Introdução
Visando maior celeridade ao processo comum, e, diga-se de passagem, muito influenciado pelo procedimento mais rápido da Justiça do Trabalho, a lei n. 11.232/2005 veio para estabelecer a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e revogar dispositivos relativos à execução fundada em título judicial.
Com isso, abriu-se campo para uma gigante controvérsia a respeito da aplicação ou não de um artigo específico, introduzido pela referida lei – o 475-J do CPC – que estipula multa de 10% ao devedor quando este, sendo condenado a valor certo ou já liquidado, não pagar a quantia em 15 dias.
Busca-se no presente artigo, através de pesquisa jurisprudencial e doutrinária, realizar uma análise e compilação dos principais argumentos utilizados por duas grandes correntes do nosso atual ordenamento jurídico.
Aplicação de Normas Subsidiárias ao Processo do Trabalho
Lei de Execução Fiscal Contra a Fazenda Pública
Inicialmente, de esclarecer que, para a execução trabalhista, há previsão expressa no sentido de que as regras a se buscarem em casos de omissão são as que regem a Execução Fiscal Contra a Fazenda Pública, lei nº 6.830/80. Esta disposição está no artigo 889 da CLT: “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”.
Por outro lado, o artigo 1º da Lei nº 6.830/80 reza que: “A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”
Deste modo, havendo omissão na lei em comento, aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.
Código de Processo Civil
De forma geral, todas as decisões, seja para deferir ou indeferir, precisam passar pela discussão a respeito da omissão e compatibilidade, impostas pelo legislador, e este é o maior ponto controvertido, pois se não há omissão e compatibilidade não há se falar em aplicação subsidiária. Mais ainda, se não há omissão, não há sequer se discutir a compatibilidade.
O artigo 769 da CLT dispõe que: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Omissão
A omissão de que trata o artigo 769 da CLT é legislativa, no sentido de que, havendo omissão na lei trabalhista, deverá o aplicador do direito se valer das regras do processo comum, respeitando o segundo requisito, a compatibilidade.
Não raras vezes, a legislação é omissa, principalmente no ramo do Direito do Trabalho (material e processual), onde se teve uma crescente demanda nos últimos anos, desde a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943 até os dias de hoje, sem que a legislação acompanhasse essa evolução.
A legislação não só é, como pode ser omissa, até porque dificilmente conseguirá prever todos os casos possíveis, contudo o direito não poderá nunca se omitir, sob pena de ferir o princípio da congruência, (artigo 128 do CPC) segundo qual “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta […]”.
Para o melhor entendimento acerca do assunto, importante se faz conhecer o conceito de omissão na acepção jurídica da palavra, especialmente para o direito processual do trabalho.
Maria Helena Diniz (2006)[1] menciona haver três hipóteses de lacuna:
1ª) normativa, quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva; e 3ª) axiológica, no caso de ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta.
Compatibilidade
A palavra compatível, no dicionário Aurélio[2] significa: “Que pode coexistir. Que pode ser combinado com outra(s) coisa(s) sem conflito ou oposição. Que há compatibilidade.” Por seu turno, o dicionário jurídico[3] traz a conceituação da palavra compatibilidade como: qualidade daquilo que é compatível, isto é, do cargo ou função que pode ser exercida, cumulativamente, com outro, sem que possa haver oposição. Do mesmo modo, expressa a natureza de direitos ou ações que podem ser exercitadas simultaneamente, sem que um possa ser respeitado pelo outro.
Pela compatibilidade, permite-se a cumulação. E, assim, se cumulam cargos, cumulam-se ações ou se cumulam pedidos.
Aplicabilidade
Muitos tribunais vêm interpretando de forma pacífica que é possível a aplicação da multa no processo do trabalho. É o que se verifica através de pesquisa nos sites dos Tribunais Regionais do Trabalho, em suas bases jurídicas, mais precisamente súmula/orientação jurisprudencial. Vejamos:
3ª Região, Minas Gerais[4]:
30. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. APLICABILIDADE AO PROCESSO TRABALHISTA. A multa prevista no artigo 475-J do CPC é aplicável ao processo do trabalho, existindo compatibilidade entre o referido dispositivo legal e a CLT.
