Era, pois de se esperar que os valores constitucionais seriam respeitados e implementados. Os artigos 1º e 7º reforçam esta impressão inicial. Vejamos:
“Artigo 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
“Artigo 7º É assegurada às partes paridades de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hiposuficiência técnica.”
Em primeiro lugar, cumpre salientar que a igualdade das partes no processo decorre do princípio nuclear da Constituição de 88 qual seja o princípio da isonomia¹. Estudando a igualdade sob a ótica da Constituição de 1946, Francisco Campos² já dizia:
“A cláusula relativa à igualdade diante da lei vem em primeiro lugar na lista dos direitos e garantias que a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país. Não foi por acaso ou arbitrariamente que o legislador constituinte iniciou com o direito à igualdade a enumeração dos direitos individuais. Dando-lhe o primeiro lugar na enumeração, quis significar expressivamente, embora de maneira tácita, que o princípio da igualdade rege todos os direitos em seguida a eles enumerados (…).”
“Quando, efetivamente, a Constituição assegura a liberdade, a propriedade e os demais direitos individuais, ela os assegura não só indiscriminadamente a todos, mas a todos na mesma medida e mediante as mesmas condições. Enunciando o direito à igualdade em primeiro lugar, o seu propósito foi precisamente o de significar a sua intenção de proscrever, evitar ou proibir que em relação a cada indivíduo pudesse variar o tratamento quanto aos demais direitos que ela assegura e garante. O direito à igualdade rege aos demais direitos individuais, devendo ser subentendida em cada um dos parágrafos seguintes ao em que ele vem enunciado a cláusula relativa à igualdade.”
Se nas Constituições anteriores a isonomia figurava no primeiro dispositivo da relação que se seguia ao caput (inciso 1, do artigo 113, da Constituição de 1934; parágrafo 1º do artigo 141, da Constituição de 1946; parágrafo 1º, do artigo 150, da Constituição de 1967; e parágrafo 1º, do artigo 153, da Emenda Outorgada de 1969), como um dos termos em que se garantiriam os direitos á vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, hoje, a isonomia não é mais uma das formas de se garantir tais direitos. É a causa e o fundamento de tais garantias. Hoje, garante-se tais direitos porque todos são iguais. A igualdade deixou de ser instrumento das garantias para ser a causa de direitos e garantias. Se assim não fosse, a afirmação da igualdade não viria no caput do artigo 5º, como primeira afirmação a inspirar todos os direitos e deveres individuais e coletivos. A conseqüência é que a isonomia está presente em todos os incisos do artigo 5º, e, assim sendo, ela não pode ser esquecida na interpretação de qualquer deles. E o inciso LV impõe a igualdade entre as partes do processo. Diz ele:
“… LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;…”
Portanto, os prazos privilegiados da fazenda Pública constantes do vigente Código de Processo Civil não foram recepcionados pela Constituição de 88.
Se o Anteprojeto for aprovado com os referidos prazos em dobro, ele será, neste aspecto, inconstitucional.
Apesar de o artigo 7º do Anteprojeto dizer que assegura ás partes paridade de tratamento, isto não se verifica.
O parágrafo 3º, do artigo 73, distingue os honorários sucumbências nas causas em que for vencida a Fazenda Pública. O artigo 93 dá à Defensoria Pública o dobro dos prazos para as suas manifestações, e o artigo 95 concede o prazo em dobro para a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações de direito público, sem que haja qualquer justificativa para tanto. A não ser que os dignos autores do Anteprojeto considerem os procuradores dos entes público hiposuficientes.
Também será inconstitucional o prazo em dobro para o Ministério Público quando parte na ação. Como fiscal da lei, o prazo em dobro não poderá ser impugnado.
1 – Veja-se o nosso “Princípios Constitucionais Tributários”, Malheiros, São Paulo, 2ª edição, 2000, pgs. 16 a 26.
2 – Direito Constitucional, Freitas Bastos, Rio, 1956, vol. II, pg. 12.
Autor: Américo Masset Lacombe, advogado, doutor em direito pela PUC-SP e desembargador federal aposentado
Fonte: www.conjur.com.br