Recentemente fui procurado em meu escritório de advocacia por um cidadão para tratar de uma questão de desapropriação. Contava o cliente que a propriedade rural, que estava na família há mais de trinta anos, seria parcialmente desapropriada para a passagem de uma linha férrea.
A terra seria cortada em duas partes, e para a construção da referida linha ferroviária seria necessário um aterro que inviabilizaria o acesso a uma parcela do terreno. Além desse aspecto, devido às circunstâncias topográficas o cliente informou que a propriedade como um todo tornar-se-ia inservível para a atividade pecuária que ali era exercida, pois o aterro acabaria por fazer com que o restante do terreno constantemente ficasse inundado.
O órgão responsável pela desapropriação, no entanto, somente se propunha a pagar a faixa de terra necessária à passagem da ferrovia.
Dados os fatos, “a cabeça de advogado” prontamente começou a trabalhar. Logo expliquei que poderíamos pedir o direito de extensão e que haveria a possibilidade de conseguir a desapropriação de toda a área, ou no mínimo uma indenização pela redução da capacidade produtiva do terreno. Acerca da área que seria separada do restante da propriedade, a possibilidade de pedir o direito de extensão era praticamente certa.
Surpreendi-me com a resposta do cliente, que disse não se interessar pela indenização. Ao indagar a razão da procura por um advogado a resposta foi pronta: “eu quero ir lá!! Quero ir na porção do terreno que será separada pela linha férrea. Tenho muitas lembranças daquele lugar e para mim não há dinheiro no mundo que pague o que estão fazendo comigo“.
A resposta causou-me espanto e fez-me refletir acerca da necessidade de indenização por danos morais por ocasião das ações de desapropriação.
Essa é a motivação do presente trabalho.
A Constituição Federal brasileira consagrou no inciso III de seu primeiro artigo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro. É certo dizer que a consagração do princípio da dignidade do ser humano como direito fundamental torna o homem em toda a sua dimensão física e espiritual como o eixo central do direito brasileiro [01]
Isso ocorre porque o ser humano não pode ser tratado como um mero objeto. É o protagonista das relações sociais. Marçal Justen Filho assim leciona acerca do tema:
Todos os princípios jurídicos se vinculam à dignidade humana, que consiste na concepção de que o ser humano não é instrumento, em qualquer das acepções que a palavra se apresente. O ser humano não pode ser tratado como objeto. É o protagonista de toda a relação social, e nunca pode ser sacrificado em homenagem a alguma necessidade circunstancial ou, mesmo, a propósito da realização de “fins últimos” de outros seres humanos ou de uma coletividade indeterminada. Não há valor equiparável ou superior à pessoa humana, que é reconhecida com integridade, abrangendo tanto os aspectos físicos como também seus aspectos imateriais. A dignidade relaciona-se com a integridade do ser humano, na acepção de um todo insuscetível de redução, em qualquer de seus aspectos fundamentais [02].
O disposto no artigo inicial é complementado com diversas disposições espalhadas pelos artigos da Constituição que objetivam dar concreção ao princípio da dignidade da pessoa humana. É seguro dizer, por exemplo, que o artigo 5º da Constituição Federal em toda a sua integralidade é destinado a proteger direta ou indiretamente a dignidade do ser humano.
Não cabe aqui tratar de todos esses aspectos. Tratar-se-á apenas daqueles pertinentes ao objeto do presente estudo.
Partindo desse pressuposto, é certo dizer que os direitos de liberdade, igualdade, segurança e propriedade previstos no caput do artigo 5º da Constituição Federal, são preceitos que se destinam a dar concreção ao princípio da dignidade do ser humano, previsto no artigo primeiro da Constituição Federal. Este último (direito de propriedade) assume tamanha importância que é expressamente assegurado no inciso XXII do art. 5º da Constituição Federal e indiretamente pelo inciso XI que assegura a inviolabilidade de domicílio.
O disposto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a reparação por danos morais, também tem função equivalente. Por intermédio dele assegura-se a punição às afrontas aos bem imateriais que compõe o conceito de dignidade do ser humano.
A proteção jurídica conferida ao ser humano por esses dispositivos é suficiente para alcançar o homem em sua integralidade. Abrange o aspecto físico, psíquico e patrimonial. Assegura que o homem não seja molestado em seu lar e que tenha uma vida dotada de estabilidade jurídica. A Constituição erige o bem estar do ser humano à condição de um verdadeiro bem jurídico.
As afrontas a esse bem estar devem ser juridicamente reparadas, por força do que dispõe o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que deve ser interpretado de modo amplo, conforme leciona Antonio Jeová Santos:
Interpretação literal do art. 5º, inciso X, da Constituição da República, ao afirmar que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, pode levar, à primeira vista, que tratou do dano moral de forma tipificada, ou seja, afora os casos específicos ali mencionados, não caberia ressarcimento do dano puramente moral. Se fosse possível apegar-se à interpretação gramatical, ter-se-ia que, afora os casos de vulneração à vida privada, honra e imagem, não seria possível o pleito de indenização. Não é assim, porém. A Constituição deve ser interpretada tomada todo o sistema, todo o texto [03].
