Dentro do Código Tributário Nacional (CTN, Lei 5.172/66) ficaram definidas as modalidades de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Quando uma das modalidades ocorre, o crédito em discussão, que pode ter várias origens, perde o efeito exigível por parte do Estado.
Por exemplo, em uma Execução Fiscal, o contribuinte devedor, entendendo ter algum motivo para discutir o crédito tributário em questão, poderia requerer ou realizar alguma das modalidades trazidas pelo CTN em seu artigo 151:
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies
de ação judicial;
VI – o parcelamento.
Atendendo uma dessas modalidades, o crédito não mais pode ser cobrado, e, dessa forma, uma eventual discussão sobre ele pode ocorrer de maneira límpida, com o contribuinte não mais temendo atos expropriatórios ou confiscatórios, como o bloqueio de valores em conta ou a penhora de bens, além de viabilizar a possibilidade de emissão de CPEND (certidão positiva com efeitos de negativa), vedar a inscrição no CADIN, dentre outras possibilidades.
Ocorre que, caso ao fim da discussão o contribuinte estivesse correto e, na dada situação, o valor viesse a ser devolvido, ele era corrigido monetariamente pela taxa Selic, já que os valores podem ficar anos a fio depositados, sendo lógico sua continua correção para manter seu valor.
Contudo, ainda em setembro de 2024, foi instituída a Lei 14.973, acompanhada de diversas críticas por tributaristas, economistas, contadores e afins. Nela, ocorreram alterações desarrazoadas e inconstitucionais que já são percebidas com grande temor. Até a edição dessa Lei, a correção monetária a ser efetivamente realizada nos casos de depósito descritos era feita pela taxa Selic, conforme o artigo 2º, parágrafo único da Lei 9.703 e, ainda, definida também na Emenda Constitucional 113/21, que trazia a seguinte redação:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Dessa maneira, como confronta a disposição de Emenda Complementar, lei de hierarquia superior, que define o uso da taxa Selic, logo é clara a inconstitucionalidade da Lei 14.973, pois seu artigo 37 definiu de maneira genérica que o levantamento de valores sofrerá correção, não indicando qual ela é, ficando assim a caráter da autoridade competente decidir:
Art. 37. Conforme dispuser a ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, haverá:
II – levantamento dos valores por seu titular, acrescidos de correção monetária por índice oficial que reflita a inflação.
Essa edição normativa deixa uma clara lacuna a ser preenchida de maneira discricionária pela autoridade competente, podendo inclusive utilizar índices diversos. Sabe-se que o Governo Federal utiliza o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que se sabe, tende a ter valores proporcionalmente bem menores que aqueles da Selic. De agosto de 2023 até agosto de 2024 o IPCA acumulou a inflação em 4,24%, enquanto a Selic está em 10,75%.
Quando esses depósitos são liberados em favor da Fazenda, eles são atualizados pela taxa Selic, que é mais onerosa, enquanto aqueles liberados em favor do contribuinte, agora serão atualizados de maneira diversa.
Dessa forma, demonstra-se uma clara violação ao princípio da isonomia, garantido pela Constituição Federal, ao permitir que a Fazenda Pública tenha um tratamento privilegiado no que diz respeito à correção dos valores a serem restituídos, enquanto o contribuinte é penalizado com uma correção monetária inferior, o que não é compatível com o equilíbrio processual.
Diante disso, novamente é vista uma alteração que visa favorecer unicamente o erário público, enquanto o contribuinte resta prejudicado.
* Alexandre Muradás de Carvalho, integrante da equipe tributária doGranito Boneli Advogados. Graduando no Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Fonte: https://diariocampineiro.com.br/alexandre-muradas-de-carvalho-a-nova-correcao-em-deposito-judicial-e-sua-inconstitucionalidade/