4ª Região, Rio Grande do Sul[5]:
ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 13 – MULTA DO ART. 475-J DO CPC. A multa de que trata o art. 475-J do CPC é compatível com o processo do trabalho. RESOLUÇÃO Nº 13/2012 Disponibilizada no DEJT dias 13, 14 e 15.6.2012, considerada publicada nos dias 14, 15 e 18.6.2012.
8ª Região, Pará e Amapá[6]:
Súmula Nº 13 da jurisprudência predominante do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, que terá a seguinte redação: “MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC. APLICAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. A aplicação subsidiária da multa do artigo 475-J do CPC atende às garantias constitucionais da razoável duração do processo, efetividade e celeridade, pelo que tem pleno cabimento no processo do trabalho.” SALA DE SESSÕES DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO. Belém, 17 de fevereiro de 2011.
20ª Região – Sergipe[7]:
10) MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J DO CPC – APLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. É aplicável ao processo trabalhista a multa prevista no artigo 475-J do CPC, diante da omissão da CLT quanto aos meios executivos de coerção e da compatibilidade entre tal penalidade e a legislação exigidas no artigo 880 consolidado.
De forma não sumulada, existem, ainda, alguns tribunais que possuem uma tendência forte em aplicar o artigo 475-J do Código de Processo Civil, conforme as decisões abaixo ementadas:
RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA RECLAMADA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. Entende-se que, contribuindo para diminuição da duração do processo e para efetividade da prestação jurisdicional, deverá haver aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC no âmbito das execuções trabalhistas, observadas as cautelas necessárias no sentido de intimar-se a parte devedora, através até mesmo de seu patrono (§1º do art. 475-J), para no prazo de 15 (quinze) dias efetuar o pagamento da dívida, sob pena de aplicação da aludida multa de 10% sobre o saldo devedor. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. DOENÇA OCUPACIONAL. Não se verifica nexo de causalidade ou concausalidade, incapacidade laborativa ou culpa da reclamada, capazes de ensejar a nulidade da dispensa, a reintegração ou readmissão do reclamante, a indenização por danos morais e materiais, ou o restabelecimento do plano de saúde obreiro.(TRT 17ª R., RO 0017600-42.2013.5.17.0014, Rel. Desembargador José Carlos Rizk, DEJT 29/07/2014 ).
Multa do art. 475-J do CPC. Aplicabilidade no processo do trabalho. O art.475-J do CPC aplica-se ao processo do trabalho. (TRT 1° R., AP 00908002319955010026, Rel. José Geraldo da Fonseca, DEJT 26/03/2010).
[…] MULTA DO ART. 475-J DO CPC. CONCRETIZAÇÃO DA TUTELA JUDICIAL EFETIVA. APLICAÇÃO AO PROCESSO DO TRABALHO. A multa do art. 475-J do CPC é aplicável ao processo do trabalho, pois configurada a lacuna legislativa, que não se caracteriza com a simples ausência de tratamento legal, mas que ocorre também quando o sistema processual trabalhista é superado com a introdução no processo comum de medida capaz de conferir mais eficiente tutela jurisdicional. No caso, conquanto a matéria seja objeto de regulação na CLT (art. 880), a lacuna legislativa decorre da circunstância de o avanço legislativo conferido pela Lei nº 11.232/2005 ensejar maior poder coercitivo para cumprimento da obrigação, potencializar a tutela judicial efetiva e proporcionar melhores meios para garantir a razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII). […] (RO 00469-2012-103-22-00-8, Rel. Desembargador ARNALDO BOSON PAES , TRT DA 22ª REGIÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/6/2013, DJT 13/6/2013 p. não indicada)
ARTIGO 475-J DO CPC. APLICAÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO. Curvando ao entendimento da Turma, na composição dos membros efetivos, ressalvado o entendimento pessoal da Relatora, e assim considerando que as novas disposições do CPC trazidas pela Lei nº 11.232/2005, buscam a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, adequando-se, inclusive, ao disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, sua aplicabilidade nesta seara é perfeitamente possível e, até, recomendável, ante sua compatibilidade incontestável com os princípios norteadores do processo do trabalho, destacando-se, inclusive, que a omissão preconizada no artigo 769 da CLT deve ser entendida, também, em seu aspecto principiológico. Recurso não provido. (TRT 23ª Região, processo nº 0000246-51.2013.5.23.0106, Rel. MARA APARECIDA DE OLIVEIRA ORIBE, publicado em 13/06/2014)
Para estes o artigo 475-J do CPC preenche os requisitos necessários (artigo 769 da CLT) para sua aplicação subsidiária no processo do Trabalho, ou seja, entendem ser a norma trabalhista omissa, bem como haver compatibilidade entre as normas e princípios do direito do trabalho.