De fato, há outros direitos imateriais inseridos no conceito de dignidade do ser humano e o § 2º do art. 5º da Constituição Federal é expresso ao dispor que há outros direitos e garantias decorrentes dos princípios estabelecidos pela Constituição. É assim que é correto supor a existência de um sistema de proteção aos direitos imateriais em sentido amplo. A ofensa a esses direitos acarreta “dano moral” nos termos do art. 186 do Código Civil brasileiro com o consequente dever de indenizar.
Yussef Said Cahali assim caracteriza o dano moral:
Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se, desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.) [04] (grifo nosso).
É justamente os danos molestadores da parte afetiva do patrimônio moral que podem dar origem ao direito de indenizar por ocasião das desapropriações. É certo que normalmente o afeto se dá em face de pessoas.
É possível, no entanto, que também ocorra em relação a coisas. Imagine-se uma casa na qual viveram três gerações da mesma família, um instrumento musical que é o preferido de um músico profissional, uma coleção de selos cuja confecção levou trinta anos de dedicação de seu proprietário, um objeto de uso comum, mas que é a única lembrança de um ente falecido querido. Certamente o desaparecimento ou subtração de bens dessa espécie causa aos seus antigos proprietários uma dor muito maior do que aquela decorrente da perda de outros objetos intrinsecamente iguais.
O Estado responde pelos danos que ocasionar a terceiros. Trata-se de uma conseqüência lógica da noção de Estado de Direito. Sujeita-se, portanto, às regras atinentes à responsabilidade extracontratual. O regime jurídico sui generis ao qual o Estado se submete, contudo, acaba por produzir efeitos no tema da responsabilidade civil. As principais peculiaridades são a possibilidade de responsabilização objetiva e pela prática de atos lícitos, porém danosos. A primeira está prevista expressamente no § 6º do art. 37 da Constituição Federal e no art. 43 do Código Civil brasileiro [05]. A segunda decorre de construção doutrinária e parte da constatação de que há certos atos do Poder Público que, embora lícitos, ocasionam aos cidadãos um sacrifício extremado. Acerca do tema assim leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade [06].
Não há controvérsias acerca de a indenização abranger os danos emergentes e os lucros cessantes. Atualmente admite-se também que o Estado indenize os danos morais, pois “o dano juridicamente reparável nem sempre pressupõe um dano econômico. Pode ter havido única e exclusivamente um dano moral” [07].
Para que surja o dever de indenizar, no entanto, são necessárias algumas características. A primeira é que o dano corresponda à lesão jurídica de um direito da vítima [08]. Não importa que a conduta seja lícita. Celso Antônio Bandeira de Mello é bastante claro a esse respeito:
No caso de comportamentos comissivos, a existência ou inexistência do dever de reparar não se decide pela qualificação da conduta geradora do dano (ilícita ou lícita), mas pela qualificação da lesão sofrida. Isto é, a juridicidade do comportamento danoso não exclui a obrigação de reparar se o dano consiste em extinção ou agravamento de um direito.
Donde, ante atuação lesiva do Estado, o problema da responsabilidade resolve-se no lado passivo da relação, não no lado ativo dela. Importa que o dano seja ilegítimo – se assim nos podemos expressar; não que a conduta causadora o seja [09].
A segunda característica é que o dano seja certo. Não se indeniza o dano apenas eventual ou possível [10].
Nos casos de comportamentos estatais lícitos exige-se ainda que o dano seja especial e anormal [11]. O “dano especial é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela sociedade. Corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos indivíduos, e não sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas” [12].
O “dano anormal é aquele que supera os meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes às condições de convívio social” [13].
“A forma de indenização pode ser em espécie ou mediante atitudes que reduzam os efeitos negativos da ofensa. Sempre que possível o Estado deverá promover todas as condutas necessárias a neutralizar ou mitigar os efeitos adversos gerados pelo evento danoso” [14]. É possível, por exemplo, impor obrigações de fazer e não fazer. Havendo danos morais, por exemplo, pode ser imposta a publicação de notícias destinadas a minorar os efeitos das ofensas. Não sendo possível desfazer o ato danoso por completo surge a indenização em pecúnia.
Uma parcela da doutrina costuma diferenciar a responsabilidade extracontratual do sacrifício de direitos [15]. Há casos nos quais a ordem jurídica confere ao Estado o poder de investir diretamente contra os direitos dos cidadãos de modo a sacrificá-los e convertê-los em sua expressão patrimonial.
