquita, advogado da Antonelli & Associados
Fonte: Valor Econômico