Muitos autores também já sinalizaram pela aplicação do instituto no processo trabalhista, conforme veremos.
Mauro Schiavi[8] demonstrou seu posicionamento favorável ao discorrer que:
Para nós, o art. 475-J do CPC se encaixa perfeitamente ao processo do trabalho, pois compatível com os princípios que regem a execução trabalhista, quais sejam:
a) ausência de autonomia da execução em face do processo de conhecimento;
b) lacuna de efetividade da legislação trabalhista;
c) celeridade, efetividade e acesso real do trabalhador à Justiça do Trabalho;
d) interpretação sistemática dos arts. 841 e 880 da CLT.
E continua:
Estamos convencidos de que o Juiz do Trabalho não deve se apegar à interpretação literal da CLT e bloquear os avanços da Legislação Processual Civil na Execução. O credor trabalhista, na quase totalidade das vezes, tem um crédito alimentar cuja satisfação não pode esperar, sob consequência de ineficácia de todo o esforço judicial para se fazer justiça na fase de conhecimento.
Sérgio Cabral dos Reis, professor universitário que figura como colaborador no livro de Luciano Athayde Chaves, entende ser aplicável a multa de 10% no processo do Trabalho e argumenta que:
A aplicação da multa, segundo pensamos, contribuirá para a busca da efetividade do processo, uma vez que somente terá como destinatário o devedor que tiver patrimônio suficiente a se sentir psicologicamente pressionado a quitar logo o crédito.[9]
Inaplicabilidade
Ao contrário do posicionamento analisado no tópico anterior, aqui demonstraremos doutrinadores e decisões que afirmam que não há omissão na CLT; que esta traz diretrizes mais que suficientes para execução do processo, não se podendo admitir o argumento da falta de regulamentação da matéria, já que esta, em seus artigos 880 a 883, trata da execução de sentença:
Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.
§ 1º – O mandado de citação deverá conter a decisão exequenda ou o termo de acordo não cumprido.
§ 2º – A citação será feita pelos oficiais de diligência.
§ 3º – Se o executado, procurado por 2 (duas) vezes no espaço de 48 (quarenta e oito) horas, não for encontrado, far-se-á citação por edital, publicado no jornal oficial ou, na falta deste, afixado na sede da Junta ou Juízo, durante 5 (cinco) dias.
Art. 881. No caso de pagamento da importância reclamada, será este feito perante o escrivão ou chefe de secretaria, lavrando-se termo de quitação, em 2 (duas) vias, assinadas pelo exequente, pelo executando e pelo mesmo escrivão ou chefe de secretaria, entregando-se a segunda via ao executado e juntando-se a outra ao processo.
Parágrafo único. não estando presente o exequente, será depositada a importância, mediante guia, em estabelecimento oficial de crédito ou, em falta deste, em estabelecimento bancário idôneo.
Art. 882. O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no Art. 655 do Código de Processo Civil.
Art. 883. Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.
O argumento de que não há omissão é no sentido de que os referidos artigos trazem prazos, formas e procedimentos para a execução da sentença, assim o direito processual do trabalho possui regramento específico. Consideram não haver compatibilidade porque a sistemática desses ramos se difere, uma vez que o artigo 475-J do CPC fixa prazo de 15 dias para o executado saldar a dívida sob pena de multa de dez por cento sobre a quantia da condenação e o artigo 880 da CLT impõe prazo de 48 horas para que o executado pague o débito ou garanta a execução, sob pena de penhora, sendo nítida a diferença dos prazos.
