No Brasil, anteriormente ao CPC/2015, o ônus da prova era regido pela regra estática. Por meio dessa teoria, cada uma das partes tinha conhecimento, de antemão, de qual espécie de fato teria o encargo de exercer sua atividade probatória. Nos termos do art. 333, do CPC/1973, ao autor caberia provar o fato constitutivo e ao réu, os fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor. Trata-se de uma teoria que garante bastante segurança, pois cada uma das partes tem sempre o conhecimento prévio em relação a quais fatos deve atuar em termos probatórios.
Ocorre que, por diversas vezes, as condições fáticas probatórias de cada uma das partes é diametralmente diferente. A teoria estática, por vezes, gerava uma situação de injustiça, pois a uma das partes simplesmente acabava sendo impossível a prova do seu fato constitutivo por não ter acesso àquela prova. Em uma hipótese de erro médico, quem detinha todas as informações e provas, por exemplo, era o hospital, sendo a parte incapaz de comprovar que houve o erro.
Essa, então, era a teoria adotada em todo o processo civil brasileiro.
Isso começou a mudar quando o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria da inversão judicial do ônus da prova. Nos termos do art. 6º, inciso VIII, do diploma legislativo, o juiz deveria inverter o ônus da prova do fato constitutivo, caso estivessem presentes a verossimilhança das alegações do autor e/ou a sua hipossuficiência. Há de se destacar que, pela teoria da inversão do ônus tem-se uma via de mão única. Ou seja, o ônus da prova apenas era deslocado do autor para o réu, jamais em sentido contrário.
No chamado Código Buzaid, consoante mencionado, não há a previsão da dinamização do ônus da prova, no entanto, a doutrina e a jurisprudência começaram a perceber a insuficiência da distribuição estática para certos casos concretos. A partir da constitucionalização do processo, nomeadamente da aplicação direta dos princípios constitucionais, e em especial dos princípios do acesso à justiça, da cooperação e da adequação procedimental, buscou-se soluções para os casos limites.
Assim, em casos específicos, nos quais se constate a presença da chamada prova diabólica, a aplicação do ônus probatório consagrado no atual CPC pode ferir o direito de acesso à justiça, gerando ao órgão jurisdicional a possibilidade de adequar o procedimento, dinamizando a regra estática do art. 333, em conformidade com os demais direitos fundamentais processuais.
O objetivo da flexibilização das cargas probatórias é a permissão de uma tutela adequada dos direitos e, sobretudo, dos direitos fundamentais processuais. Essa necessidade vem sendo percebida, já há algum tempo, pelo legislador e pelo Poder Judiciário.
Por meio dessa teoria da dinamização:
- Permanece, como regra geral, a distribuição estática. Assim, as partes iniciam o processo tendo conhecimento de quais fatos devem provar.
- No entanto, sendo verificada grande dificuldade probatória de uma das partes, somada com a facilidade da outra, poderia haver a dinamização do ônus da prova, que pode atuar do autor para o réu e do réu para o autor – uma via de mão dupla.
A teoria da dinamização foi adotada pelo CPC/2015 no art. 373. Este texto normativo inicia fazendo menção à teoria estática e aponta, no § 1º, o seguinte:
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Pelo texto normativo, há efetiva consagração da teoria da dinamização dos encargos probatórios no CPC/2015. Para além disso, há o estabelecimento dos requisitos à utilização da técnica.
Inicialmente, do ponto de vista processual, tem-se dois requisitos essenciais:
A) decisão fundamentada do juiz;
B) oportunização à parte de se se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
O art. 357, III, do CPC/2015 estabelece que a dinamização deve ser feita na decisão de saneamento e de organização do processo, no entanto, pode ocorrer de tal alteração ocorrer apenas em momento posterior. O que sempre deve ser preservado é a possibilidade de a parte poder atuar de forma a se desincumbir desse ônus.
Um detalhe que não pode ser ignorado é que a dinamização opera sobre fatos específicos. Ao dinamizar a prova, o juiz deve indicar quais provas serão atingidas pela modificação dos encargos probatórios.
Do ponto de vista material, é possível extrair do § 1º do art. 373 a possibilidade de dinamização quando uma das partes, acentuadamente em relação à outra detenha:
(a) conhecimentos técnicos ou;
(b) informações específicas sobre os fatos ou;
(c) maior facilidade em sua demonstração.
Isso desde que somado com a excessiva dificuldade de produção probatória pela parte adversa.
Esses requisitos devem ser classificados como conceitos jurídicos indeterminados e serão preenchidos paulatinamente pela atuação jurisprudencial e doutrinária.
É evidente que nem toda disparidade de condições probatórias justificará a dinamização, que deve ser utilizada tão somente nas hipóteses em que haja grande dificuldade para a produção de prova de um lado e facilidade do outro.
Vale destacar que a mera facilidade de produção da prova de uma das partes, desacompanhada da dificuldade de produção da parte adversária não parecer ser uma situação apta a justificar a modificação dos encargos probatórios.
No entanto, de acordo com o § 2º, do art. 373, do CPC/2015, a distribuição dinâmica “não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”, o que significa, em outros termos, que ela não pode gerar uma prova diabólica para a outra parte. Assim, por mais que exista a possibilidade da distribuição dinâmica em havendo diferenças nas condições probatórias, ela jamais pode implicar em uma prova diabólica para a parte que venha a receber o novo encargo.
Em resumo do que ocorre no CPC/2015 em diferença para o CPC/1973, tem-se a seguinte situação:
A) a regra permanece sendo a distribuição estática;
B) caso haja excessiva dificuldade para cumprir o encargo, somada com maior facilidade da parte adversa, deve o juiz dinamizar o ônus da prova;
C) essa distribuição não pode gerar prova diabólica para a outra parte;
D) a decisão de dinamização deve ser fundamentada, indicando que fatos terão os encargos probatórios alterados e permitir à parte a desincumbência desse ônus.
Fonte: www.jusbrasil.com.br