Cabe ação rescisória contra decisão que julgou procedente pedido de revisão de benefício de previdência privada, utilizando critérios diferentes dos previstos no regulamento do plano, aplicando o Código de Defesa do Consumidor para rever cláusula pactuada antes mesmo de sua vigência e dispensando a produção de prova pericial atuarial.
A questão foi enfrentada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar recurso especial de entidade de previdência privada que, por meio de ação rescisória, visava alterar decisão que determinou a revisão do benefício.
Na ação revisional, a beneficiária, viúva de associado do plano, pediu o recálculo da pensão, pois haveria um fator de redução abusivo. Segundo ela, as contribuições do marido deveriam resultar em uma pensão maior do que aquela calculada no momento de sua morte.
O acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que as normas do plano sobre cálculo dos reajustes do benefício não eram claras, o que configuraria abuso, nos termos do CDC, ao impor “pesados prejuízos” aos beneficiários.
Interpretações
A entidade entrou, então, com ação rescisória, alegando que o pagamento determinado pela decisão estadual contrariava as regras do plano contratado pelo associado e o princípio da previdência segundo o qual a concessão das pensões somente é cabível se realizada com base atuarial. A aplicação retroativa do CDC – que é posterior ao contrato – e a falta de perícia atuarial também foram questionadas.
O TJRS rejeitou a rescisória, por entender que a entidade previdenciária pretendia apenas a reapreciação do mérito da demanda originária. Para o tribunal, a rescisão do acórdão seria juridicamente impossível, já que a decisão não violava de modo aberrante nenhum dispositivo legal em sua literalidade, mas elegia uma dentre as interpretações cabíveis.
O voto condutor do acórdão na segunda instância ainda afirmou que o magistrado pode dispensar a realização de prova pericial e citou a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal (STF), ao jugar a via rescisória como meio impróprio.
Segurança jurídica
Ao analisar a questão, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, destacou a jurisprudência já firmada no STJ: “Não se pode admitir que prevaleça um acórdão que adotou interpretação contrária à lei, conforme interpretada por seu guardião constitucional, nas hipóteses em que a jurisprudência tiver evoluído para sua pacificação.” Nesse caso, a ação rescisória pode ser ajuizada.
Ao analisar a questão, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, destacou a jurisprudência já firmada no STJ: “Não se pode admitir que prevaleça um acórdão que adotou interpretação contrária à lei, conforme interpretada por seu guardião constitucional, nas hipóteses em que a jurisprudência tiver evoluído para sua pacificação.” Nesse caso, a ação rescisória pode ser ajuizada.
Segundo o ministro, “a observância à jurisprudência do STJ garante tratamento isonômico aos jurisdicionados e vai ao encontro da famosa lição de Cândido Rangel Dinamarco, para quem os tribunais superiores têm por missão propiciar segurança jurídica, prevenindo a denominada jurisprudência lotérica”.
A inobservância, completa o ministro, fomenta o “demandismo”. “Jurisdicionados passam a mover novas demandas na esperança de, com sorte, seu processo vir a ser julgado por magistrado ou órgão colegiado que acolham a sua tese – ocasionando inconcebíveis e insustentáveis iniquidades, a ensejar que causas idênticas tenham soluções divergentes”, afirma.
De acordo com Salomão, há muito tempo foi abandonado o entendimento de que a violação literal de normas legais, exigida para o cabimento da ação rescisória, seria “sinônimo de ofensa teratológica e aberrante à letra da lei”. Segundo ele, o que autoriza a rescisória é a violação do “direito em tese” – uma “ofensa de razoável monta” à correta interpretação da lei, que não se confunde com a simples escolha de uma entre várias interpretações possíveis.
Perícia obrigatória
Para o relator, ocorreu, no caso, clara e inequívoca afronta a dispositivos legais. Segundo o ministro, a ação revisional adota premissa fático-jurídica equivocada ao afirmar que ocorreria enriquecimento sem causa da entidade caso não houvesse revisão dos valores. Primeiro porque o fundo de pensão pertence a uma coletividade, segundo porque a decisão desconsiderou a natureza atuarial dos cálculos.
“Tendo em vista que o sistema de capitalização e a solidariedade entre a coletividade integrante do plano de benefícios constituem pilar do regime de previdência privada, evidentemente a eventual inobservância ao equilíbrio atuarial, em contrariedade ao pactuado, colocará em risco o interesse de terceiros”, afirmou o ministro.
Em seu voto, Salomão afirmou que a jurisprudência do STJ estipula que, para a revisão de benefício pago por entidade de previdência privada, segundo critérios diversos do pactuado no contrato, é imprescindível perícia atuarial. A falta da perícia configura cerceamento de defesa e violação de ato jurídico perfeito.
Quanto ao CDC, a entidade de previdência mencionou decisões do STF no sentido de que não pode ser aplicado a contratos firmados antes de sua vigência. Além disso, conforme observou o ministro Salomão, o TJRS anulou cláusula contratual sem indicar a apuração de nenhum vício, o que “implica violação ao ato jurídico perfeito”.
Com a decisão, o STJ afastou a aplicação da Súmula 343 do STF e anulou o acórdão que considerou a rescisória imprópria. A ação rescisória deve, portanto, ser apreciada pelo TJRS.
Fonte: www.stj.jus.br