Aqui, importante mencionar a lição de José Aparecido dos Santos[10]:
Quanto à multa de dez por cento, julgamos ser também inaplicável ao processo do trabalho. Ocorre que esta penalidade pecuniária está intimamente ligada ao sistema instituído pelo art. 475-J, consistente em deslocar o procedimento da execução para o processo de conhecimento. Como este dispositivo do CPC não incide no processo do trabalho, em virtude de a execução trabalhista ser regida por normas (sistema) próprias (arts. 786 a 892), inaplicável será a multa nele prevista.
Neste sentido, tem-se a opinião do Ministro Brito Pereira[11]:
O relator reconhece a angústia do juiz do trabalho, em especial no momento da execução, para assegurar a efetivação da sentença e a celeridade da tramitação processual, e ainda garantir o devido processo legal às partes. Contudo, na opinião do ministro Brito Pereira, as normas em questão são incompatíveis. Enquanto a regra do artigo 475-J do CPC fixa prazo de 15 dias para o executado saldar a dívida sob pena de ter que pagar multa de dez por cento sobre a quantia da condenação, o artigo [880] da CLT impõe prazo de 48 horas para que o executado pague o débito ou garanta a execução, sob pena de penhora.
Outro ponto bem discutido nos tribunais e pelos doutrinadores, é o fato de utilizar somente uma parte da norma, aplicando a multa prevista e deixando de lado o prazo e a adoção do procedimento do artigo 614, inciso II do CPC[12], o que enseja a aplicação – tão criticada – da teoria da acumulação, ou atomismo, cuja lição de GODINHO[13] é esclarecedora:
A teoria da acumulação propõe como procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas, o fracionamento do conteúdo dos textos normativos, retirando-se os preceitos e institutos singulares de cada um que se destaquem por seu sentido mais favorável ao trabalhador. À luz dessa teoria acumulam-se, portanto, preceitos favoráveis ao obreiro, cindindo-se diplomas normativos postos em equiparação.
A vertente da acumulação é bastante criticável, do ponto de vista científico. É que ela claramente conduz a uma postura analítica atomista, consubstanciada na soma de vantagens normativas extraídas de diferentes diplomas. É verdade que ela enseja o encontro de um saldo normativo fortemente favorável ao trabalhador. Contudo, não é menos verdade que o faz ao preço de liquidar a noção de Direito como sistema, tornando as operações de interpretação, integração e aplicação das regras jurídicas extremamente erráticas e verticalmente submetidas à formação ideológica particular de cada operador. Mais que isso, tal teoria suprime o caráter universal e democrático do Direito, por tornar sempre singular a fórmula jurídica aplicada a cada caso concreto.
Sendo que a teoria aceita em nosso ordenamento é a do conglobamento, que mais uma vez, as palavras de Godinho ensinam:
A teoria do conglobamento é certamente a mais adequada à operacionalização do critério hierárquico normativo preponderante no Direito do Trabalho. A seu favor tem a virtude de não incorporar as apontadas distorções da teoria da acumulação, além de ser única teoria a harmonizar a flexibilidade do critério hierárquico justrabalhista com a essencial noção de sistema inerente à ideia de Direito – e de ciência.
Nesse aspecto, considerando que utilizar apenas parte da norma e ignorar o restante importa em milhões de hipóteses de novas regras, questiona-se a segurança jurídica.
Afirma-se, ainda, que o artigo 889 da CLT não pode ser esquecido, pois expressamente determina que na execução trabalhista, a Lei de Execuções Fiscais Contra a Fazenda Publica é que possui aplicação imediatamente subsidiária.
Sobre o assunto, José Aparecido dos Santos[14] diz:
É seguro salientar que na execução trabalhista, a aplicabilidade das disposições do processo civil somente é aventada se as normas contidas na Lei n. 6.830/1980 não forem suficientes para reger a matéria, consoante os ditames do art. 889 da CLT e art. 1º da lei mencionada […]
Portanto, é crucial obter-se conhecimento do parâmetro para análise da lacuna ou não da legislação processual trabalhista, por meio tas teorias da acumulação e do conglobamento.
Alguns autores entendem que a aplicação da multa, implica em ferimento, de forma analógica, ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988, violando os princípios como o devido processo legal, reserva legal e ampla defesa. Exemplifica o fato de o Código de Processo Civil não prever o prazo para a apresentação de embargos à execução.