Trata-se daqueles casos nos quais o interesse público não possa ser satisfeito sem o sacrifício de um interesse privado. Ambos são tutelados pela lei, mas o primeiro deve prevalecer, sem que isso acarrete o desprezo do segundo.
O exemplo típico é o ato de desapropriação. Trata-se de hipótese diferente daquela abordada anteriormente, qual seja a da responsabilidade estatal por atos lícitos. Naquela o Estado acarretava um dano indiretamente. Não agia com a finalidade própria de “subtrair” um direito alheio como ocorre neste caso.
A distinção é meramente abstrata e nenhum reflexo traz em relação aos efeitos da conduta estatal, pois em ambos os casos surge o dever de indenizar.
Há diversas teorias acerca do fundamento jurídico da desapropriação [16]. Há quem a explique com base na preponderância do interesse público sobre o interesse particular. Outros procuram explicá-la com base na função social a que a propriedade deve se subordinar. Há também quem afirme que originalmente toda a propriedade era pública, e que mesmo após a instituição da propriedade privada o Estado teria reservado o direito de retomá-la se houvesse necessidade.
Além dessas teorias muitas outras foram criadas acerca do instituto. É certo, contudo, que após a Constituição de 1988 o instituto da desapropriação tem fundamento constitucional nos seguintes dispositivos: a) inciso XXIV do art. 5º, b) inciso III do § 4º do art. 182 e c) art. 184.
É por essa razão que perante o direito brasileiro é correta a lição de Clóvis Beznos, que leciona que “para nós, a desapropriação fundamenta-se no próprio perfil do direito de propriedade, tal como é ele acolhido em nosso sistema constitucional” [17].
Podem ser objeto de desapropriação quaisquer coisas que sejam objeto de propriedade, sejam elas corpóreas ou incorpóreas. É o que leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
Pode ser objeto de desapropriação tudo aquilo que seja objeto de propriedade. Isto é, todo bem, imóvel ou móvel, corpóreo ou incorpóreo, pode ser desapropriado. Portanto, também se desapropriam direitos em geral.
No mesmo sentido é o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho:
Como regra, a desapropriação pode ter por objeto qualquer bem móvel ou imóvel dotado de valoração patrimonial. É com esse teor que se pauta o art. 2º do Decreto-lei n 3.365/41, no qual se encontra consignado que “todos os bens podem ser desapropriados” pelas entidades da federação. Deve-se, por conseguinte, incluir nessa expressão os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos. Em razão dessa amplitude, são também desapropriáveis ações, cotas ou direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas [18].
Conforme se verifica, qualquer direito pode ser desapropriado. Há, contudo, uma condição a ser observada. Exige-se, como regra geral, que a indenização seja prévia, justa e em dinheiro. É o que dispõe o inciso XXIV do art. 5º da Constituição Federal que dispõe:
Art. 5º
…
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (grifo nosso)
É necessário observar que o constituinte utilizou a palavra “justa“. Trata-se de vocábulo de grande amplitude, que não possuí um sentido unívoco. Cumpre, portanto, procurar delimitá-lo.
Um primeiro aspecto consiste no fato de que a indenização deverá servir para evitar que o expropriado tenha prejuízos e possibilitar a aquisição de bem equivalente ao desapropriado. É o que leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
Indenização justa, prevista no art. 5º, XXIV da Constituição, é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exime de qualquer detrimento [19].
Entendimento equivalente é o de Marcelo Beserra que, com base nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles e Limongi França, acrescenta aos danos materiais a necessidade de indenizar também pelos lucros cessantes e demais despesas decorrentes do processo expropriatório:
Justa indenização significa tornar indene o desapropriado para que possa recompor seu patrimônio, através de valor que o possibilite adquirir bem com as mesmas características, sem a cogitação de qualquer prejuízo. Hely Lopes Meirelles entende que a indenização justa é “a que cobre não só o valor real e atual dos bens à data do pagamento, como também os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento de seu patrimônio.”
O saudoso professor R. Limongi França ensinava que a justa indenização deve levar em conta o valor do objeto da expropriação, os lucros cessantes, as despesas com o processo e outras despesas e arremata que se a indenização não for justa e em dinheiro “seria um instrumento de desmando, de arbítrio, uma lança tenaz e incontrolável de antidireito” [20].
Atualmente entende-se que a indenização deve abranger até mesmo direitos imateriais como, por exemplo, o fundo de comércio nos casos em que este existir. É o que também leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:
Com efeito, quando o fundo de comércio for do proprietário, o valor dele computa-se na indenização a ser paga na desapropriação. Deveras, no caso, ele integrará o valor do bem. Como a indenização ao expropriado há de ser justa, terá necessariamente de cobri-lo, sem o quê lhe causaria desgaste patrimonial [21].
