Afinal de contas a capitalização de juros sobre juros ou, como se denomina no jargão forense, anatocismo é uma prática afinada aos preceitos constitucionais?
Tal pergunta tem ensejado uma série de pronunciamentos judiciais nem sempre harmônicos entre si, aspecto esse que tem contribuído de forma direta para a propagação dos “mitos” que envolvem o tema propriamente dito.
Pontue-se, desde já, que o verbete da súmula 121 do Egrégio Supremo Tribunal Federal serviu como epicentro da confusão, ao reverberar: “é vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada”, ou seja, qualquer operação bancária não poderia comportar a incidência de juros sobre juros ainda que subsistisse expressa cláusula contratual nesse sentido.
De outro turno, o Superior Tribunal de Justiça veio a editar o verbete 93 da sua súmula consignando que: “a legislação sobre cédula de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”. Criando uma ruptura com o sistema anterior que ficou assim fragmentado e assistemático.
Conjuminando ambas as súmulas seria possível extrair a seguinte dilação:
a) Nas operações bancárias que não fossem oriundas de financiamento de capital de giro a empresas que atuem com o crédito rural, comercial e industrial, o anatocismo seria vedado.
Nos contratos bancários, que não aqueles que cuidassem do fluxo de crédito para fomento da atividade rural, comercial e industrial, o anatocismo não poderia ser pactuado mas, naquelas anteriormente denominadas a sua validade dependeria de cláusula expressa nesse sentido.
A incerteza que foi instaurada pelos verbetes sumulares conflitantes, oriundos dos Tribunais Superiores, criou um cenário de grande insegurança jurídica que acabou repercutindo nos demais julgados que vieram a ser proferidos pelos tribunais estaduais e regionais, sem que a jurisprudência ordinária viesse resolver a contradição que teve origem nas cortes que teriam por objetivo uniformizar o correto entendimento da matéria de direito que lhe fosse submetida a sua dirimência.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça na apreciação do Recurso Especial 1.061.530 – RS, sob a ótica do artigo 543-C do CPC, instituído pela Lei 11.672/2008, determinação afetação da matéria para ser julgada como recurso repetitivo (ainda não julgado), sob a ótica do artigo 5º da medida provisória 1963-17/00 reeditada sob o número 2.170-36/01, mas, não se furtou de reafirmar a sua anterior posição, inclusive alargando as suas fronteiras ao asseverar:
“Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado.” (g.n.)
Em suma, é possível compreender que a verdadeira ruptura de entendimentos sobre o tema capitalização/anatocismo, subsistente na jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal tanto do Superior Tribunal de Justiça, justifica a dispersão de convicções que a matéria tem suscitado na doutrina e nas barras dos tribunais, até mesmo porque se encontra pendente de julgamento uma ação direta de constitucionalidade 2316, onde se questiona exatamente se há ou não pertinência temática na cobrança de juros compostos.
Enquanto isso, os mitos vicejam, mas o exame das suas consequências será objeto de outro ensaio ao qual convidamos o leitor a aguardar, refletir, e, quiçá, sobreviver, enquanto de Brasília não vem uma definição apta a trazer segurança e harmonia ao mercado financeiro.
Autor: Eduardo de Oliveira Gouvêia
Fonte: www.direitohoje.com