Alguns Tribunais defendem estas teses como será mostrado a seguir, inclusive com a edição de súmulas, em número menor se comparado com as súmulas de posicionamento contrário, mas não menos importantes:
TRT 12ª Região SC
SÚMULA N.º 34 – “ART. 475-J DO CPC. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. A cominação prevista no art. 475-J do CPC é inaplicável ao processo do trabalho.”
TRT- 18ª Região Goiás
SÚMULA Nº 13PROCESSO DO TRABALHO. ART. 475-J DO CPC. INAPLICABILIDADE. É inaplicável ao processo do trabalho a multa prevista no art. 475-J do CPC, porque a matéria nele tratada possui disciplina própria na CLT. (Alterada pela RA nº 90/2012, DJE – 17.10.2012, 18.10.2012 e 19.10.2012)
MULTA. ART. 475-J DO CPC. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. A aplicação de parte do caput do art. 475-J do CPC, em substituição ao processo de execução regulado pela CLT, viola o disposto no art. 769 consolidado e derroga as normas celetistas que disciplinam referido procedimento. (TRT-1 – AP: 01732006720005010043 RJ , Relator: Angela Fiorencio Soares da Cunha, Data de Julgamento: 27/11/2013, Terceira Turma, Data de Publicação: 10/12/2013)
MULTA. ARTIGO 475-J DO CPC. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. Não há como se aplicar o dispositivo contido no art. 475-J do CPC, quando inexiste omissão na CLT no procedimento de cobrança do título judicial, como se infere do teor dos artigos 876 a 892. Não há porque buscar a via supletiva consagrada no art. 769 do mesmo diploma. Recurso Ordinário ao qual se dá parcial provimento. (TRT-6 – RO: 1269200731106003 PE 2007.311.06.00.3, Relator: Zeneide Gomes da Costa, Data de Publicação: 01/07/2008)
MULTA DO 475-J DO CPC- INAPLICABILIDADE. Resguardado particular entendimento desta Relatoria sobre a possibilidade de aplicação da multa do artigo 475-J do CPC, no Processo do Trabalho, adoto posicionamento do TST, no sentido de não acomodar, nesta Especializada, o referido dispositivo, ante a ausência de omissão no art. 880 da CLT, o que desautoriza a aplicação subsidiária das regras processuais civis. (TRT-20 – RO: 4406120105200002 SE 0000440-61.2010.5.20.0002, Data de Publicação: 23/03/2011)
As posições dos Tribunais, tem se mostrado cada vez mais confusas, porém a Alta Corte, o Tribunal Superior do Trabalho já manifestou o seu posicionamento pela inaplicabilidade deste dispositivo ao processo do trabalho, utilizam-se dos mesmos argumentos apresentados neste tópico, como o fato de existir procedimentos próprios e específicos previstos na CLT, bem como haver a previsão legal de utilização subsidiária da Lei de Executivos Fiscais nos casos de omissão, para tão somente valer-se de procedimento comum:
APLICAÇÃO DO ART. 475-J DO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO. I – A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil na Justiça do Trabalho, a teor do art. 769 da CLT, está vinculada à harmonia com a sistemática adotada no processo trabalhista. II – Na Justiça do Trabalho, para o início da execução, o juiz ordenará que se extraia mandado de citação , a fim de que o executado pague a quantia devida em quarenta e oito horas ou garanta a execução, sob pena de penhora, a teor do art. 880 da CLT. III – A unidade e coesão interna da norma do art. 475-J contrapõe-se às normas do Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 876 a 892), mormente no que se refere à citação do executado para pagar a quantia devida no prazo de quarenta e oito horas. IV – O intuito de imprimir celeridade à fase de execução nos julgados trabalhistas não pode se contrapor aos preceitos legais que regulam a execução no Judiciário Trabalhista, sob pena de afrontar o espírito do legislador e transformar a ordem jurídica em uma série de fragmentos desconexos. V – Recurso provido. RELAÇÃO DE EMPREGO – CARACTERIZAÇÃO. I – O apelo, quanto