Nesse mesmo sentido pode-se mencionar o inciso IV do artigo 12 da lei n 8.629/93, que ao disciplinar os valores a serem pagos por um imóvel para fins de reforma agrária determina que a ancianidade das posses deve ser considerada. Consagrar que a antiguidade da posse deve ser levada em conta para fins de indenização nada mais é do que estabelecer um critério imaterial para fins de indenização.
Conforme se verificou pela exposição até aqui feita a Constituição Federal assegurou no inciso III de seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro e densificou o referido princípio instituindo os direitos de liberdade, igualdade, segurança, propriedade e a inviolabilidade do domicílio. Assegurou também que os danos extrapatrimoniais são indenizáveis. Dentre esses danos encontram-se aqueles que afetam a parte afetiva do patrimônio moral, qual seja o apreço pelas pessoas e coisas.
Estabeleceu-se, também, que o Estado deve indenizar os danos que causar ainda que estes decorram da prática de atos lícitos e que estes tenham o caráter exclusivamente moral.
Finalmente, estabeleceu-se que a disciplina jurídica acerca do instituto da desapropriação exige uma indenização justa e que há uma evolução no sentido de indenizar valores imateriais.
Diante de todos esses pressupostos é impossível deixar de reconhecer a possibilidade da indenização por danos morais por ocasião da desapropriação.
É certo que até o presente momento jamais se falou a esse respeito. Isso, contudo, não torna a conclusão menos acertada. É que o conceito de justa indenização está a sofrer uma mutação. É o que bem leciona Sonia Rabello:
É verdade que, no Direito, é fundamental que se tenha e se conserve, com boa dose de estabilidade o sentido que se atribui a um conceito, sem o que não haveria, de fato, segurança jurídica quanto à cognicibilidade do seu conteúdo. Porém, isto não significa que, havendo fatos novos que alterem as circunstâncias que justifiquem determinado entendimento daquele conteúdo, o conceito não deva ser alterado. E é isto que acontece hoje com o termo justa indenização… [22]
A mutação que o conceito está a sofrer nada mais é do que o reconhecimento da proteção de valores extrapatrimoniais consagrados pela Constituição Federal. Esses valores devem ser privilegiados em face de um dos mais odiosos institutos jurídicos existentes no direito.
É odioso porque afeta a liberdade, obrigando o cidadão a desfazer-se de um bem contra a própria vontade. É odioso porque afronta a igualdade fazendo com que o expropriado suporte sozinho um ônus que beneficiará os demais. É odioso porque afeta a segurança, servido como instrumento que pode até mesmo obrigar o cidadão a abandonar o seu próprio lar. É até mesmo seguro dizer que apesar de ser um ato lícito, causa maiores incômodos aos expropriados do que a maior parte dos atos ilícitos existentes. Poucas situações causam maior trauma do que forçar o cidadão a abandonar o lar contra a própria vontade. Há aí uma lesividade extremada, que não deixa de existir pelo fato de tratar-se de um instituto jurídico lícito.
Apesar de odioso é forçoso reconhecer que se trata de um instrumento necessário, sem o qual o Estado deixaria de cumprir muitos de seus fins. Reconhece-se que serve para delimitar o direito de propriedade, que é um direito garantido por duas vezes no Título II da Constituição Federal, que trata dos direitos fundamentais. Trata-se de uma exceção “constitucional“, que permite a realização de um ato que normalmente seria considerado ilícito, mas que somente pode ser praticado mediante a obediência de condições estritas. Essas condições são a ocorrência de indenização em dinheiro prévia e justa. É impossível dizer que tenha ocorrido uma indenização justa se os danos extrapatrimoniais não forem considerados.
É certo que o Estado, ao desapropriar não age tendo em vista ocasionar danos morais. Estes, no entanto, ocorrem indiretamente pela prática do ato de expropriar e isso faz com que incida a necessidade de o Estado indenizar pelos danos que causar pela prática de atos lícitos.
Diante de todo o exposto, concluí-se pela possibilidade de indenização por danos morais por ocasião da desapropriação. Trata-se de conclusão lógica derivada do princípio que protege a dignidade da pessoa humana nos seus direitos fundamentais de liberdade, igualdade e segurança. Decorre também da delimitação constitucional do direito de propriedade, que somente pode ser desapropriada mediante uma indenização justa. O ato expropriatório pode afetar o patrimônio moral em seu aspecto afetivo e sempre que o fizer dará origem à indenização.
É certo que haverá quem diga que a desapropriação jamais ensejaria danos morais, pois tratar-se-ia de um mero incômodo ao qual o cidadão está sujeito em decorrência da vida em sociedade. Entendimento desse tipo é equivocado, e aqueles que vierem a defendê-lo certamente mudarão de opinião quando forem desalojados de seus lares e os virem derrubados para a passagem de uma via pública.
8- Bibliografia
BESERRA, Marcelo. Desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
Notas
Fonte: www.jus.com.br