a este tópico, acha-se desfundamentado, nos termos da Súmula 422 do TST, na medida em que a recorrente, em suas razões, não impugna os fundamentos adotados na decisão recorrida, limitando-se à mera e inócua afirmativa de que -a decisão Regional também afronta o art. 3º da CLT, porquanto defere o pedido de relação de emprego, mesmo não estando preenchidos todos os requisitos do referido dispositivo legal, o que se impõe a reforma da r. decisão-. II – Recurso não conhecido. HORAS EXTRAS – EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA – HIPÓTESE DO ART. 62, II, DA CLT. I – O Colegiado de origem, ao afastar o enquadramento do reclamante na exceção prevista no art. 62, II, da CLT, dirimiu a controvérsia com base no conjunto probatório dos autos, orientando-se pelo princípio da persuasão racional do art. 131 do CPC e pelo critério do ônus subjetivo da prova (art. 818 da CLT c/c 333 do CPC). II – Inviável, assim, indagar sobre o exercício de função de confiança, pois implicaria revolvimento de fatos e provas, sabidamente refratário à cognição desta Corte, na esteira da Súmula nº 126 do TST, razão pela qual não se vislumbra a violação ao art. 62, II, da CLT. III – Recurso não conhecido. (TST – RR: 465003020065010045 46500-30.2006.5.01.0045, Relator: Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 18/03/2009, 4ª Turma,, Data de Publicação: 07/04/2009)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RITO SUMARÍSSIMO – MULTA – ARTIGO 475-J DO CPC – INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. Agravo de Instrumento provido ante a possível ofensa ao art. 5º, LIV, da Constituição da República. II – RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. MULTA – ART. 475-J DO CPC – INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. O fato previsto no artigo 475-J do CPC – não-pagamento espontâneo da quantia certa advinda de condenação judicial – possui disciplina própria no âmbito do Processo do Trabalho (art. 883 da CLT), não havendo falar em aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST – RR: 929007320085040005 92900-73.2008.5.04.0005, Relator: Carlos Alberto Reis de Paula, Data de Julgamento: 08/06/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2011)
Considerações Finais
Concluindo o trabalho até aqui desempenhado, entendemos relevante demonstrar nosso posicionamento acerca do assunto, bem como os motivos que nos convenceram.
Fazendo a análise dos requisitos essenciais (artigo 769 da CLT) para a aplicação de normas subsidiárias ao processo trabalhista, pensamos que:
a) OMISSÃO: resta caracterizada, não por ausência de norma, ou seja, lacuna normativa, mas por haver lacuna ontológica e axiológica, segundo os conceitos já vistos no tópico “2.2.1.” deste artigo;
b) COMPATIBILIDADE: neste aspecto não se verifica. Vejamos:
Em que pese a CLT mencionar em seu artigo 880[15] que, requerida a execução e não a terminologia cumprimento de sentença, bem como utilizar o termo citação, e de fato é feita uma nova citação, o procedimento da Justiça de Trabalho na prática ainda pode ser considerado mais ágil que a Justiça Comum. Explicamos.
Na prática, proferida a sentença, requerida a execução, os atos são, via de regra, iniciados de ofício pelo magistrado, no mesmo processo, funcionando como uma espécie de intimação para efetuar o pagamento, ou garantir o juízo em 48 horas.
Diferente da maneira como era realizada na Justiça Comum, antes da lei n. 11.232/2005, onde o credor para ver seu crédito satisfeito necessitava ingressar com nova ação, autônoma, para executar a decisão – e aí ainda tinha a demora para o recebimento da petição e citação inicial.
Por isso, não se pode olvidar que a reforma trouxe grandes avanços para o processo civil, pois agora se tem o cumprimento da sentença de forma muito semelhante ao que já ocorria com a Justiça Especializada.
Ressalta-se ainda que a aplicação do artigo 475-J do CPC, se torna inviável/incompatível quando se verifica que o prazo para cumprir a sentença sob pena de multa é de 15 dias e o argumento de que referido prazo inicia ainda antes da execução forçada não nos convence, na medida em que as decisões, mesmo no processo civil, onde tem aplicação a multa, entendem que somente é devida após a intimação, ou seja, praticamente no mesmo ato em que seria realizada, no processo do trabalho, a intimação para pagamento em 48 horas:
APELAÇÃO. NEGATIVAÇÃO DO NOME. CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO. DANOS MORAIS DEVIDOS. MULTA DO ARTIGO 475J, CPC. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. Responde objetivamente o fornecedor de serviços, pela inscrição nos cadastros de proteção ao crédito, de pessoa com quem jamais firmou qualquer espécie de negócio. O dano moral se configura simplesmente pela inscrição irregular do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, ou pela manutenção indevida da negativação, ainda que o consumidor possua outras anotações. A multa de 10% (dez por cento) prevista no artigo 475J, CPC, só pode ser aplicada após a intimação pessoal do devedor para o pagamento do valor da condenação. EMENTA: APELAÇÃO – DANOS MORAIS – QUANTUM – RAZOABILIDADE – VALOR ELEVADO – REDUÇÃO. Deve ser reduzida a indenização por danos morais quando, considerando as circunstâncias em que se deram os fatos e as demais diretrizes norteadoras do instituto, for fixada em valor elevado pelo Juiz a quo. (TJ-MG – AC: 10702100544148001 MG , Relator: Antônio Bispo, Data de Julgamento: 13/03/2014, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/03/2014, sem grifo no original)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA DO ARTIGO 475-J, CPC. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO. A questão sobre a incidência da multa do 475-J, CPC, já restou pacificada no Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp 1262933-RJ, sendo necessária a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir a multa de 10% sobre montante da condenação, nos termos do art. 475-J do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70058418914, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 27/05/2014) (TJ-RS – AI: 70058418914 RS , Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Data de Julgamento: 27/05/2014, Vigésima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/05/2014, sem grifo no original).
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA PREVISTA NO ARTIGO 475-J, CPC. INTIMAÇÃO DA PARTE NA PESSOA DO ADVOGADO. NECESSIDADE. 1. CONQUANTO O TEXTO DO ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO FAÇA REFERÊNCIA À INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA CUMPRIR A OBRIGAÇÃO DE PAGAR, FAZ-SE NECESSÁRIA TAL PROVIDÊNCIA PARA QUE POSSA INCIDIR A MULTA DE 10%. PRECEDENTES. 2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO (TJ-DF – AGI: 20080020001260 DF , Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 05/03/2008, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 26/03/2008 Pág. : 118, sem grifo no original).
Por fim, há que se questionar a efetividade deste instituto, pois ainda que houvesse omissão e compatibilidade, percebe-se que a multa não traz tanto benefício ao credor, pois no que tange a demora, sua aplicação não a impede, por vezes até atrasa ainda mais em razão do aumento do montante, conforme bem mencionaram Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral[16]:
[…] o acréscimo de uma multa de dez por cento sobre o valor da condenação, no prazo estabelecido pelo juiz, constitui mais uma tentativa de evitar que a execução se arraste por anos, quiçá lustros, ou décadas; se bem que, mau pagador é, sempre, mau pagador, em juízo ou fora dele, com multa ou sem ela(Grifo nosso).
Referência Bibliográfica
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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho.11ª ed. São Paulo: LTr, 2012.
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MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 29ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho – Rio de Janeiro, Editora Forense, 27ª Edição 2007.
Notas
[1] DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito, 2002, p. 95.
[2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa 7ª ed. – Curitiba: Editora Positivo; 2008.
[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho – Rio de Janeiro, Editora Forense, 27ª Edição 2007. p. 980.
[4] In
[5]In:
[7] In:
[8] SCHIAVI, Mauro. Execução no processo do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 225.
[9] CHAVES, Luciano Athayde et al (Org.). Direito Processual do Trabalho: Reforma e Efetividade: A multa prevista no art. 475-J do CPC. São Paulo: Ltr, 2007. p. 218.
[10] SANTOS, José Aparecido dos (Org.). Execução Trabalhista. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2010. p. 295.
[11] In:
[12] Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial: […] II – com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;
[13] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 178-179
[14] SANTOS, José Aparecido dos (Org.). Execução Trabalhista. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2010. p. 292.
[15] Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora.
[16] CARREIRA, ALVIM, J. E. e CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento…, p. 65.
Autor (es): Mayara Ishikawa, Arley Mangrich, Nicoli Almeida da Silva, Mílard Zhaf Lehmkuhl e Amanda Bruno
Fonte: www.jus.com.br